Arbitragem feminina: cresce a presença de mulheres árbitras na elite do futebol no Pará

Árbitras paraenses falam sobre a presença feminina na arbitragem no estado e destacam a importância de mecanismos para o crescimento da representatividade

Aila Beatriz Inete

O futebol, historicamente, é um esporte dominado pelos homens, seja como atletas, técnicos, dirigentes ou na arbitragem. No entanto, nos últimos anos, houve um crescimento na participação e visibilidade feminina no esporte, não só com jogadoras, mas também como árbitras. É o que mostram as escalas de árbitros divulgadas a cada rodada do Parazão pela Federação Paraense de Futebol (FPF) em levantamento feito pelo Grupo Liberal na semana do dia 8 de março, quando é celebrado o Dia Internacional da Mulher.

De acordo com levantamento feito pelo Núcleo de Esportes de O Liberal, houve um aumento de 17% no número de escalas femininas em relação ao ano passado. No ano passado, 23 escolhas de arbitragem na primeira fase do Parazão foram destinadas a mulheres. Nesta temporada, o número aumentou para 27. Além disso, todos os jogos da etapa classificatória do Estadual de 2024 tiveram a presença delas.

image Gleika é árbitra da CBF (Cristino Martins/O Liberal)

A paraense Gleika Pinheiro é árbitra central chancelada pela Federação Paraense de Futebol e Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A profissional é a única mulher do estado na posição. Para ela, o quadro atual da arbitragem paraense ainda é muito baixo em comparação com o dos homens e muito coisa ainda precisa ser feita para aumentar a participação feminina. 

"Ainda é um quadro muito baixo, antes era um pouco maior, mas mesmo assim eram poucas mulheres em jogos. Ainda somos muito poucas num espaço onde tem muitos homens e a gente precisa melhorar isso", apontou. 

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Evolução 

Gleika começou na arbitragem por acaso. No início, ela não tinha interesse no futebol e gostava de atletismo, modalidade em que ela foi atleta por alguns anos. Após sair do esporte, a árbitra fez faculdade de educação física e virou instrutora dos árbitros. Com o tempo, passou a se interessar pela área e fez o curso. 

A paraense começou a apitar em 2017, em jogos das categorias de base. Dois anos depois, ela estreou no estadual da Segunda Divisão como quarto árbitro e no ano seguinte no Parazão na mesma posição. A primeira partida como árbitra central no Campeonato Paraense ocorreu em 2022, quando apitou Castanhal e Itupiranga. Neste ano, Gleika já comandou Canaã e Caeté, na primeira fazer do Parazão. 

"Foi incrível porque foram quatro anos trabalhando para poder chegar nesse momento. Sabemos que é um pouco difícil no nosso quadro feminino buscar esse espaço. Mas vamos buscando, mostrando que temos capacidade e a comissão vai confiando no nosso trabalho para dar essas oportunidades, mesmo com o bloqueio que alguns clubes colocam na federação por ser um mundo machista ainda, mas eles estão abrindo essa porta para o quadro feminino", declarou a árbitra.

image Presença da mulher na arbitragem paraense (Cristino Martins/O Liberal)

 

 

 

 

Hoje, o quadro de arbitragem da FPF possui 110 profissionais, sendo 17 mulheres, onde 14 estão atuando. Esse número representa 15% dos árbitros chancelados. Fernando Castro, presidente da Comissão de Arbitragem da federação, reconheceu que houve uma pequena evolução nos últimos anos. 

"Já temos uma pequena evolução em relação a anos anteriores. A mulher está muito mais presente no mundo do futebol, em todas as áreas. Esse incentivo em arbitragem é interessante porque damos oportunidades para mulheres que fazem faculdades na área do esporte a seguirem um caminho de trabalho", destacou o presidente. 

Nayara Luceno Soares começou no esporte ainda muito nova. Entre os 12 e 22 anos, ela foi atleta de futsal e futebol de campo. Mas, após se formar em educação física, não conseguiu mais conciliar a profissão com a paixão e encerrou a carreira. Com isso, em 2015, ele entrou para um curso de arbitragem sem muita pretensão e hoje é árbitra assistente da FPF e da CBF. 

"Felizmente, o nosso futebol feminino vem crescendo. Eu, como atleta há 20 anos, as oportunidades eram mínimas, a gente quase não tinha visibilidade e hoje as competições nacionais estão aí para todo mundo ver. Então, o nosso futebol vem evoluindo e com ele o quadro da arbitragem feminina também", ressaltou a árbitra assistente, que também acredita que fatores externos da rotina da mulher contribuem para um número menor de mulheres na área. 
 
