Pescador que salvou 35 pessoas de naufrágio em Cotijuba recebe reconhecimento internacional
José Cardoso Lemos recebeu nesta segunda-feira (27) o Certificado de Louvor por Bravura Excepcional no Mar, no Prêmio IMO, uma das premiações de maior prestígio para a comunidade marítima mundial

O pescador José Cardoso Lemos, conhecido por resgatar 35 pessoas de uma embarcação que naufragou no dia 8 de setembro de 2022, nas proximidades da ilha de Cotijuba, recebeu nesta segunda-feira (27) o Certificado de Louvor por Bravura Excepcional no Mar, no Prêmio IMO, uma das premiações de maior prestígio para a comunidade marítima mundial.
O evento aconteceu na sede da organização, em Londres. A primeira categoria do Prêmio IMO de Bravura Excepcional no Mar de 2023 foi concedida à indicação dos Estados Unidos (EUA), o Técnico de Sobrevivência de Aviação de Segunda Classe Caleb Halle, da Estação Aérea da Guarda Costeira de Atlantic City, que resgatou sete tripulantes do Legacy, embarcação que ficou à deriva, em meio a mau tempo e mar agitado.
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Na segunda categoria, o painel de juízes concordou que 4 indicações, entre as quais o paraense de Cotijuba, deveriam receber o Certificado de Louvor por seus atos de bravura. Os países membros contemplados para essa categoria foram Austrália, Brasil, China e EUA. Esta é a terceira vez que o Brasil é premiado na IMO. As outras duas aconteceram em 2008 e 2020.
“Eu nunca pensei que um dia sairia do País para receber um prêmio por ter feito o que achava acerto, por ajudar as pessoas. Agradeço à Marinha do Brasil por ter ajudado nesse reconhecimento”, comentou José durante a cerimônia.
Sobre o resgate
No dia 8 de setembro de 2022, por volta das 8 horas da manhã, José se preparava para trabalhar com o filho e sobrinho próximo de Cotijuba, quando foi avisado por outro pescador que uma embarcação regional de transporte de passageiros havia naufragado próximo à sua posição. Ele desatracou, imediatamente, com a embarcação e, ao chegar ao local do acidente, onde o barco “Dona Lourdes II” naufragou, deparou-se com a cena mais triste da vida.
“Parecia uma cena de filme de terror, tinham umas 80 pessoas gritando por socorro na água, a grande maioria mulheres de idade, um desespero total. Foi horrível”, relatou o pescador. Ele imediatamente iniciou, da melhor maneira que pôde, o procedimento de resgate, colocando os náufragos em seu barco."As pessoas estavam amontoadas em boias maiores, outras estavam agarradas a assentos da embarcação, na esperança de flutuar. A primeira boia tinha 16 pessoas, já a segunda em torno de umas 23”, lembrou o pescador, com os olhos marejados.
Para aumentar o espaço em sua embarcação, a fim de abrigar o maior número de pessoas, José jogou todo o equipamento de pesca na água. Por se tratar de uma embarcação pequena, o pescador fez duas viagens, desembarcando as vítimas na Praia da Saudade, local onde ambulâncias e a própria população estava prestando os primeiros socorros.
Ele tentou fazer uma terceira viagem, mas, infelizmente, ao retornar para o local do resgate, encontrou o restante das vítimas sem vida. Ele relembra que havia uma criança, de 5 anos, que estava com a avó fazendo o deslocamento na embarcação que naufragou. Depois de uma pausa regada a lágrimas, José relatou que a criança gritava em meio a soluços, para que ele voltasse e resgatasse a tutora. Tendo a encontrado na terceira viagem, sem vida, iniciou de imediato o resgate dos corpos presentes no local. Ao todo, ele resgatou 35 pessoas com vida e 9 corpos.
Filho de pescador, José começou a prática ainda quando criança, aos 12 anos. Homem simples e determinado, deparou-se com uma situação extrema e desempenhou bravamente virtudes de um marinheiro. Iniciativa, espírito de sacrifício, abnegação, tenacidade e coragem estiveram presentes a todo o momento naquela manhã de setembro. Ele nunca pensou que isso poderia acontecer com ele, até de fato acontecer.
Há alguns anos, José sofreu um acidente em uma embarcação, razão pela qual passou mais de um mês em uma UTI. O episódio deixou sequelas físicas motoras, com perda de 50% dos movimentos do lado esquerdo do corpo. Porém, a condição física não o impediu de atuar no resgate, apesar dos prejuízos econômicos que isso lhe trouxe, deixando para trás equipamentos comprados ao longo de uma vida para o trabalho, a fim de aumentar o espaço para o resgate no dia do acidente. Hoje, ao entrar na embarcação utilizada diariamente para o sustento, José se emociona:
"Cada canto que eu olho tem uma lembrança. Quando eu fecho os olhos, vejo a criança chorando por sua avó, lembro dos corpos na proa, dos gritos. Não foi um dia fácil”.
Quando perguntado sobre qual seria sua postura, caso acontecesse novamente um acidente, ele abre um sorriso e responde: “eu faria tudo da mesma forma, tentaria ajudar até mais. O acidente mudou a minha vida e tenho certeza que ajudei muitas pessoas. Não sou um herói, sou apenas um homem comum, que fez o que achava certo”.
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