Matéria de jornal espanhol sobre denúncias contra arcebispo diz que abusos ocorreram até 2014

Reportagem do El País divulgou relatos de dois dos quatro denunciantes que foram ao MP: eles deram detalhes das acusações e dizem que situações ocorreram também em anos anteriores

Redação integrada de O Liberal
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A edição brasileira do jornal espanhol El País publicou neste domingo (20) uma reportagem sobre as acusações que são feitas contra arcebispo metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira Corrêa. Em agosto passado, quatro ex-estudantes do tradicional Seminário São Pio X, em Ananindeua, na região metropolitana de Belém, formalizaram no Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) acusações de assédio e abuso sexual contra o arcebispo. 

O caso é acompanhado também pela Santa Sé, confirmou o próprio Dom Alberto Taveira, em um pronunciamento feito no dia 5 de dezembro, por meio do site oficial da Arquidiocese. Com uma carta e um vídeo, o arcebispo de Belém tomou a iniciativa de falar publicamente sobre o assunto. Dom Alberto Taveira citou que tinha o "dever de explicar" as acusações de imoralidade que veinha passando nos últimos dias. Taveira também disse que se sentia "triste e surpreso" com as acusações.

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Fatos teriam acontecido até 2014, diz matéria


Segundo a matéria publicada pelo El País, os fatos narrados aos promotores, que pediram à Polícia Civil a abertura de um inquérito que corre sob segredo de Justiça, teriam acontecido em 2014 - e também em anos anteriores -, enquanto os jovens estudavam para tornarem-se padres ou estavam em processo de desligamento do seminário.

Todos tinham entre 15 e 20 anos de idade quando os fatos narrados por eles teriam acontecido. A denúncia também foi encaminhada internamente na Igreja Católica. Uma missão apostólica, espécie de comissão de investigação prevista dentro do Direito Canônico, esteve em Belém neste semestre, a mando do Vaticano, e ouviu todos os envolvidos. Mas, até o momento, nenhuma conclusão foi tornada pública.

O EL PAÍS informou que, na semana passada, entrevistou, em Belém, dois dos quatro denunciantes. Um deles, que não quis se identificar e a reportagem chamou de A., hoje com 26 anos, conta que começou a ser assediado pelo arcebispo com 15 anos de idade, ainda antes de entrar para o seminário, e foi abusado sexualmente quando estava com 18, em meio a um processo de expulsão do grupo de estudantes e à suposta ameaça da autoridade máxima da Igreja no local de “contar tudo” para a família dele.

O outro, que a publicação chamou de B., tem 28 anos atualmente, e diz que começou a ser assediado pelo padre com 20 anos, mas conseguiu afastar-se dele antes de sofrer abusos físicos.

O EL PAÍS informou que entrevistou em Belém dois dos quatro denunciantes. Um deles hoje com 26 anos, conta que começou a ser assediado pelo arcebispo com 15, ainda antes de entrar para o seminário, e foi abusado sexualmente quando estava com 18, em meio a um processo de expulsão do grupo de estudantes e à suposta ameaça da autoridade máxima da Igreja no local de 'contar tudo' para a família dele. O outro tem 28 anos atualmente, e diz que começou a ser assediado pelo padre com 20 anos, mas conseguiu afastar-se dele antes de sofrer abusos físicos

A reportagem também teve acesso ao teor do que foi contado na denúncia pelos outros dois jovens. Um deles, identificado de C., com 16 anos na época dos fatos narrados, foi quem dos quatro teria sofrido as piores violências, ficou traumatizado e chegou a tentar tirar a própria vida após deixar o seminário.

Ainda segundo a edição brasileira do jornal espanhol, as histórias que os quatro denunciantes contam descrevem um comportamento metódico do arcebispo para identificar jovens tidos como homossexuais por ele (com ou sem razão), ganhar a confiança deles como uma figura paterna, atrair para sua casa com o pretexto de ajudá-los a se livrar de sua homossexualidade, assediar e por fim cometer os abusos, passo a passo.