"Algumas são mães, têm que cuidar do filho, às vezes é uma filha que tem que cuidar da mãe. A mulher tem uma rotina dobrada. Tem o trabalho, tem que cuidar da casa e, para a gente conseguir manter a rotina de treinos, o estudo teórico, conseguir conciliar tudo isso é muito difícil. Então, a gente tem que escolher, decidir que é aquilo que quer e se dedicar, por isso que muitas não conseguem chegar ao nível profissional", completou Nayara. 

De acordo com Gleika, infelizmente, ainda é pouco o número de mulheres que terminam um curso e se mantêm na arbitragem, seja pelo preconceito, falta de suporte, estruturas ou motivação. 

"Vi uma evolução no quadro feminino, principalmente nos últimos três anos, em relação ao querer. As meninas começaram a querer participar, se desenvolver, mostrar que são capazes e essas oportunidades começaram a ser dadas, ainda não é o bastante", apontou Gleika. "Esse ano a gente vê que muitas melhoraram e foram indicadas para a CBF. Três foram escolhidas para fazer o teste. Já foi um marco muito grande e isso é uma vitória para a gente. Então, é cada vez mais tentar fazer com que o nosso quadro feminino passe no teste masculino, que atualmente só temos duas", completou a árbitra. 

Desafios 

Felizmente, Gleika nunca sofreu nenhum tipo de agressão que ela tenha considerado forte. Mas reafirmou que existe uma "barreira" e sempre há comentários tentando desmerecer a posição dela. 

Para Fernando Castro, essa resistência em aceitar a mulher em jogos é "cultural" e o maior desafio dos órgãos nos últimos anos. Ele apontou que é preciso um trabalho de educação. 

"A resistência do meio de futebol é uma questão cultural e nosso maior desafio nos últimos anos. Precisamos educar a sociedade para ter um olhar mais amplo sobre o profissional. Quanto mais você massifica a arbitragem feminina, mais isso é aceito culturalmente. Temos mulheres, por exemplo, em quase todas as escalas de arbitragem do Parazão", pontuou. 

image Nayara Luceno Soares integra o quadro como árbitra assistente (Cristino Martins/O Liberal)

Na Copa do Mundo de 2022, pela primeira vez, uma mulher apitou uma partida do torneio, a francesa Stéphanie Frappart. Mas o número de mulheres apitando os jogos masculinos ainda é muito pequeno. Gleika explicou que, para uma mulher chegar a ser árbitra central, o processo é mais longo do que para ser assistente. Isso pode dar luz sobre o porquê de mais mulheres optarem por essa área. Contudo, a paraense ressalta que o preconceito nas escalações ainda é um fator que persiste.   

"Depende muito de como é a federação, o envolvimento dos clubes com a federação, o preconceito que ainda existe muito e a capacidade da pessoa. Mas, na maioria das vezes, é mais a resistência que existe sobre a arbitragem feminina. Então, para ser assistente, não sobre ser mais fácil, mas, a meu ver, a oportunidade é dada mais rápido. Muitas se identificam logo também e na escola os instrutores falam que será um caminho mais rápido", explicou. 

Nayara está na federação desde 2016 e sempre ouviu em jogos ofensas por parte de torcedores que criticam seu trabalho. No entanto, a árbitra assistente ressalta que é importante entender que todos dentro de campo tentam fazer o melhor trabalho, independente do gênero.

"O preconceito está presente na vida deste a infância. Infelizmente, desde os 12 anos eu escuto que futebol não é para mulher, que é coisa de homem. Eu atuo na federação desde 2016 e eu não lembro de um jogo em que eu não tenha escutado um torcedor mandando eu ir lavar louça, lavar a casa, estender roupa, quando ele discorda das nossas tomadas de decisão e parte para a ofensa", relatou a assistente. "A gente tenta mostrar que o que a gente faz em campo independe da nossa sexualidade. Se você desenvolve as habilidades e no jogo você consegue tomar todas as decisões necessárias, você mostra que tem condições o suficiente de estar ali, que você não erra porque é mulher, erra porque às vezes o lance é difícil, nós somos humanos e por isso erramos não porque eu sou mulher ou ele é homem", concluiu Nayara. 

Gleika ama a arbitragem. Para ela, o momento em jogo não é apenas uma obrigação, mas também um espaço para aproveitar e dar o seu melhor em campo. Agora, a paraense, assim como Nayara, visa evoluir e melhorar ainda mais, para apitar partidas da CBF e, futuramente, chegar na FIFA.

"Cada vez mais a gente vê mulheres conquistando seus espaços por competência. É importante lembrar que o nível de exigência dos nossos cursos é o mesmo para homens e mulheres, então se ela conquistou um espaço é por pura competência. Aquela pessoa que olha com algum olhar preconceituoso terá que mudar seus conceitos", finalizou Fenando Castro. 

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