O que significa 'aquilombamento', termo presente em toada do Boi Caprichoso este ano?
A toada carrega consigo uma mensagem poderosa de luta, resistência e valorização da cultura negra.

No Festival de Parintins, o maior e um dos mais representativos eventos culturais da Amazônia, o Boi Caprichoso apresenta este ano uma toada que se destaca por sua força e relevância histórica: "Kizomba – A festa da retomada".
A toada exalta a negritude, a luta e a resistência, e traz à tona um conceito poderoso que vai além da festa e da música: o aquilombamento. A palavra, que remete aos quilombos e à história dos povos negros no Brasil, carrega um peso simbólico profundo, especialmente no contexto da cultura afro-brasileira e da luta por igualdade e reconhecimento.
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O termo "aquilombamento" tem suas raízes na palavra quilombo, que designa as comunidades formadas por pessoas escravizadas que buscavam fugir e lutar contra a escravidão no Brasil. Essas comunidades eram símbolos de resistência, autonomia e preservação cultural em tempos de opressão. Os quilombos eram locais onde os negros conseguiam manter suas tradições, cultuar suas religiões e viver livremente, longe da exploração imposta pelos colonizadores.
No entanto, "aquilombamento" vai além de um simples resgate histórico. Hoje, o termo é utilizado para descrever o processo de formação de coletivos, espaços e ações que visam promover a união, a solidariedade e a resistência dentro das comunidades negras. É uma palavra que simboliza a busca por fortalecimento e por um sentido de pertencimento e identidade, especialmente em uma sociedade marcada pela marginalização de populações afro-brasileiras.
Na letra, na história
Na toada do Boi Caprichoso, o conceito de aquilombamento é trazido à tona por versos como: "Se a abolição está inacabada / A consciência aquilombada / Na cultura vai lutar". Esses versos não só se referem à luta histórica pela liberdade e pela igualdade racial, mas também à contínua necessidade de resistência e de afirmação cultural dos negros. A abolição da escravatura, em 1888, não trouxe a liberdade plena e a igualdade prometida. Pelo contrário, muitas das estruturas de opressão, exploração e desigualdade persistiram, o que torna a "consciência aquilombada" um importante conceito de luta e valorização das raízes africanas na contemporaneidade.
A consciência aquilombada não se limita apenas à lembrança do passado; ela se reflete nas ações e no fortalecimento das comunidades negras atualmente. O aquilombamento, nesse sentido, é uma prática contínua de resistência e de afirmação da identidade. É a formação de coletivos e espaços que promovem a cultura negra, suas tradições, suas manifestações artísticas e suas lutas políticas. A importância da educação e da valorização da história negra é um dos pilares dessa consciência aquilombada, que se traduz não apenas na preservação das raízes culturais, mas também na luta por um futuro mais igualitário.
No contexto da toada "Kizomba – A festa da retomada", o Boi Caprichoso utiliza esse conceito de aquilombamento para afirmar que a cultura afro-brasileira continua viva e pulsante, apesar das dificuldades. A música celebra as origens africanas da Amazônia, com versos que falam da união de povos e da força do tambor e do maracá: "Veio de Guiné, de Angola / Uniu tambores e maracás / Pra retomada pan-africana na festa". Essa menção à "retomada pan-africana" não é apenas uma referência à busca por uma maior conexão entre os povos africanos e a diáspora, mas também uma afirmação da continuidade da luta e da presença da cultura negra na Amazônia, na música e no folclore.
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Além disso, a toada ressalta a presença da "Amazônia negra", uma expressão que fortalece a identidade dos povos afro-brasileiros da região, reconhecendo-os como parte integral da formação da cultura amazônica. A referência ao "ninho da sankofa africana" é uma alusão ao conceito africano de Sankofa, que significa "voltar ao passado e pegar o que foi esquecido"; "resgatar algo importante" ou ainda "voltar e pegar". Esse símbolo fala da importância de olhar para o passado para entender o presente e construir um futuro melhor. Na toada, ele representa a necessidade de resgatar e valorizar a memória dos nossos ancestrais e a força cultural que continua viva.
O termo aquilombamento, como apresentado pelo Boi Caprichoso, também se conecta diretamente com o movimento contemporâneo de valorização da cultura negra e do combate ao racismo estrutural. Em um momento histórico em que questões de igualdade racial, reparação e respeito aos direitos dos negros estão em pauta, o conceito de aquilombamento adquire uma importância renovada. Ele simboliza uma resposta coletiva às injustiças históricas e à perpetuação de desigualdades, buscando criar um espaço seguro onde as pessoas negras possam se fortalecer, preservar sua cultura e, ao mesmo tempo, educar o mundo sobre suas raízes e suas lutas.
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