Colapso: congestionamentos e falta de estacionamento prejudicam a mobilidade em Belém
Pelo cenário, a cidade já deveria ter rodízio de veículos há 20 anos, avalia especialista

De 2019 até agosto de 2022, o número de veículos no Pará cresceu 14,63%, passando de mais de 2,1 milhões para 2,4 milhões. Cerca de 20,69% deste total corresponde apenas à frota de Belém, que lidera entre as cidades do estado em número de veículos em circulação, com 502.379 no total. Esse volume tem causado inchaço no trânsito da capital, problema percebido pela quantidade de congestionamentos e falta de estacionamento. Estratégias como rodízio de veículos já seria necessária há pelo menos duas décadas, na avaliação de especialista em trânsito.
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André Mesquita, de 41 anos, é empresário e circula de carro pela capital todos os dias. Ele conta que, além de ter que lidar com vários pontos de congestionamento, ainda tem um prejuízo de cerca de R$ 170 por mês por causa de estacionamentos pagos, já que as ruas superlotadas quase nunca têm vaga disponível:
“O trânsito está cada vez mais caótico. Pedro Álvares Cabral e Senador Lemos são duas vias que não tem suporte. Não tem espaço para pedestre, bicicleta. Aqui no centro não tem estacionamento a não ser que pague 12 reais. Quando a gente põe na calçada por falta de vaga a Semob multa. Ela não entende que a gente é trabalhador, que não tem lugar para colocar seu carro, sua moto”, desabafa.
O problema também afeta taxistas, que têm enfrentado dificuldades para fazer corridas, uma vez que a maior parte das vias do centro da cidade vivem congestionadas, o que aumenta o preço das corridas e acaba afastando muitos clientes. Raimundo Carvalho, taxista há 30 anos no bairro da Cidade Velha, fala de como essa realidade vem se agravando com o tempo:
“O trânsito em Belém piorou e muito, a prefeitura não liga para a cidade e o trânsito está nessa situação aí. O pessoal pede uma corrida, a gente entra nessa Treze de Maio, é o maior engarrafamento, para a gente voltar é a maior dificuldade. Já cansei de ter que parar também muito antes do local certo, para poder estacionar. E aí a gente desce, vai andando, é risco de assalto, é complicado”, lamenta.
Outro agravante, na avaliação do motorista de aplicativo Fábio Gonçalves, é que faz algum tempo que a cidade não tem mais os chamados “horários de pico”. Ao longo de todo o dia, os engarrafamentos causam transtorno para quem dirige:
“Aqui nas áreas de Belém tem muito engarrafamento… Mundurucus, Pedro Álvares Cabral, Senador Lemos, Tavares Bastos também. Umas oito horas já começa a ficar ruim o trânsito. Meio-dia então! E no final da tarde, quando o pessoal sai do trabalho, o trânsito fica bem congestionado. É o dia inteiro!”.
Belém tem mais carro do que espaço físico, diz especialista
A professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e doutora em Engenharia de Transporte, Maísa Tobias, avalia que o espaço nas vias públicas da capital paraense já é escasso em relação à quantidade de veículos que têm hoje. Mas não é um problema recente. Ela considera que, há pelo menos duas décadas, a situação na capital já seria digna de rodízio de veículos.
“Visualmente, pelo congestionamento que se forma, a gente já percebe que tem mais carro do que espaço físico. Observando a olho nu, não precisa nem contar, as principais vias de tráfego não têm mais hora de pico, a maior parte do tempo elas estão saturadas. A gente tem uma disputa pelo espaço na cidade. Uma briga na qual o automóvel acaba predominando, uma vez que ele ocupa muito mais espaço público que um motociclista, ciclista ou pedestre, por exemplo”, argumenta.
Essa situação, segundo a especialista, não é mera consequência do aumento do número de veículos na capital, já que o aumento da motorização é um processo natural, é algo que cresce conforme a população cresce, explica Maísa Tobias. O problema está no descompasso com os investimentos em mobilidade urbana.
“Abertura de novas vias, soluções nas vias antigas, sistema de semaforização moderno, investimento em circulação viária e equipamentos de gestão de tráfego – a gente não tem visto há muito tempo!”, comenta Maísa. “A gente está há décadas com as mesmas vias em Belém. Algum investimento tem sido em vias de saída da cidade para a Região Metropolitana, mas na cidade nós temos um gargalo, um centro, que na verdade é uma beira, que faz com que todo o fluxo se afunile”.
Solução demanda vários ajustes e iniciativas
A situação do trânsito de Belém pode ficar ainda pior com o tempo se nada for feito de forma efetiva para que a cidade comporte não só a quantidade de veículos, mas também outras alternativas de mobilidade eficiente da qual a população possa usufruir.
“Há soluções, que a gente chama de ‘abrir o mapa da cidade’: abrir espaços que podem ser feitos com pequenas desapropriações, fazer interligação de vias mais movimentadas com vias que são, hoje, ociosas, apoiando corredores principais. Precisamos também racionalizar o sistema de transporte coletivo, já que um monte de ônibus fazem quase todos a mesma rota e, também, investir na descentralização de serviços públicos e administrativos que ainda atraem muitas pessoas para o mesmo lugar”.
A especialista também aponta a necessidade de uma gestão de estacionamento na capital paraense. “Belém não tem um plano. É preciso se debruçar sobre isso. É preciso viabilizar locais que possam ser usados de forma inteligente, seja pelo subterrâneo ou por meio de prédios de estacionamento”.
BRT: uma solução que nunca funcionou
Um dos projetos de mobilidade mais extensos de Belém, o Bus Rapid Transit (BTR), completou 10 anos de existência este ano desde o início da sua implantação, em 6 de janeiro de 2012. No entanto, até hoje, além de não concluído, ele também não tem funcionado como deveria. Maísa Tobias afirma que, na verdade, a estratégia do BRT nunca funcionou:
“O BRT de Belém não existe ainda. Fizeram a parte infraestrutural, mas não seguiu a operacional e de gestão. Parou no tempo. Ele foi abandonado. O que é hoje usado é de maneira improvisada, do modo que é possível. Por falta de uso, nós temos estruturas vandalizadas, falta de manutenção, desrespeito do uso da faixa e falta de fiscalização. Poderia contribuir com a mobilidade urbana, principalmente da classe trabalhadora. Se funcionasse como deveria, ia ajudar a diminuir o número de viagens de carros menores, de bicicletas - no caso de pessoas que pedalam muito mais do que deveriam por falta de opção – e também diminuiria o volume de veículos nos corredores principais”, avalia.
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