Casa de dinamite, da Netflix, quando a política é implodida
Leia o texto do professor e pesquisador Relivaldo Pinho, escrito especialmente para O Liberal.
“Casa de Dinamite”, filme de Kathryn Bigelow produzido e em exibição pela Netflix, é um filme que pretende contar os bastidores de uma Guerra Nuclear, sim, do fim do mundo. Tudo isso de trás para frente, do fim para os momentos que antecedem o... fim.
Faz sentido? Faz. O público acha inteligente histórias contadas assim. Parece que o tempo foi distendido até o clímax final. No decorrer da história é que você vai entender realmente (sic) as circunstâncias do que estava acontecendo.
Opa! Espera aí, circunstâncias, que circunstâncias? Sim, porque nenhuma circunstância relevante é mostrada no filme, ou, pelo menos, nenhuma circunstância que explique o motivo do mundo estar prestes a ser aniquilado.
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Vou logo adiantar aqui. Alguém do filme, a diretora, ou um produtor, não importa, disse que essa falta de explicação é proposital, que o foco era mostrar como o destino do mundo pode estar nas mãos de uma única pessoa.
Disse também que o filme busca nos fazer pensar sobre os perigos das armas nucleares etc. etc. etc.
Alguém precisa avisar o pessoal do filme que sabemos disso desde que o arrependido Oppenheimer finalizou sua missão no projeto manhattan, em 1945.
Apesar de parecer arrependido, não há registros de que ele foi obrigado a realizar tal feito, ele sabia muito bem que o que estava por trás de suas decisões eram os interesses políticos de um mundo em guerra.
Sempre é, sempre será. É até constrangedor ter que repetir isso. Só não é constrangedor para “A casa de dinamite”. Para o filme, as bombas voam pelos céus por vontade própria. Booom! Lá vem mais uma bomba atômica que se rebelou.
O foco é mostrar os bastidores do poder, de um poder aniquilador. O filme mostra uma agente do gabinete de crise que está em... crise, um presidente norte-americano vacilante, um secretário de estado suicida e um general que parece mais interessado em comentar o jogo da noite anterior do que em bombas que voam sozinhas.
Algum problema em manter esse foco e esquecer dos políticos, dos interesses, da geopolítica e de quem lançou o primeiro míssil?
Não. Claro que não. Mas aí você precisa ser um Stanley Kubrick e fazer um “Dr. Strangelove” (1964) e ridicularizar os bastidores do poder e, pela risada, pelo cômico, tratar um problema sério.
Se o filme se propõe em ser sério, com um tom de permanente gravidade e tensão, ele precisa mostrar que o problema não pode ser separado da política. Ou ele estará dando sentido literal à expressão “teatro de operações”.
Para manter certo público atento, apreensivo e, nesse caso, ao final, frustrado, o filme consegue realizar bem seu propósito, mas para dar algum tom de verossimilhança, de algo que possa ser tomado como possível e verdadeiro, ele precisa colocar nesse teatro os atores e suas falas.
Caso contrário pode ficar parecendo que, como no filme de Kubrick, caubóis voam por aí em cima de bombas gritando ahhhhhhhh hhooooooooo!
Vejo também que o filme tem avaliações estatísticas variadas e alguém, novamente não lembro quem (chama-se memória seletiva, serve pra você não se afogar com o que não interessa), disse que a reação negativa do público se deve ao fato de seu final não ser claro.
Acreditem, sites especializados de cinéfilos (cinéfilo é todo mundo que não entende de cinema) lançaram e responderam a questão se o filme vai ter uma continuação, isso porque ele teria ficado em aberto.
Em aberto? Que nada. Está tudo ali. Uma bomba é lançada não se sabe por quem, um presidente pede conselhos a um ajudante de ordens que tem idade pra ser seu filho, uma defesa completamente ineficaz e uma história contada de trás pra frente. Booomm!
É a inversão da lógica. Não importa se bombas voam sozinhas. O filme quer que debatemos esse poder. Um poder, nesse caso, sem política, um poder sem sentido.
Não tem nada em aberto no filme. Exatamente porque o que importa, o poder, não está lá.
(Relivaldo Pinho é escritor, pesquisador e professor.)
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