CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

Negros, brancos ou pardos? Veja o perfil de clientes em seis empreendimentos de Ananindeua

Reportagem visitou seis estabelecimentos frequentados por pessoas de poder aquisitivo mais elevado e constatou predominância de clientes brancos

Luiz Cláudio Fernandes / Especial dia da Consciência Negra

As marcas do racismo estrutural são facilmente observadas em espaços de lazer. A reportagem do Ananindeua em Revista percorreu seis lugares de lazer em Ananindeua frequentados por um público de maior poder aquisitivo e observou que, em todos eles, o público frequentador é predominantemente branco. Já as pessoas negras estavam presentes ali, em sua maioria, apenas em situação de trabalho e em funções cujo contato não é diretamente com o público. São cargos de faxineiro, cozinheiro e serviços gerais. Com isso, a matéria especial para a semana da Consciência Negra identificou que há disparidade entre os frequentadores de espaços de lazer.  

Shopping

Em um shopping da cidade, a reportagem encontrou um público predominantemente branco. O perfil dos vendedores das lojas que lidam diretamente com o público também é quase totalmente jovem e branco. Foram avistadas cinco pessoas negras, mas três delas em cargo de limpeza, uma em cargo de segurança e uma em cargo de caixa. A reportagem tentou entrevistar uma das funcionárias da limpeza, mas ela preferiu não falar com a equipe.

A funcionária de uma hamburgueria na praça de alimentação, que não será identificada por questões de privacidade, trabalha há quatro anos no estabelecimento e diz que não é comum ver pessoas negras ocupando cargos de contato direto com o público. “É difícil ver pessoas negras aqui. Vi uma vez uma moça atendendo no caixa, mas ela ficou só alguns dias e depois não vi mais”, relata. “Aqui na nossa loja, por exemplo, tem quatro pessoas negras, mas elas são cozinheiras. No atendimento do público só têm pessoas brancas, como na maioria das lojas”, informa.  

Abordados pela reportagem no espaço, os estudantes Manoel Monteiro, 22, e Paloma Sousa, 20, ficaram chocados quando se deram conta dessa realidade. “Eu nunca tinha parado pra observar isso, até porque quando a gente sai para um lugar desse, a gente só pensa no nosso lanche e não percebe esse tipo de movimentação. Mas realmente há uma ausência de pessoas negras, e quando elas estão aqui, é em condição de trabalho e em cargos de menor destaque”, avaliou Manoel. 

image Manoel Monteiro e Paloma Sousa ficaram chocados quando se deram conta dessa realidade em um shopping (Luiz Cláudio Fernandes)

“Acredito que isso tudo está relacionado ao histórico de racismo estrutural do país. É muito ruim para uma pessoa olhar ao seu redor e não se sentir representada em um lugar. Temos que observar e conversar mais sobre isso, aceitar que as oportunidades não são iguais”, considerou. 

Restaurantes e bares

Em um conhecido restaurante-bar-boate da Cidade Nova que reúne pessoas de alto poder aquisitivo, a reportagem identificou um público quase totalmente branco. Dos 118 funcionários da casa, a equipe identificou em uma noite apenas três negros, todos em cargos de cozinha e de serviços gerais. Segundo a proprietária da casa, o quadro de funcionários do estabelecimento é composto 70% por moradores de Ananindeua, pois a administração prioriza os moradores locais pela facilidade de deslocamento até o trabalho. Os chefs da cozinha são todos de fora do estado e brancos. 

Em uma famosa pizzaria do mesmo bairro, a reportagem não identificou nenhuma pessoa negra no salão, entretanto, conseguiu ter acesso à cozinha do estabelecimento, e foi lá que foram encontradas três pessoas negras exercendo função de serviços gerais.  

Por fim, a reportagem se dirigiu a um famoso bar no bairro do Coqueiro. Lá, foram avistadas apenas duas pessoas negras em meio às mesas e nenhuma entre o grupo de funcionários. 

