Mais de 400 famílias esperam na fila da adoção em Belém
Perfil exigido pelos pretendentes impede que mais crianças e adolescentes sejam adotados
Atualmente, há mais de 400 famílias habilitadas para adoção em Belém, e entre 80 e 90 crianças e adolescentes continuam aguardando pretendentes. É justamente a idade buscada pelos pretendentes que dificulta a adoção de um número maior de crianças e adolescentes. “O brasileiro prefere adotar crianças com, no máximo, 4 anos, de preferência, bebês, recém-nascidos e sem problemas de saúde. Essa espera é que demora”, disse a juíza Rubilene Silva Rosário, titular da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém. "Temos quase 100 crianças e adolescentes aguardando — 80, 90. Elas não estão aguardando processo, mas pretendentes, pessoas que queiram adotá-las", explicou.
O Dia Nacional da Adoção é comemorado neste domingo (25). A magistrada explica que o processo de adoção inicia-se fora da esfera do Poder Judiciário — começa no coração da pessoa que deseja adotar uma criança ou adolescente. “Se você tem esse amadurecimento, essa vontade, esse querer de ser pai ou mãe, independentemente da condição biológica, você pode se cadastrar”, afirmou.
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Como se habilitar para adoção
O primeiro passo é fazer um pré-cadastro no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na plataforma, são colhidos dados dos pretendentes à adoção e das crianças ou adolescentes desejados, considerando:
- idade
- condição de saúde
- cor
- sexo
- gênero
- outros critérios
Após o pré-cadastro, o interessado deve enviar um e-mail para a Vara da Infância (1infanciabelem@tjpa.jus.br), informando que o cadastro foi realizado e manifestando interesse em se habilitar para adoção.
Começa então o procedimento de habilitação, com apresentação dos documentos:
- RG e CPF
- comprovante de residência
- comprovação de renda
- certidão de antecedentes criminais
O que acontece durante a habilitação
Os pretendentes participam de um curso preparatório oferecido pela Escola Judicial da Magistratura, com duração de um a dois meses. O objetivo é esclarecer dúvidas, desmistificar preconceitos e preparar emocionalmente os futuros pais.
Durante o processo, há participação do Ministério Público e da equipe multidisciplinar da Vara, que realiza:
- visita domiciliar
- análise da documentação
- verificação do cumprimento dos requisitos legais
Com todos os requisitos cumpridos, a decisão judicial habilita os pretendentes, com inscrição no Cadastro Nacional de Adoção. Esse processo leva, em média, até três meses.
A espera pela criança
Após a habilitação, inicia-se o período de espera pela criança ou adolescente, conforme o perfil desejado. Muitas crianças permanecem nos abrigos até a maioridade, especialmente aquelas com problemas de saúde.
A juíza destacou a importância da Lei da Entrega Protegida, que permite à mulher entregar seu filho para adoção de forma legal e sigilosa. Ela pode procurar qualquer maternidade, hospital, Ministério Público, Vara da Infância ou Defensoria Pública. A lei foi criada para combater o crime organizado, o tráfico de seres humanos e de órgãos, combater a adoção ilegal e reduzir o número de abortos clandestinos.
A legislação garante o sigilo da decisão da mulher e sua integridade física, além de assegurar que a criança será entregue a uma família habilitada, com o devido acompanhamento do Poder Público. Ainda segundo a juíza Rubilene Silva Rosário, essa lei resultou no aumento da adoção de recém-nascidos — perfil mais desejado pelos adotantes — e reduziu o tempo de espera, que antes era de 4 a 5 anos, para uma média de 2 a 2,5 anos. No entanto, a juíza reconhece que a lei ainda precisa de maior divulgação e enfrenta preconceitos.
“Dar um filho para adoção é um ato de amor. Imagine não ter condições de criar seu filho e, graças a Deus, haver uma família disposta a zelar, cuidar e garantir tudo o que a Constituição e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) asseguram: saúde, lazer, convivência social, moradia, amor”, ressaltou a juíza.
Quando surge uma criança ou adolescente com o perfil desejado pelos pretendentes, inicia-se o processo de adoção que, segundo a juíza, não é demorado e se encerra em, no máximo, um ano. O que leva tempo, de fato, é a espera até encontrar uma criança dentro do perfil desejado. A magistrada explicou que o CNJ regulamentou a busca ativa, permitindo que o juiz procure, no Cadastro Nacional, crianças e adolescentes fora do perfil mais procurado que estejam em outras cidades, estados ou comarcas. Apesar de já haver casos de sucesso com essa ferramenta, o número ainda é pequeno, devido à limitação do perfil desejado pelos adotantes.
