Lutador paraense supera o preconceito e se transforma em símbolo de representatividade no UFC

Melk Costa tem vitiligo desde a infância e aproveita a visibilidade para inspirar outras pessoas a superarem as barreiras da doença

Aila Beatriz Inete

Desde criança, Melquizael Costa carrega na pele uma história que vai muito além do octógono. Conhecido no mundo das lutas como Melk, o paraense de Porto de Moz convive com o vitiligo, condição autoimune que altera a pigmentação da pele, e transformou o que muitos enxergam como limitação em bandeira de orgulho e superação. 

Carismático, bem resolvido e dono de um talento em ascensão no UFC, Melk se tornou uma das principais vozes contra o preconceito no MMA, mostrando que força, no esporte e na vida, também se mede pela coragem de saber e ser quem se é.

No último dia 25 de junho, foi celebrado o Dia Mundial do Vitiligo, criado para aumentar a conscientização acerca da doença e, em entrevista exclusiva ao Núcleo de Esportes de O Liberal, o atleta paraense falou sobre a importância de falar sobre o tema e ser uma ativa na luta contra o preconceito. 

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"Eu fiquei blindado com a luta e é por isso que hoje eu faço o inverso [ao preconceito que sofri]. Tem gente que acha que eu sou um personagem, mas não sou. Sou esse cara mesmo, zoado, gosto de brincar com todo mundo. Mas eu tento pegar isso para levar a inspiração para muitas crianças", destacou o lutador. 

"Todo dia recebo muitas mensagens de pais, de crianças, tanto do Brasil quanto de fora, falando: 'Nossa, meu filho não saía de casa, ele começou a ouvir você e hoje em dia ele está mais esperto, ele está se aceitando mais. É isso que me motiva cada dia mais", revelou o paraense. 

No UFC, Melk aproveita o espaço que tem para falar sobre o assunto. Usa uma pintura no rosto e não esconde a condição. Mas a situação nem sempre foi assim. Durante a infância e adolescência, o então menino do interior do Pará sofreu com preconceito, o que impactou diretamente a forma como ele mesmo se via.

"Como criança, foi tranquilo na época." Mas o problema foi na minha adolescência, que teve muito preconceito. Muita coisa pesada que eu presenciei, que afetou muito meu psicológico. Não queria sair na rua, era uma situação bem complicada mesmo, principalmente aí no Pará que é quente e eu só andava de camisa comprida, de calça porque eu tinha muita vergonha de mim mesmo", revelou o lutador. 

Segundo o atleta, a informação nunca foi um problema. Desde o diagnóstico concreto, que veio por volta dos sete anos, ele pesquisava bastante sobre o assunto e tentava encontrar um tratamento que pudesse acabar com a doença. Com isso, Melk percebeu que o "problema" não era ele, e sim o preconceito das pessoas.

"Eu sempre pesquisei muito sobre o vitiligo, mas o problema não era eu, eram as pessoas que estavam ao meu lado. Quando era criança e estava brincando com a criança, o pai chegava e puxava o filho porque falava assim: 'Esse moleque tá doente e tal'. As pessoas não tinham noção do que era vitiligo. Muita gente confundia com hanseníase e eu sempre procurava a cura e eu só escutava que não tinha cura", relatou. 

Luta e resignificação

Tudo começou a mudar quando Melk entrou no universo das lutas. De acordo com ele, inicialmente, o objetivo era aprender a lutar para enfrentar as pessoas que faziam bullying com ele. No entanto, aos poucos, ele entendeu que o propósito da arte marcial era outro — e encontrou um novo mundo.  

"A luta foi um refúgio para mim", afirmou o lutador. Porque a luta em si tem muita igualdade. O cara pode ser o juiz da minha cidade, ser um delegado e tudo, mas se ele entra na academia, se é um faixa branca, eu sou um faixa preta, ele tem que me respeitar. Existe a hierarquia. Do mesmo jeito que não tem um negócio assim: 'Ah, eu não vou rolar com esse cara porque não gosto dele'. Não existe isso. Na academia existe muita disciplina. E foi algo que me aproximou do mundo", contou Melk.

Atualmente, com quatro vitórias seguidas no UFC, Melk adotou um novo apelido: "Dálmata", caracterizado pela pelagem branca e preta. "Dálmata, ele é uma figura muito representativa na comunidade vitiligo. Só que eu não sabia que ia causar um impacto muito grande. Eu fui lá no UFC Seattle, que eu pintei o rosto e o próprio UFC postou, e foi um negócio muito impactante", explicou o paraense.

Apesar de ter adotado o apelido, o lutador explicou que nem sempre foi assim e que a referência o machucava. Após o evento, o nome foi resignificado a partir de uma interação com um fã.

[Após a luta] Quando cheguei aqui em Bauru, estava no shopping e um rapaz me parou: 'Posso tirar uma foto contigo?' Tu és aquele lutador do UFC, tu és o Dálmata, né? Aí eu peguei um susto", relatou Melk. "Eu não fiquei me sentindo mal, mas foi algo um choque. Eu pensei: 'Caraca, o cara me chamou de dálmata'. E aí eu falei: 'Mano, por que não? Era algo que me machucava tanto antigamente, por que não pode ser algo que me fortaleça, mostrar uma receptividade? "Então foi isso", detalhou o paraense.

Segundo dados da Sociedade Brasileira de Dermatologia, o vitiligo afeta cerca de 1% da população mundial. No Brasil, aproximadamente um milhão de pessoas têm a doença, que pode ser causada por herança genética, autoimunidade ou exposição a produtos químicos. É importante destacar que não se trata de uma condição contagiosa, mas ela ainda é pouco debatida — e é por isso que o lutador paraense abraçou a causa e tenta inspirar outras pessoas a construírem suas vidas sem barreiras.

"A vida é bela", ressaltou. "Ao mesmo tempo, ninguém é perfeito aos olhos do homem, então não adianta [tentar ser]... Então, se ame mais, a vida é bela, você pode fazer o que você quiser. Vocês podem fazer o que vocês quiserem, basta vocês focarem e acreditarem, não é uma condição de pele, não é uma condição de saúde que pode te parar. É isso. Eu sou a prova disso", concluiu Melquizael Costa.

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