Após 54 anos de serviço, delegado Armando Mourão se aposenta e busca lugar no Guinness Book
"Ou você é policial ou você é bandido", diz o delegado que, ao longo da carreira, investigou crimes de repercussão no Pará
"Ou você é policial ou você é bandido". É o que afirma o delegado Armando Mourão, que se aposentou em outubro de 2024, no mesmo dia em que completou 75 anos de idade, após 54 anos de dedicação à Polícia Civil do Pará. Reconhecido pela postura austera, mas justa, ele marcou época ao conduzir investigações de grande repercussão, como o “crime da mala” e o caso do “monstro do Morumbi”. Agora, reúne documentos para tentar inscrever sua trajetória no Guinness Book, o Livro dos Recordes, como o policial civil mais antigo em atividade do Brasil.
O delegado comentou a ideia de entra para o Guinness Book. “Eu entendo que seria uma forma de reconhecimento universal para uma pessoa que dedicou 54 anos de sua vida acadêmica policial, sem faltas, sem máculas, sem punições. Como está comprovado que, até a época da minha aposentadoria, eu era o policial civil mais antigo em atividade, entendi ser possível esse pleito. Estou reunindo material, documentos e elaborando as minhas memórias do trabalho para subsidiar esse pedido e norteá-lo com a materialidade necessária”, disse.
Ele começou sua carreira em 7 de novembro 1968 e passou por todas as etapas da Polícia Civil. “Quando entrei na polícia, fui designado como agente policial especial, uma atividade sem estabilidade, podendo ser dispensado a qualquer momento. Minha primeira lotação foi na ‘zona do meretrício’, que era bastante conturbada. Lá me envolvi em um problema sério e, para evitar represálias, o então chefe de polícia, delegado Luiz Augusto da Costa Paz, me transferiu para a Delegacia de Homicídios”, contou.
Lá, e ao lado de outros policiais, aprendeu a estrutura da investigação. “Naquela época, crimes de homicídio tinham grande repercussão social, mexiam com a sociedade paraense e exigiam imediata elucidação, seguida da prisão para que houvesse a punição dos culpados. Graças a Deus, conseguimos solucionar vários crimes de alta repercussão”, afirmou.
Em 1974, prestou concurso público para comissário de polícia, fui aprovado e a primeira lotação foi na unidade do Telégrafo. “Até hoje sinto o reconhecimento dos moradores antigos do bairro”, disse. Em mais de 50 anos de carreira, o delegado Mourão contou que nunca recebeu uma punição. “Aprendi com quem sabia ensinar, tanto no aspecto policial quanto no jornalístico. Esse ensinamento serviu de berço para mim e me ajudou a convencer policiais de que o caminho certo era o da retidão, da honestidade, da lealdade. Nossa responsabilidade estava depositada sobre a vida e o patrimônio das pessoas. Então, no mínimo, precisávamos ser sérios. Foi isso que eu assinalei e fiz até hoje”, contou.
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Delegado Mourão investigou crimes de repercussão no Pará
Ele também participou de investigações marcantes, como o “Crime da Mala” e o caso do “Monstro do Morumbi”. “O caso do Monstro do Morumbi foi um fato atípico e que mexeu com a cultura policial brasileira. Ele havia cometido vários crimes em São Paulo, fugiu para Belém e aqui cometeu três. Quando tentou cometer o quarto crime, apaixonou-se pela vítima, e foi graças a ela que conseguimos identificá-lo. Ele se vestia da cabeça aos pés. Você não conhecia marcas, cicatrizes. Na época, tatuagem era uma coisa rara. Dependíamos fundamentalmente da indicação dela para chegar até ele. Ela descobriu onde ele morava e nos passou as informações”, contou. “Ao amanhecer de uma quarta-feira, eu e Batista (policial civil) fomos até esse quarto, no Jurunas, e o encontramos escondido debaixo da cama, completamente nu. Ele confessou todos os crimes em São Paulo em Belém e não demonstrou arrependimento”, lembrou.
