Vamos embora pra 'Pasárgada'
Entre os 38 poemas constantes do livro “Libertinagem”, escrito por Manuel Bandeira em 1930, ganhou destaque “Vou-me Embora pra Pasárgada”, nome da capital do primeiro Império Persa, ao ser considerado pelos críticos como um marco na literatura modernista brasileira. Exibe um tom melancólico e expressa o desejo de escapar de uma realidade opressiva e infeliz, refugiando-se em um lugar imaginário onde tudo parece ser perfeito, ser amigo do rei e realizar seus desejos, podendo viver uma vida plena e satisfatória, longe dos estresses do mundo em que se vive.
Pasárgada, descrita como uma terra de abundância e prazeres, é apresentada como uma cidade mítica, que historicamente remete ao Império Persa, onde não apenas realiza seus desejos materiais, como ter “a mulher que eu quero na cama que escolherei“, mas também encontra um escape emocional e existencial. Inclui desde prazeres simples e lúdicos, como “andar de bicicleta” e “tomar banhos de mar“, incluindo consolos mais profundos, num rompimento total com a vida convencional em meio a crítica indireta à sociedade e padrões morais dos tabus que lá não existem.
Nos dias de hoje, quase um século depois, há sinais de que muita gente gostaria de descobrir caminhos atuais que levem à “Paságarda” destes tempos de incertezas e preocupações. As razões parecem ser até piores do que aquelas que inspiraram Manuel Bandeira a abandonar os eventuais prazeres das cidades e mergulhar nas singelezas próprias dos hábitos provincianos do interior. Entre esses novos retirantes, já se incluem nomes famosos das artes e espetáculos urbanos, que se confessam cansados das badalações profissionais na troca pelo bucolismo periférico.
Pesquisas qualitativas, objetivando entender o “porquê” e o “como” está ocorrendo uma espécie de processo migratório às avessas, registrando um lento, mas constante e crescente, de um deslocamento dos habitantes da áreas rurais para os centros urbanos. Empresários e artistas passaram a figurar nesses movimentos, vendendo bens e gerindo atividades que classificam e declaram serem desgastantes, em troca do que consideram um estilo de vida menos agitado e mais tranquilo, apenas temperados com esporádicas e pontuais incursões culturais e sociais outrora agitados.
Analistas das pesquisas de comportamento humano, confessam não se surpreenderem com as motivações e justificativas prevalescentes declaradas pelos migrantes nas respostas aos questionários apresentados. A campeã disparada atende pelo nome de “segurança”, que envolve desde furtos e roubos de celulares até os assaltos à mão armada, na invasão de domicílios, comércios e nas ruas, onde pessoas são despojadas de carros, motos e outros bens móveis e semoventes, raramente abortados pela coincidência da eventual presença policial nas imediações.
Há fundada desconfiança de que a guerra contra a bandidagem está perdida, a despeito dos esforços no combate à criminalidade, muitas vezes frustrado pela organização dos delinquentes, cada vez mais sofisticada e numerosa, ampliando a presença e o domínio e todos os sentidos, fortalecido pelo volume de recursos. Pessoas de bem saem de casa sem a certeza de que voltarão vivos, dependentes da própria sorte ante os perigos que dominam por onde se transite. Seguindo a tendência que as pesquisas revelam, vamos embora para “Paságarda” em busca da segurança desejada.
Linomar Bahia é jornalista e escritor, membro da Academia Paraense de Letras e da Academia Paraense de Jornalismo.
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