'Deus me deu coragem para furar o olho do escândalo', diz Dom Alberto


Procurado pela reportagem nas últimas semanas, Dom Alberto Taveira Corrêa preferiu não conceder uma entrevista sobre o caso. Em resposta, a Arquidiocese indicou o vídeo e a nota divulgados pelo arcebispo sobre o assunto no início do mês, antes das e investigações contra ele serem de conhecimento geral na cidade

Durante uma missa na Basílica no início de dezembro, Dom Alberto surpreendeu os fiéis presentes ao tomar a palavra e falar sobre o caso, ainda que de forma velada. “Deus me deu coragem para furar o olho do escândalo, o escândalo que estava sendo montado e Deus nos deu a graça de passar na frente”, afirmou na ocasião. “Se alguém por ventura, por ação do demônio, pensasse em acabar com a Igreja Católica e a Igreja de Belém, enganou-se radicalmente”, disse sob aplausos.

“Deus me deu coragem para furar o olho do escândalo, o escândalo que estava sendo montado e Deus nos deu a graça de passar na frente. Se alguém por ventura, por ação do demônio, pensasse em acabar com a Igreja Católica e a Igreja de Belém, enganou-se radicalmente”, afirm Dom Alberto Taveira em cerimônia pública, após denúncias

Nas redes sociais, existe uma hashtag em seu apoio. Dias antes o arcebispo havia divulgado um vídeo nos canais oficiais da Igreja onde dizia ser alvo de “acusações de imoralidade”. “Digo a vocês que recebi com tristeza, há poucos dias, a informação da existência de procedimentos investigativos com graves acusações contra mim, sem que eu tenha sido previamente questionado, ouvido ou tido qualquer oportunidade para esclarecer esses pretensos fatos postos nas acusações”, diz no comunicado. Veja:

No mesmo dia, 5 de dezembro, o arcebispo enviou uma carta assinada aos padres e diáconos. “Fui acusado de crimes de ordem moral, sem que me tenha sido dada a oportunidade de ser ouvido. Foram denúncias enviadas à Santa Sé, que provocaram uma Visita Apostólica, encerrada nesta semana; foi instaurado um processo em curso junto às autoridades civis”, diz na missiva em papel timbrado da Arquidiocese. “A iminente divulgação em mídia nacional, ao que tudo indica, causará danos irreparáveis à minha pessoa e provocará um profundo abalo à Igreja”, afirma.

image Arcebispo de Belém falou sobre denúncias no início de dezembro (Fábio Costa)

“Fui acusado de crimes de ordem moral, sem que me tenha sido dada a oportunidade de ser ouvido. Foram denúncias enviadas à Santa Sé, que provocaram uma Visita Apostólica, encerrada nesta semana; foi instaurado um processo em curso junto às autoridades civis. A iminente divulgação em mídia nacional, ao que tudo indica, causará danos irreparáveis à minha pessoa e provocará um profundo abalo à Igreja”, afirmou o Arcebispo de Belém em comunicado oficial

Denunciantes teriam aceitado participar de sessões com arcebispo


Os quatro denunciantes afirmam que aceitaram participar de sessões particulares de orientação espiritual com Corrêa em sua casa em momentos e por motivos distintos, mas que a prática era muito comum entre os internos do seminário. Eles dizem que desde que chegou a Belém, em 2010, Dom Alberto frequentava o seminário com regularidade e era muito atencioso e acessível aos estudantes.

“Teve sábado pela manhã que eu cheguei lá na casa dele, tinha fila de meninos para passar pelo atendimento”, contou B. à reportagem. “Era colocado como uma coisa normal. Aí acho que ele ia sentindo a abertura, vendo até onde conseguia chegar, testando a gente…”, diz ele, que teria começado a ser assediado por Dom Alberto no início de 2013, após ter sido descoberto pela direção do seminário em um relacionamento amoroso com um colega e ter sido expulso de lá, aos 20 anos.

