Denúncias de corrupção contra gestão do prefeito Daniel Santos ganham fôlego na Justiça
Jornalista investigativo revela suposto estudante usado como “laranja” em esquema de corrupção. Juristas dizem que o processo contra o gestor, ainda em fase inicial, está longe de acabar e novos desdobramentos decisivos são esperados.

Apesar de ter retornado ao cargo na última quarta-feira (6) graças a uma liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o prefeito de Ananindeua, Daniel Santos (PSB), segue no centro de uma série de denúncias e investigações por corrupção e desvio de recursos públicos. Novos detalhes do processo seguem vindo a público: na última atualização, se revelou como um jovem estudante teria sido usado como “laranja”, em um esquema de fraude que beneficiaria empresas ligadas a um empresário próximo do prefeito, de acordo com vídeos publicados essa sexta-feira (8), pelo repórter investigativo Adriano Wilkinson. O advogado eleitoral Sávio Melo alerta: ainda em fase inicial, o processo que envolve o gestor está longe de acabar.
Daniel Santos foi afastado da função por decisão monocrática do desembargador Pedro Pinheiro Sotero, do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), na última terça-feira (5), a pedido do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA). A medida estava relacionada às investigações da Operação Hades, que apura suspeitas de corrupção na administração municipal. No entanto, uma liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assinada na quarta-feira (6) pelo ministro Og Fernandes, relator do caso, reverteu temporariamente a decisão.
Apesar do retorno de Daniel Santos à Prefeitura, o advogado político-eleitoral Sávio Melo ressalta que o processo contra o gestor municipal continua em fase inicial – e que o prefeito permanece como investigado por suspeitas graves de corrupção e desvio de recursos públicos, conforme é mencionado na própria decisão do STJ. “A decisão liminar concedida pelo STJ não encerra o processo judicial. Na verdade, ele ainda está em fase inicial, com investigação em curso, onde o prefeito continuará respondendo às acusações, tendo assegurado seu direito à ampla defesa e ao contraditório”, explica Melo. O advogado reforça que o entendimento do STJ não significa “carta branca” para o prefeito, mas sim um posicionamento jurídico sobre a urgência da medida cautelar de afastamento.
Segundo Melo, a análise do STJ fundamenta-se nos princípios da necessidade e proporcionalidade das medidas cautelares, buscando equilibrar a presunção de inocência com a efetividade da investigação. O afastamento do cargo é uma medida extrema e, por isso, deve ser mantida apenas se houver risco claro e atual à investigação ou à ordem pública. Ele explica que, como os fatos investigados são ocorridos nos anos de 2021, 2022 e 2023, não havia contemporaneidade suficiente para justificar, em 2025, a manutenção do afastamento. No entanto, o especialista reforça que isso não significa que o processo esteja encerrado ou que o prefeito esteja livre das acusações.
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Sobre os limites impostos ao prefeito após o retorno, Sávio Melo reforça que Daniel Santos está autorizado a exercer plenamente suas funções, desde que não interfira no andamento das investigações, seja por meio de coação a testemunhas, ocultação de provas ou qualquer ato que possa atrapalhar a apuração dos fatos. Fora isso, não há restrições administrativas ou funcionais que o impeçam de governar.
Além disso, outras medidas cautelares, como o bloqueio de bens, permanecem vigentes para garantir a reparação de eventuais danos ao conjunto de bens públicos. “O bloqueio patrimonial é uma forma de assegurar que recursos desviados possam ser recuperados no final do processo, caso as acusações sejam confirmadas”, complementa.
Possibilidade de novo afastamento de Daniel permanece
O advogado criminalista e professor universitário Lucas Sá Souza também analisou o caso. Ele explica que a decisão liminar do STJ será submetida a julgamento colegiado, sem prazo definido para a conclusão, podendo ser mantida ou revogada. Ele destaca que as investigações no Pará continuam normalmente, sem qualquer suspensão ou interrupção. Além disso, caso surjam novos fatos ou provas relevantes, o Ministério Público pode pedir novamente o afastamento do gestor. “Não há impedimento legal para um novo pedido de afastamento, desde que existam elementos novos que justifiquem a medida”, afirma o criminalista.
Outro ponto importante é que o julgamento definitivo do habeas corpus poderá influenciar a situação funcional do prefeito, mas não interfere no andamento das investigações. “Enquanto isso, o Ministério Público continua trabalhando na análise das provas coletadas e pode requerer novas medidas cautelares, se entender necessário”, destaca Sá.