A juíza destacou ainda que, dentro do instituto da adoção, existe a adoção internacional, prevista e regulamentada pela legislação brasileira. A única exigência legal para quem adotar é que o adotante tenha pelo menos 16 anos de diferença em relação à criança ou adolescente adotado. A juíza enfatiza que não é necessário ter alto poder aquisitivo para adotar: “Quantas famílias de baixa renda são pais zelosos e amorosos, e têm filhos fantásticos? O amor e a educação transformam valores”, disse.
Antes da sentença definitiva, a lei prevê um estágio de convivência, com duração média de 30 dias. Durante esse período, a convivência é acompanhada para garantir a adaptação de ambas as partes. Na audiência, os adotantes são lembrados de que a sentença de adoção é irretratável e irrenunciável. Uma vez transitada em julgado, a criança ou adolescente passa a ser filho ou filha do adotante para todos os efeitos legais: civis, criminais e sucessórios.
“Não é diferente da paternidade biológica. Quantos pais e mães biológicos abandonam seus filhos? Os espaços de acolhimento estão cheios por isso. Após a sentença do juiz, não há mais volta. A adoção passa a ter todos os efeitos legais”, explicou. O registro de nascimento anterior é cancelado, e um novo é emitido, com o nome escolhido pelos pais adotivos, garantindo todas as prerrogativas legais de paternidade ou maternidade.
Após perder sete bebês, professora adota um menino
A chegada de Benjamim mudou a vida do empresário Artemus Silva e da professora Cynthia Gatti. Benjamim foi adotado pelo casal em 2024. Até então, Cynthia havia enfrentado sete perdas gestacionais ao longo de oito anos — duas delas em apenas um ano. “Desde que éramos namorados, tínhamos a adoção como um objetivo em nossas vidas. Depois que casamos, essa vontade se consolidou ainda mais. E, com o passar do tempo, tomamos a decisão de que realmente queríamos adotar um filho”, disse Artemus, de 46 anos.
Cynthia Gatti, 37 anos, falou sobre as perdas durante a gestação: “Foi um processo bem longo... Em oito anos, perdemos sete bebês. De formas diferentes, em tempos diferentes, mas foi um processo muito difícil para nós enquanto pai e mãe”, contou. “No entanto, também foi um período de muito aprendizado, de muito fortalecimento espiritual e de preparação para a chegada do nosso filho tão amado. Deus foi muito bom conosco durante todos esses anos. Apesar de tudo o que vivemos, aprendemos muito e nos fortalecemos como família e como casal”, afirmou.
Artemus contou que, por algum tempo, ele e a esposa adiaram o processo de adoção: “Tem essa questão da gravidez, do filho biológico. A gente tinha receio: ‘E se o bebê chegar no meio de uma gestação de risco?’ Até que chegou o dia em que tomamos a decisão: ‘Não. Vamos nos candidatar, entrar na fila, e o que Deus enviar primeiro será aquele que Ele escolheu para ser nosso filho’”, lembrou.
O casal procurou a Vara da Infância e Juventude para se informar sobre todo o processo. “Passamos por todo o cadastro, entrevistas, até chegarmos ao curso — há um curso que é obrigatório —, e então ficamos aguardando”, contou. Cynthia acrescentou: “Isso aconteceu durante o período da pandemia, quando nos habilitamos. Foram dois anos e meio de espera pelo Benjamim. Mas foi um tempo que, para nós, passou até rápido. Estávamos preparando o nosso coração, entregando tudo nas mãos de Deus e esperando da melhor maneira possível. Quando ele chegou, foi para coroar esse tempo de espera, que nós esperaríamos um milhão de vezes de novo para tê-lo nos nossos braços. Ele nasceu no dia 8 de março e fará um ano e três meses no dia 8”.
Gestação do coração
Sobre os mitos que envolvem a adoção, Cynthia destacou que a adoção é uma escolha, um ato de amor, sendo um processo muito organizado. “Além de todas as outras problemáticas que, às vezes, a gente pensa que possa ter, é muito organizado e, de verdade, é um processo tranquilo”, afirmou. “No momento em que o juiz dá a sentença, aquela criança passa a ser sua filha ou filho de verdade. O registro de nascimento é alterado, e ela passa a ter todos os direitos de um filho biológico.”
Para Artemus, “ser pai é ser pai, não importa se é biológico ou adotivo. É uma ligação muito forte, um amor inexplicável. É um ato de entrega, de amor, um ato de Deus. Adotar é um ato lindo”.
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