“Eu já tinha passado pela orientação particular com ele antes, mas tinha sido tudo muito superficial, eu não dava abertura. Quando fui expulso, procurei Dom Alberto e perguntei se ainda havia esperança para mim. Ele disse que tinha um caminho, mas que eu tinha que me abrir ao método de cura espiritual dele”, diz B.

“Eu já tinha passado pela orientação particular com ele antes, mas tinha sido tudo muito superficial, eu não dava abertura. Quando fui expulso, procurei Dom Alberto e perguntei se ainda havia esperança para mim. Ele disse que tinha um caminho, mas que eu tinha que me abrir ao método de cura espiritual dele”, diz um dos seminaristas denunciantes

Publicação seria presenteada a seminaristas


Para tanto, os ex-seminaristas ouvidos pela reportagem contam que o arcebispo usava o livro A batalha pela ‘normalidade’ sexual e homossexualidade (Editora Santuário, 2000), do psicólogo holandês Gerard Aardweg, com cuja cópia presenteava estudantes.

O objetivo desta orientação espiritual seria ajudar os jovens a livrar-se da homossexualidade e tentações sexuais de toda a natureza, mas na prática não era o que acontecia. “Voltei para a primeira sessão e começou: queria saber se eu me masturbava, se eu era ativo ou passivo, se eu gostava de troca-troca, se eu assistia pornografia, quando eu me masturbava o que eu pensava… achei estranho mas achei que era o método dele”, diz B., de 28.

“Ele disse que ia contar do meu caso no seminário para minha família”, diz ex-seminarista

Com A., teria sido pior. Após também ser ameaçado de expulsão do seminário por conta de um envolvimento amoroso com um colega e ter passado por diversas sessões de assédio com o arcebispo como as descritas acima, ele teria sido chantageado por Dom Alberto para aceitar abusos sexuais quando demonstrou resistência às investidas. “Ele disse que ia contar do meu caso no seminário para minha família”, diz.

Fora isso, o arcebispo teria prometido reintegrá-lo, o que o jovem A. afirma que aconteceu após ceder às investidas da autoridade religiosa. Reunia-se a sós com o religioso em seu escritório e quarto, e conta que dentre os métodos utilizados pelo arcebispo durante as sessões de orientação espiritual estava a obrigação de ficarem pelados juntos, olhando um para o corpo do outro como forma de “resistir às tentações”.

“Outra coisa comum era a reza junto ao corpo. Ele chegava junto de você, se roçando, e fazia uma reza em algum lugar do seu corpo nu… teve vez que era no rosto e achei que ele ia me beijar”, afirma B.. “Tive que pegar nele e masturbá-lo, ele pegava no meu pênis e tentava fazer com que eu tivesse uma ereção… Outra coisa é que ele ficava nervoso quando você não conseguia, brigava, dava bronca, mas sempre com esse papo do tratamento, do estamos tentando te salvar… A cada sessão, ele ficava mais agressivo e violento, dizia coisas horríveis, lembrava de fatos passados para te humilhar, dizia que você não estava progredindo, dizia coisas horrorosas para você, que você era uma pessoa horrível, era aterrorizante”.

Denunciante diz que sofreu abuso quando tinha 16 anos


Segundo relata A., após mais de uma dezena de encontros com o arcebispo, em cerca de três meses, ele o enviou para uma temporada de sete meses em uma paróquia como ajudante “dando um tempo”. Depois disso, conseguiu voltar para o seminário — de onde seria expulso definitivamente um ano e meio depois. “Eu tinha ficado revoltado, estava arrumando muita briga e confusão lá dentro, não funcionou mais para mim”, afirma.

O quarto ex-seminarista que participa da denúncia ao MP e às autoridades religiosas tinha 16 anos quando afirma ter sido abusado por Corrêa. Segundo seu relato, o arcebispo mandava o motorista particular buscá-lo no seminário, não raro de noite, para participar das sessões de orientação espiritual. Teriam sido diversas sessões ao longo de alguns meses em 2014. Ele relata que, dentre outras sevícias, o arcebispo deitava-se nu de pernas para o alto e pedia para o adolescente penetrá-lo. Como ele não conseguia manter uma ereção, Corrêa ficava nervoso, gritava e o maltratava muito.