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Já o advogado criminalista Francelino Neto reforça que o afastamento foi uma medida cautelar, usada para garantir a efetividade das investigações. Ele lembra que o processo principal, que ainda não foi formalmente aberto, depende da conclusão dessa fase investigativa, que não tem prazo fixo para terminar. Segundo ele, o prefeito pode ser afastado novamente se forem descobertos fatos novos ou provas adicionais. “O julgamento do STJ sobre o habeas corpus pode confirmar ou revogar a liminar, alterando a situação do prefeito, mas não impede que o MP continue a investigar”, afirma.
Francelino Neto também esclarece que, caso o prefeito seja condenado em processo judicial, as consequências jurídicas podem ser severas, incluindo perda do cargo, suspensão dos direitos políticos e inelegibilidade, dependendo da pena e do trânsito em julgado da decisão.
Exclusivo: conheça os nomes envolvidos na investigação
De acordo com um documento sigiloso do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), as seguintes pessoas são citadas no procedimento investigatório criminal, que envolve o prefeito Daniel Santos e apura suspeitas de corrupção na administração municipal: Além do prefeito Daniel Barbosa Santos, são citados ainda Manoel Palheta Fernandes, Danillo da Silva Linhares, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, Ronaldo da Silva de Souza, João Alfredo de Melo Martins Junior, Marcio dos Anjos Rosa e Silvair Dias Ladeira Junior.
O nome de Danillo Linhares foi um dos mais amplamente divulgados essa semana – por sua relação com as empresas Edifikka Construções e a DSL Construtora, ligadas a pagamentos investigados, feitos em nome do prefeito de Ananindeua, e por ligações a diversas licitações municipais.
O documento também lista uma série de outras empresas que podem ser intimadas por meio de seus sócios: além da Edifikka Construções e a DSL Construtora e Incorporadora, ligadas a Danillo da Silva Linhares; também são citadas a Agropecuária J D Eireli, por Daniel Barbosa Santos; a R. Souza e Cia, por Ronaldo da Silva de Souza; a Martins Engenharia Eireli, por João Alfredo de Melo Martins Junior; a Everest Empreendimentos Imobiliários, por Marcio dos Anjos Rosa; e a JR. Investimentos e Altamed Distribuidora de Medicamentos, ambas representadas por Silvair Dias Ladeira Junior.
Estudante revela ter sido usado como ‘laranja’ em esquema de fraude em licitações na Prefeitura de Ananindeua
Na última sexta-feira (8), o repórter investigativo Adriano Wilkinson, apresentador e roteirista do podcast Carrapato, divulgou um novo vídeo no Instagram que revela mais um capítulo da investigação envolvendo o prefeito de Ananindeua, Daniel Santos (PSB), e um complexo esquema de corrupção em contratos públicos municipais. Desta vez, o foco está no depoimento de um jovem estudante que afirma ter sido usado como “laranja” para fraudar licitações em benefício das empresas do empresário Danilo Linhares, dono da empreiteira Edifikka e a DSL. O empresário é apontado como figura central no pagamento de parcelas da fazenda de R$ 16 milhões, adquirida em 2020 pelo prefeito Daniel Santos, no município de Tomé-Acu.
O estudante, cuja identidade foi preservada, é enteado de Manuel Palheta Fernandes, conhecido como Nélio, que em 2023 fazia parte da comissão responsável pelas licitações da Prefeitura de Ananindeua. Segundo o depoimento, Nélio pediu que o jovem assinasse procurações para representar duas empresas nas concorrências públicas, sem detalhar o real papel que ele desempenharia. “Ele pediu para eu ficar tranquilo e não falar nada. Eu não entendi direito o que estava acontecendo no início”, afirmou o estudante em depoimento aos promotores.
O esquema investigado consiste em direcionar licitações públicas para beneficiar essas empresas, usando “laranjas” para representar oficialmente as companhias enquanto os verdadeiros controladores ficam nos bastidores.
Durante o depoimento, o estudante detalhou a participação em uma cerimônia formal de licitação, quando teve que rubricar inúmeras páginas do processo. Na época, ele tinha 20 anos e recebeu uma quantia simbólica de R$ 200 em espécie pelo “serviço”. Conforme o estudante, a participação foi motivada pela falta de renda e pela confiança no padrasto, sem entender que fazia parte de uma fraude.
