E Deus criou Brigitte Bardot

Leia o texto do professor e pesquisador Relivaldo Pinho, escrito especialmente para O Liberal.

Relivaldo Pinho (especial para O Liberal)
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É o filme de 1956, “E Deus criou a mulher”, direção de Roger Vardin, que mostra Brigitte Bardot em toda sua essência na tela. Lady Bardot nos deixou nesse domingo, 28. Mas sua imagem terna e selvagem, carente e voluptuosa, ficará por muito tempo em nosso imaginário.

E essa imagem está representada perfeitamente nesse clássico filme, época de grandes estrelas do cinema.

É verdade que existem outras facetas de Bardot, mas a que nos interessa aqui é aquela que surge na tela, na primeira sequência do filme, tomando sol no quintal de casa, quando a câmera focaliza suas pernas descobertas e seu corpo apenas escondido por um lençol levemente transparente.

Bardot é Juliete, uma bela jovem órfã que mal completou dezoito anos e vive na pequena e bela cidade, banhada pelo Mediterrâneo, de Saint Tropez.

Desejada pelos homens do lugar, Juliete não se importa com o que falam dela, curte a vida livre, desfilando sua beleza pelas ruas da cidade.

Ela tem três pretendentes mais fervorosos, o ricaço Eric Carradine, quem sempre lhe promete presentes e uma vida de luxo, Antoine, que trabalha no estaleiro da família e por quem ela é realmente apaixonada, e o irmão mais novo de Antoine, Michel.

Em vias de ser enviada novamente para o orfanato, é Michel quem se joga as seus pés prometendo casar-se com ela e evitar sua partida. Eles casam, mas o amor nunca é um barco perfeitamente construído que segue em linha reta.

Muito menos com a indomável Juliete. Antes de se casarem, Michel lhe pergunta se ela poderia casar para não voltar ao orfanato, ela responde que ninguém ia lhe querer porque gosta muito de se divertir.

Então, em seguida, ela diz a frase que sintetiza sua personalidade e o filme, “Não sei. É sempre como se fosse morrer amanhã, algo dentro de mim me empurra a fazer coisas idiotas”.

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Aqui está a chave de compreensão de Juliete. Permanente insatisfeita, ela desafia a si mesmo e o lugar como forma de provocação, mas também como forma de se proteger. Suas atitudes são, ao mesmo tempo, a lança que ataca e o escudo que tenta proteger.

Ela desfila sua sensualidade pela orla da cidade e, à noite, sempre está dançando no clube. Juliete vive tirando os sapatos não porque não goste deles, mas eles são uma imposição e imposições atingem em cheio o que ela mais preza, sua liberdade. É seu instinto que a empurra para viver sobre a areia da praia ou deitada sobre barcos pegando sol.

Michel, loucamente apaixonado, cede a todos os seus caprichos. Ele sabe que isso é perigoso, mas o que importa? Ele a quer em seus braços quando volta do trabalho e ela, envolta no lençol, esperando por ele.

Mas o espírito permanentemente insatisfeito de Juliete não se contém. Depois de casados, em uma madrugada, ela está sozinha na praia jogando pedras no mar. A câmera de Roger Vardin mostra sua solidão e desce, lentamente, até ela.

Michel, o amante incondicional, vai ao seu encontro, ele pergunta se ela está feliz. Ela diz estar assustada com o casamento e então ela agarra Michel pela camisa e diz, “Você tem que me amar muito”, Michel diz ser louco por ela, e ela, em um tom incisivo, lhe diz, “Diga que me ama, que sou sua, que precisa de mim, me beije, Michel!”.

Antes que ele a beije, ela cai na areia e deita de lado. Diz estar assustada, seu marido pergunta com o quê? Ela responde, “é difícil ser feliz”. A câmera faz um fade out (a imagem sumindo para o escuro) e dá àquela cena, ainda mais, seu valor simbólico.

A destemida Juliete é tão frágil como as maçãs que gosta de comer. A vida parece estar começando para ela, mas ela é empurrada para obrigações que simbolizam limites. E isso a angustia. Nem todas as maçãs dos pomares nascem maduras e algumas são carregadas de “pecado”.

“E Deus criou a mulher” lançaria Bardot ao mundo. Ela se tornaria uma das maiores celebridades do cinema, em grande parte, pela sua personagem nesse filme, personagem que irá se reproduzir, de vários modos, em seus outros trabalhos no cinema e em sua vida.

Provavelmente, nenhuma atriz encarnou essa personalidade tão bem, personalidade que é tão comum ao humano, uma alma terna e selvagem, carente e voluptuosa.

Brigitte Bardot e sua Juliete ficarão por muito tempo em nosso imaginário. Como devem ficar as imagens que tanto nos identificamos e que, por isso, se tornam inesquecíveis.

(Relivaldo Pinho é escritor, pesquisador e professor.)

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