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Dia das Mães: maternidade é cultura, liderança e resistência para povos tradicionais

Mães indígenas e quilombolas contam os sentidos e os desafios da maternidade fora das comunidades onde cuidados ancestrais são mantid

Camila Guimarães

A maternidade está diretamente ligada à preservação de culturas e saberes, sobretudo para os povos tradicionais, como os indígenas e quilombolas. Além disso, tradição, liderança e resistência são características de destaque no maternar desempenhado por mulheres dentro de comunidades e aldeias, conforme enfatizam Auriene Arapiun, pertencente ao povo Arapiun da aldeia São Pedro do Muruci, em Santarém, e Daniele Bendelac Pinheiro, quilombola da comunidade Umarizal, no município de Baião, sudoeste do Pará.

A estudante de psicologia Auriene Arapiun é mãe de duas crianças - o Rudá, de um ano, e a Lara, de cinco - e diz que a maternidade tem um sentido sagrado para o seu povo. “Ela representa, de fato, o seguimento da vida. A gente pode estar gerando um guerreiro ou uma guerreira. Alguém que vai se juntar a nós, em nossas lutas e festas. Alguém que pode ter um dom. Alguém que pode fazer a diferença para o nosso povo. Mas também temos medo, porque ela pode representar um fardo e é uma responsabilidade muito grande”, descreve.

Auriene conta que ficou grávida pela primeira vez aos 20 anos e, apesar de saber que um dia geraria vida, teve medo da descoberta porque não se considerava pronta para isso. Contudo, abraçou o desafio: “Foi um choque, porque eu tinha sonhos de estudar para ajudar meu povo, diante das nossas necessidades e problemáticas. Eu sabia que, com criança, seria difícil viver fora da aldeia e estudar, mas aceitei gerar a vida. Voltei para a aldeia onde fiquei durante dois anos e trabalhei com ensino da língua indígena na escola, nesse período”.

image Auriene Arapiun, mãe de Rudá e Lara, conta que a maternidade é sagrada na etnia dela (Ivan Duarte / O Liberal)

Quatro anos depois, morando na cidade novamente, Auriene ficou grávida de Rudá. Sentindo-se mais preparada diante do universo da maternidade, decidiu não mais adiar o sonho da formação profissional: “Eu já sabia o que esperar de uma gravidez, que caminhos seguir e faria de tudo pra conciliar trabalho e maternidade. Fiz o processo seletivo para Psicologia quando o Rudá tinha apenas seis meses e passei. A Lara tinha cinco”.

Apesar da inegável garra e do sucesso em concretizar seus objetivos, Auriene pondera que é mais fácil ser mãe na aldeia do que na cidade. Ela diz que, sem dúvida, a rede de apoio é muito maior. “Lá a gente vive num coletivo. Há muitas outras crianças e muitas outras mães vivendo na forma tradicional. Fica mais leve, tanto financeiramente quanto socialmente”.

Entretanto, ela reconhece a realidade de sobrecarga encarada pelas mães indígenas:

“A maioria das mães estão com seus filhos em tempo integral e vivem da agricultura e artesanato. Levamos os filhos para todos os lugares, seja para o roçado, para a pesca ou para atos políticos. Eles participam sempre dos rituais, assembleias e encontros para irem ouvindo desde cedo sobre nossas lutas, direitos, deveres etc. Além disso, a mulher exerce várias funções e, em muitas, elas têm que cuidar sozinha de várias crianças, educar, dar o sustento. É exaustivo também”, relata.

image Daniele Bendelac e o filho Kenai. Para a estudante de geografia, o apoio à maternidade na comunidade dela deixava tudo mais fácil, pois o cuidado é coletivo (Ivan Duarte / O Liberal)

Mãe quilombola tem apoio coletivo e ancestral na comunidade

Quem também aponta essa multiplicidade de funções no papel das mulheres tradicionais é Daniele Bendelac Pinheiro, da comunidade quilombola Umarizal, no município de Baião. Ela é estudante de Geografia e mãe do Kenai, de 11 meses, e destaca que, na comunidade, as mulheres são figuras de sustento e resistência.

“O nosso papel não é só como a genitora, mas como liderança mesmo, dentro das famílias e na comunidade. Resistimos e lutamos mesmo com os filhos, para conseguir os nossos direitos. Muitas são solteiras e batalham para conseguir o seu sustento de várias formas, nas roças, na pesca, na produção de farinha, então elas acabam sendo o centro. Elas resistem todos os dias”, conta.

Daniele lembra que ficou grávida do Kenai durante a pandemia e, por conta da escassez de alguns serviços, também da reclusão da comunidade no período, preferiu parir em Belém. Mas, assim que teve a chance, voltou para os cuidados tradicionais dos familiares, em Umarizal. “Lá tem todo um conhecimento que é repassado de geração a geração. São cuidados que foram feitos com a minha mãe e que minha mãe fez comigo. Existem rituais, como tomar chás de algumas ervas durante um período, lavagem do corpo e outros cuidados muito importantes para a nossa saúde”, descreve.

Além do cuidado físico, Daniele também destaca o cuidado emocional e espiritual que as mulheres grávidas ou puérperas recebem na comunidade: “No período que eu estava gestante, o olhar da comunidade para a mulher é diferenciado. A gente recebe muitas palavras dos mais velhos, de cuidado, de afeto. A gente recebia a bendição. Então era muito carinho com relação à mulher na espera do seu filho”.

As tradições, na comunidade de Umarizal, não se limitam também à mãe. Lá, onde o maternar também é coletivo, Daniele destaca os cuidados das pessoas mais próximas com o bebê: “A criança não pode ficar até seis da tarde fora da casa, para não pegar sereno. A minha comida era separada, feita sem alguns temperos, por causa da amamentação. O bebê tinha determinados horários para banhar e o banho só poderia ser dado pela minha mãe. São muitos cuidados, durante os 40 dias de pós-parto”.

Refletindo sobre o significado de maternidade, a partir da sua experiência e de outras mulheres, como sua mãe, Daniele sintetiza: “Ser mãe é o início de um novo processo. O filho é um ser por meio do qual vai dar continuidade à nossa tradição, aos nossos saberes e a todos os nossos costumes. Mas, se eu fosse resumir, eu diria resistência. Porque nós não atuamos só dentro das nossas casas, mas também na luta dos territórios”.

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