De acordo com o jornalista, o relato do estudante significa uma peça-chave para comprovar a fraude e a manipulação no processo licitatório, que resultou em contratos milionários para as empresas de Danilo Linhares. Uma rápida consulta ao portal da transparência da Prefeitura de Ananindeua mostra que, apenas em novembro de 2023, a Edifikka recebeu mais de R$ 7,5 milhões em contratos públicos. Foi também nesse mês que a empresa efetuou um pagamento de R$ 68 mil relacionado à compra da fazenda pelo prefeito.
Revelações anteriores mostram envolvimento direto do prefeito e do vice-prefeito
Este novo vídeo se soma a dois anteriores divulgados entre os dias 6 e 7 de agosto, em que Adriano Wilkinson apresentou documentos, áudios e prints que revelam detalhes do esquema de corrupção envolvendo o prefeito Daniel Santos, o vice-prefeito e advogado Hugo Ataíde, e o empresário Danilo Linhares.
No primeiro vídeo, foi narrada a denúncia feita em março de 2025 por uma fazendeira de Tomé-Açu que vendeu uma fazenda de R$ 16 milhões ao prefeito Daniel Santos em 2020. A negociação previa uma entrada seguida de duas parcelas, inicialmente pagas com recursos pessoais do prefeito e de um hospital ligado à Prefeitura. No entanto, os pagamentos começaram a atrasar, e o prefeito teria solicitado ajuda ao empresário Danilo Linhares, que quitou parte da dívida via depósitos feitos em concessionárias de veículos, utilizados como forma de pagamento.
No segundo vídeo, foram apresentados áudios e mensagens que mostram a participação direta do vice-prefeito Hugo Ataíde, que orientou a fazendeira a fracionar os depósitos em várias contas, inclusive de empresas com contratos milionários na Prefeitura, como a Edifikka. Essa estratégia, segundo o jornalista, visava dificultar o rastreamento do uso de recursos públicos para a compra da fazenda. A vendedora enfrentou dificuldades para liberar veículos adquiridos com parte do pagamento, pois Danilo Linhares condicionou a entrega dos documentos à quitação da dívida com o prefeito.
MPPA rebateu ataques de Daniel Santos e reforça compromisso contra corrupção; entenda
O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) respondeu na quinta-feira (7) às críticas feitas pelo prefeito de Ananindeua, Daniel Santos, após a decisão liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que suspendeu o afastamento cautelar do gestor. O órgão esclareceu que a liminar não encerra o processo, mas apenas suspende temporariamente a medida até o julgamento definitivo do habeas corpus impetrado pela defesa.
O MPPA destacou que o ministro relator reconheceu a gravidade dos fatos investigados e que as provas já reunidas indicam condutas criminosas. Além disso, ressaltou que o bloqueio de bens e o material apreendido continuam sob custódia, reafirmando o compromisso na defesa do patrimônio público e no combate à corrupção.
Desde o início da Operação Hades, na terça-feira (5), Daniel Santos tem utilizado as redes sociais para atacar o MPPA, classificando o pedido de afastamento como injusto e baseado em uma jurisprudência “que não existia mais”. Embora reconheça a competência de alguns membros do órgão, o prefeito acusa “alguns pets do governador” de manchar a imagem da instituição. Ele ainda afirmou que a medida judicial foi resultado de uma perseguição política, motivada por adversários que, segundo ele, fundamentaram o pedido em “uma história mentirosa”, sem lhe dar oportunidade de defesa. Nos vídeos, o prefeito de Ananindeua também anuncia a candidatura para governador do Estado nas eleições de 2026.
Relembre outras denúncias contra o prefeito Daniel Santos
O prefeito de Ananindeua, Daniel Santos, enfrenta diversas denúncias em seu histórico. O Ministério Público do Pará investiga um esquema de desvio de R$ 261 milhões em compras superfaturadas de materiais hospitalares entre 2018 e 2022 no Hospital Santa Maria de Ananindeua (HSMA), onde Daniel era sócio na época. Mesmo após deixar formalmente a sociedade em 2022, ele teria mantido controle financeiro sobre o hospital, segundo depoimentos.
Em 2025, o Hospital Anita Gerosa encerrou o atendimento da maternidade para pacientes do SUS, alegando falta de repasses da Prefeitura. Posteriormente, Daniel anunciou a transferência dos atendimentos para o PSM de Ananindeua, que, embora inaugurado em 2024, permaneceu fechado ao público.
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