Corpo de criança dentro de mala em Belém revive crime semelhante nos anos 70
O primeiro caso ocorreu em 1973 e ficou conhecido como "O Crime da Mala”
O corpo de Paulo Guilherme da Silva Guerra, de apenas 6 anos, encontrado na tarde de segunda-feira (27) dentro de uma mala preta deixada em frente ao Cemitério São Jorge, no bairro da Marambaia, em Belém, reacendeu lembranças de um outro crime que também chocou a população paraense. A semelhança entre os dois casos é perturbadora: em ambos, as vítimas eram crianças, os corpos foram colocados dentro de uma mala e o bairro da Marambaia foi o cenário da tragédia.
O primeiro crime ocorreu em 1973 e ficou conhecido como "O crime da mala". O caso mais recente causou comoção e revolta em toda a cidade. O menino havia sido dado como desaparecido na noite de domingo (26) e chegou a ter imagens compartilhadas nas redes sociais durante as buscas. No dia seguinte, um pedestre percebeu a mala abandonada em frente ao cemitério, abriu o compartimento e encontrou o corpo da criança. A polícia foi acionada imediatamente.
De acordo com o laudo preliminar da Polícia Científica do Pará, o corpo estava dentro da mala havia mais de seis horas quando foi encontrado, o que indica que a vítima foi deixada no local por volta das 5 horas da manhã de segunda-feira. O menino estava com as mãos amarradas e, dentro da mala, também foi localizada uma luva de boxe.
Ainda não há confirmação oficial sobre a causa da morte, mas peritos apontam sinais de asfixia mecânica, possivelmente por estrangulamento ou sufocamento, já que o corpo não apresentava lesões traumáticas externas. O principal suspeito, George Hamilton dos Santos Gonçalves, trabalhava como catador de lixo e morava próximo à vítima, na Alameda Jacaré, área conhecida como "Invasão da Cosanpa", também no bairro da Marambaia.
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George possuía duas passagens pela polícia por estupro de vulnerável, uma em 2004 e outra em 2016. Segundo moradores, fotos de crianças e imagens da mala suspeita foram encontradas no celular dele. Na noite da segunda-feira, após a descoberta do corpo de Paulo Guilherme, o suspeito foi linchado e morto por vizinhos, revoltados com o crime.
A brutalidade e a simbologia da cena - uma criança sem vida dentro de uma mala em frente a um cemitério - trouxeram à memória dos paraenses um caso antigo, igualmente trágico, conhecido como o “Crime da Mala”, que ocorreu exatamente no mesmo bairro, há meio século.
O “Crime da Mala” de 1973
No dia 1º de novembro de 1973, Diene Ellen, de apenas dois anos, foi estuprada, assassinada, esquartejada e colocada dentro de uma mala pelo próprio pai, o "Raimundo Sapateiro" (apelido recebido pela profissão). Ela está sepultada no cemitério São Jorge, no bairro da Marambaia. O pai dela foi preso e acabou tirando a própria vida. Lentamente, a solidariedade fez a menina se tornar um espírito milagreiro popular. O caso chocou o Estado e entrou para a história policial do Pará como um dos mais bárbaros de todos os tempos.
Em entrevista recente ao Grupo Liberal, o delegado Armando Mourão, que atuou na investigação e hoje está aposentado após 54 anos de serviço na Polícia Civil, relembrou o episódio que marcou sua carreira. “O Raimundo Sapateiro assassinou a própria filha, Diene Ellen. Ele violentou e matou a criança”, recordou Mourão. Após o crime, Raimundo escondeu o corpo na oficina de sapatos onde trabalhava, e depois o colocou dentro de uma mala.
De forma premeditada, despachou a bagagem em um ônibus com destino a Marabá. No entanto, o mau cheiro exalado da mala chamou a atenção durante a viagem, e a polícia foi acionada. “Nós começamos a investigar, chegamos até a autoria e conseguimos prendê-lo, quando ele se preparava para fugir”, relembrou o delegado.
A crueldade do crime marcou profundamente a cidade. Com o passar do tempo, o túmulo da menina Diene Ellen, localizado justamente no Cemitério São Jorge, na Marambaia, passou a ser frequentado por centenas de pessoas que afirmam ter recebido graças e milagres por intercessão da criança. “Hoje, 50 anos depois, a pequenina Diene Ellen opera milagres, dito por pessoas que foram favorecidas. O túmulo dela é bastante visitado, principalmente em datas comemorativas. São vistos brinquedos, flores, objetos de criança, numa alusão à pequena vítima que ali foi sepultada”, contou o delegado Mourão.
Segundo o delegado aposentado, o caso teve uma dimensão pública rara para a época, quando crimes desse tipo eram incomuns e provocavam grande comoção social. “Eram fatos que mexiam com a opinião pública. Diferente de hoje, em que infelizmente se tornaram corriqueiros os assaltos e homicídios. Naquele tempo, não. Era meta prioritária nossa desvendar, prender e apresentar os criminosos para que a Justiça aplicasse a sanção penal correspondente”, lembrou.
Coincidências e perplexidade
A repetição do padrão - uma criança morta e colocada dentro de uma mala, o bairro da Marambaia como cenário e a proximidade com o Cemitério São Jorge - impressionou investigadores e moradores mais antigos, que imediatamente associaram os dois episódios. Apesar de separados por cinco décadas, os crimes compartilham elementos simbólicos fortes, que causam dor, revolta e incredulidade na população.
No caso de 1973, o assassino era o próprio pai da vítima. No de 2024, o suposto suspeito era um vizinho, reincidente em crimes sexuais. Ambos os episódios expõem a vulnerabilidade das crianças e a necessidade de políticas permanentes de proteção à infância e de prevenção à violência doméstica e sexual. Enquanto o corpo do menino Paulo Guilherme é velado em meio à indignação e à tristeza da família e da comunidade, o nome de Diene Ellen volta a ser lembrado - não apenas como o símbolo de um dos crimes mais cruéis da história do Pará, mas também como o reflexo de uma coincidência trágica que atravessou gerações e ainda comove Belém.
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