Em uma academia também frequentada por um público de alto poder aquisitivo da Cidade Nova, o contexto se repete. Foram identificadas naquele horário de pico apenas três pessoas negras no ambiente. Duas delas na condição de clientes e uma na condição de faxineiro.  

image Professora Helena reconhece que não é fácil mudar essa situação, mas considera que o início de tudo se dá dentro do espaço escolar (Luiz Cláudio Fernandes)

Lugar de negro é em todo lugar 

Para a professora mestra pesquisadora das questões étnico-raciais Helena Rocha, isso é um exemplo concreto da terrível mancha do racismo estrutural impregnado na sociedade brasileira. “É gritante a ausência de pessoas negras em certos espaços e isso não é percebido por muitos, pois parece que aceitamos com ‘naturalidade’ que existem lugares pré-fixados onde certos grupos podem estar ou não”, explica. “Um exemplo disso são os presídios, as favelas, onde uma pessoa negra tem necessariamente que estar em maioria. Atravessar essa fronteira para estar nesses espaços majoritariamente brancos, independente de classe social, causa desconforto, surpresa aos frequentadores com certeza”, continua. 

Ela reconhece que não é fácil mudar essa situação, mas considera que o início de tudo se dá dentro do espaço escolar, desde a Educação Infantil até a Pós-graduação. Segundo ela, os livros didáticos precisam parar de mostrar o negro em espaços pré-determinados e começar a mostrar negros em outros espaços: acadêmicos, inventores, bem sucedidos em suas profissões. “Ou seja, colorir, ou por outra, escurecer os espaços de livros didáticos, mídias televisivas, redes sociais, etc que irão romper com esses mecanismos que vêm se mostrando secularmente eficazes na reprodução ideológica dos lugares onde negros podem estar e ser socialmente aceitos”, explica.

image Pesquisadora diz que é gritante a ausência de pessoas negras em certos espaços e isso não é percebido por muitos, pois a sociedade aceita com ‘naturalidade’ (Divulgação)

Para Helena, essa mudança é um processo longo que se inicia na escola e segue até a mudança de postura da sociedade em suas práticas cotidianas. “Está enraizado no nosso vocabulário, gestos, posturas. O racismo estrutural está muito entranhado em nossa sociedade por conta de quase quatro séculos de escravização que delegou lugares subalternos às pessoas pretas”, ensina. 

Fim da escravização se deu sem políticas públicas 

Segundo ela, embora tenha ocorrido o fim da escravização, isso se deu sem políticas públicas. “Dessa forma o negro ficou à margem da educação, saúde, economia, política e temos consequências funestas disso até os dias atuais que se materializam em preconceitos, discriminação, racismo e desigualdades sociais e principalmente educacionais, cujo combate é indispensável para qualquer mudança. O motor propulsor disso é uma educação efetivamente antirracista. É no que acredito”, diz a professora. 

A professora compara que, mesmo a equipe de reportagem comprovando a discrepância, ainda há pessoas dizendo que o racismo não existe e que se tem que parar de falar sobre isso. “É necessário, sim, trazer à tona esse debate, remexer nessa ferida. E, ao mesmo tempo, provocar mudanças que, sei, são lentas”, diz.

“O Brasil é um país em que a escola e a sociedade vivem imersas em uma concepção ideologicamente enraizada de viver uma democracia racial. É necessária uma educação antirracista onde a sociedade consiga visualizar o que está encoberto há muito tempo. Sugiro que leiam”, destaca a professora. E ela aponta algumas leituras: “há muitas, mas sugiro o livro Racismo Estrutural, de Silvio Almeida, da Coleção Feminismos Plurais”.

Foram justamente essas leituras que ajudaram a professora Helena a lidar com os episódios de discriminação os quais ela já viveu em espaços públicos. “Foram episódios tristes, mas que consegui superar. Já me senti mal várias vezes por não me sentir representada nesses lugares, mas como tenho leituras consegui administrar bem na minha cabeça isso”, finaliza. 

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Ananindeua
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS DE ANANINDEUA

MAIS LIDAS EM ANANINDEUA