Outro caso marcante foi o que ficou conhecido como “O Crime da Mala”, no qual uma criança de três anos foi morta e colocada dentro de uma mala. O corpo foi encontrado em Marabá. Até hoje, o túmulo da menina Diene Ellen, no cemitério da Marambaia, em Belém, é muito visitado por pessoas que acreditam ter recebido graças por sua intercessão. “Eram fatos que mexiam com a opinião pública. Diferente de hoje, em que é corriqueiro ter assalto, homicídio. É praticamente o dia a dia. Naquele tempo, não. Era meta prioritária nossa desvendar, prender e apresentar os criminosos para que a Justiça pudesse aplicar a sanção penal correspondente”, afirmou.
“A Polícia sempre esteve no meu sangue”, diz Mourão
O delegado Mourão disse que a polícia sempre esteve em seu sangue. “Quando fui admitido, como agente, minha mãe (dona Palmira) quase não acreditou. Mas, com o tempo, ao ver nosso desempenho, passou a ser uma incentivadora. Ela foi minha grande inspiração. Abaixo de Deus, minha mãe foi tudo na minha vida. Ela viveu 101 anos de idade”, contou. Ele comentou a fama de correto, austero, mas, também, justo.
“Quando uma pessoa chega a uma delegacia, muitas vezes chega fragilizada, na esperança de que a polícia resolva o problema. Se for maltratada, é um ponto negativo. Sempre me coloquei no lugar da vítima. Sempre coloquei minha mãe no lugar da vítima”, disse. “Trabalhava com a dureza necessária, mas com justiça. Acho que corrupção não tem espaço na polícia. Ou você é policial ou você é bandido. Não dá para ser os dois ao mesmo tempo. O policial tem que sair da Academia preparado para a atividade. Hoje tenho visto policiais reprovados no estágio probatório”, contou.
Agora aposentado, ele tem se dedicado muito mais à família. “Aprendi a cultuar a família. Hoje tenho mais tempo para minha esposa e para minha filha, que vai completar 10 anos, para as quais eu não tinha tempo necessário para cuidar. No fim de semana, quando é possível, saímos para passear”, contou. “Para mim, a vida hoje tem sido um aprendizado: novas amizades, novas técnicas e, principalmente, mais tempo para minha família”, disse.
"Seja um policial honesto e conquiste a confiança da sociedade”, diz delegado
Sobre o legado que deixou na Polícia Civil, Mourão disse que fez a sua parte. “Eu nunca tirei uma licença na vida. O meu legado é o respeito e a confiança que a sociedade paraense tem no delegado Mourão. Gostaria que fosse perpetuada é a lembrança de que o povo paraense tem do delegado Mourão, que, graças a Deus, é a melhor possível. Combati o crime sempre com honestidade. Combatíamos o crime objetivando unicamente punir os criminosos”, afirmou.
Ainda segundo Mourão, o princípio da honestidade e da lealdade é fundamental em qualquer atividade, não só na polícia. “Se você quer ser policial, seja policial. Não pode ser policial e bandido ao mesmo tempo. Não tem espaço pra isso. Enquanto policial, cumpra suas tarefas, entenda que o salário é pelo que você faz jus. Se quiser ganhar mais, estude mais, se dedique, busque novos rumos. Mas, dentro da polícia, seja um policial honesto e capaz de conquistar a confiança da sociedade”, disse.
“Hoje, a Polícia Civil não tem espaço para bandidos dentro da instituição. Ou você é policial ou você é bandido. Você assuma a sua responsabilidade. É muito bonito você vê a sociedade enaltecer o trabalho policial que redundou em grande benefício para a comunidade. Essa foi a minha ótica: trabalhar para que a sociedade tivesse em mim o respeito e a confiança que tem até hoje”, afirmou. Ele também pede à sociedade que denuncie os crimes. “Sem denúncia não é possível combater o crime. Hoje temos mecanismos que garantem o sigilo necessário. Quem tem conhecimento de crimes deve denunciar, porque estará prestando um inestimável serviço à sociedade. E a sociedade, representada pela polícia, vai certamente coibir aquele crime”, afirmou.
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