Questionados do por quê de resolverem denunciar o assédio e abuso sexual na instituição só agora, tantos anos depois, os dois entrevistados afirmam que já tinham formado esse grupo informal de vítimas com a ajuda de outros religiosos fazia alguns anos, e que vinham debatendo esporadicamente a possibilidade de tomar uma atitude desde meados de 2017, mas tinham medo.

“Foi aí que precisamente em 9 de maio do ano passado, o papa Francisco publicou isso aqui”, diz o jovem de 26 anos, mostrando a Carta Apostólica “Vos Estis Lux Mundi” (Vós sois a luz do mundo, em tradução livre do latim) impressa em mãos. “Isso aqui mudou tudo. Vimos assim que saiu e dissemos: opa, aqui existe um caminho, agora sim”.

Questionados do por quê de resolverem denunciar o assédio e abuso sexual na instituição só agora, os entrevistados afirmam que já tinham formado esse grupo informal de vítimas com a ajuda de outros religiosos fazia alguns anos. E que vinham debatendo a possibilidade desde meados de 2017, mas tinham medo. “Em 9 de maio do ano passado, o papa Francisco publicou a Carta Apostólica “Vos Estis Lux Mundi” (Vós sois a luz do mundo, em tradução livre do latim). Isso aqui mudou tudo. Vimos assim que saiu e dissemos: aqui existe um caminho, agora sim”

image Dom Alberto Taveira em encontro com o Papa Francisco, em Roma (divulgação)

O documento a que o ex-seminarista se refere é uma diretriz lançada no ano passado que estabelece uma espécie de lei dentro do Direito Canônico com mecanismos e regras claras para que denúncias ou suspeitas de abuso sexual cometidas por membros da Igreja Católica sejam investigadas internamente, compartilhadas com autoridades civis e punidas. O regramento possui 19 artigos e trata de delitos sexuais praticados por membros do clero, que não tem a opção de não se submeter a ele.

Dom Alberto Taveira Corrêa está com 70 anos de idade. Chegou a Belém como arcebispo, a maior autoridade na Igreja Católica no local, em 2010. Antes havia sido o primeiro arcebispo metropolitano de Palmas, no Tocantins, função que exerceu por 14 anos a partir de 1996. Já foi também bispo-auxiliar de Brasília e começou no sacerdócio em 1973 em Belo Horizonte, onde atuou como reitor do seminário local.

Investigação tramita em segredo de Justiça


Sem entrar em detalhes, o Ministério Público do Estado informou, na manhã do dia 7 deste mês, que “recebeu denúncias de possíveis situações de abuso” relacionadas ao arcebispo metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira.

“As denúncias foram distribuídas aos promotores de Justiça com atribuição na matéria, que requisitaram a abertura de inquéritos policiais que estão sendo acompanhados pelo Ministério Público”, afirmou, em nota, ao ser procurado pela Redação Integrada para tratar desse assunto.

“A instituição aguarda a conclusão desses procedimentos para a adoção das medidas legais cabíveis na esfera penal e cível. Os procedimentos policiais tramitam sob sigilo", acrescentou. A nota começa informando que "o Ministério Público do Estado informa que recebeu denúncias de possíveis situações de abuso em relação ao caso citado”. Ou seja, em relação a Dom Alberto.

Também sem entrar em detalhes, e de forma sucinta, a Polícia Civil do Pará divulgou nota informando o seguinte: "Atendendo a requisição do Ministério Público Estadual, instaurou inquérito policial para apurar os fatos em questão. O caso segue sendo investigado". 

Após a publicação da reportagem em El País, a redação integrada de O Liberal procurou mais uma vez a Arquidiocese de Belém e solicitou um posicionamento sobre a publicação. A reportagem ainda aguarda retorno.

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