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Belém tem 15 samaumeiras no espaço público

Queda de samaumeira, símbolo da Amazônia, suscita debates e preocupação entre os paraenses

Eduardo Rocha / Maiza Santos (especial para O Liberal)

Belém reúne 15 árvores samaumeiras em espaço público e mais duas em locais particulares perto de via pública na área urbana, segundo levantamento da Prefeitura de Belém. Na madrugada de segunda-feira (6) passada, a queda de parte de uma árvore samaumeira na Praça Santuário de Nazaré, no centro de Belém, gerou preocupação entre os paraenses sobre o risco de desabamentos de vegetais desse tipo e a preservação de símbolos históricos e culturais da capital do Pará. 

São três samaumeiras na Praça Santuário; uma na Praça Brasil; quatro pequenas no Portal da Amazônia; duas na Praça Batista Campos; duas na Praça da República; uma próximo ao Hangar; uma na avenida Marquês de Herval com a Barão do Triunfo; uma no Estacionamento do Arraial de Nazaré, perto da avenida Gentil Bittencourt; e mais uma na travessa Alferes Costa próximo do Hospital de Clínicas e uma na avenida Almirante Barroso com a travessa Curuzu, sendo essas duas últimas em espaços particulares perto de via pública.

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A samaumeira tem enorme importância simbólica para a Amazônia por vários motivos, como ressalta esse historiador. “O primeiro vem ainda de sua ancestralidade indígena; diferentes povos tupis consideram a samaumeira com expressões que traduzidas para o português significam “mãe das árvores”, “escada do céu” ou ainda “árvore da vida”, como foi, inclusive, referida de pelo jesuíta padre João Daniel no seu Tesouro descoberto no Rio das Amazonas”. 

“Há que se entender que durante muito tempo, a paina, aquele algodão que é produzido por seu fruto, e transporta suas sementes, era usado na fabricação de travesseiros, almofadas, tecidos, chapéus, largamente exportado para Europa; desde o século XIX, os governos do Pará e do Amazonas evitavam que sua madeira fosse comercializada, pois a paina era, inclusive, mais lucrativa; também na cultura Amazônia, na pajelança e nas religiões afro-amazônicas, a samaumeira é a morada dos Curupiras, seres míticos muito conhecidos como guardiãs da floresta e por punir aqueles que entram nela para derrubar árvores ou caçar os animais”.

“É uma referência visual e um carimbo fisionômico da cidade”, diz historiador

Vários viajantes, cientistas, artistas e literatos já se referiram à samaumeira do Largo de Nazaré, diz Aldrin Figueiredo. “Lembro aqui além de Righini, o gravurista francês Pierre Vignal, o viajante inglês Henry Walter Bates, o francês François Biard, os escritores modernistas Raul Bopp, Abguar Bastos e Eneida de Moraes; essa samaumeira está na memória sentimental dos belenenses, muita gente lembra que as mães, durante a procissão do Círio de Nazaré recomendam aos filhos que ao se perderem devem se encontrar debaixo da samaumeira; é uma referência visual e um carimbo fisionômico da cidade, seu gigantismo revela um habitat natural de diversos animais, aves, insetos, plantas, um pequeno-grande jardim vertical, daí essa imagem indígena de escada do céu”, salienta o professor Aldrin.

Acerca da queda da árvore, o historiador diz que “essa tragédia deve servir de alerta para se cuidar das árvores, evitar a infestação de pragas e ervas daninhas”. Cita que exemplos mundo afora não faltam. 

“Na Inglaterra, as grandes copas são preservadas, inclusive, apoiadas; Há exemplos no Brasil também, aqui tem essa sanha da poda, que são verdadeiras mutilações; nossos governantes e nossas elites deixaram de amar a cidade arborizada, isso se estende às ruas, em que as árvores são tratadas como verdadeiros empecilhos”, ressalta. 

No final do século XIX, eram chamadas de “refrigério dos paraenses”. “Temos os exemplos dos túneis de mangueiras e das samaumeiras da praça Batista Campos, que estão ali desde que aquele local se chamava Largo de Sergipe, ainda na primeira metade do século XIX; então, que sirva de alerta e ânimo, a sociedade civil precisa se organizar para defender esse patrimônio histórico, cultural e ambiental de Belém, manter essas gigantes em pé é uma reparação histórica com os nossos ancestrais indígenas, caboclos, peregrinos do Círio; não é a toa que já se disse que os cabanos descansaram ali em meio às lutas de 1835, ouviu essa história Alfred Wallace, no século XIX, e o cronista Pedro Tupinambá, no século XX, que nos legou esse registro em crônica”, arremata o pesquisador. 

Sumaúma: espetáculo da natureza que embeleza Belém e a região

Como explica Fabiano Emmert, professor adjunto do Instituto de Ciências Agrárias da Ufra, com ênfase em Manejo de Florestas Nativas,  a samaúma, sumaúma, sumaumeira ou árvore-da-seda é uma árvore de grande porte com ocorrência geralmente associada a ecossistemas de várzeas da Amazônia, com distribuição Pantropical. A espécie Ceiba pentandra (L.) Gaertn pertence à família botânica Malvaceae. As folhas são compostas digitadas com cinco a nove folíolos, possui madeira leve (baixa densidade), macia e de baixa durabilidade natural com coloração variando de bege-claro a rosa-claro. 

As árvores adultas possuem fuste (tronco) cilíndrico (às vezes assumindo formato de “barril” ou “tronco barrigudo") dotado de sapopemas (raízes tabulares) basais proeminentes. A copa das árvores adultas que atingem altura emergente no dossel ou que crescem em ambientes abertos assume grandes dimensões tornando-se bastante frondosa e com formato característico (“arredondado” ou formato de “taça”). A espécie perde suas folhas durante o florescimento, que ocorre entre agosto e setembro. O amadurecimento dos frutos ocorre em outubro e novembro.

A sumaúma é uma das maiores árvores da América tropical. Seu gênero Ceiba (origem cy-ba) carrega o significado de árvore-mãe, “mãe-das-outras”, “árvore-da-vida”. Seus nomes populares (nome que varia localmente) também fazem alusão ao uso das plumas que envolvem suas sementes, como árvore-da-seda, algodoeiro,paina-lisa. 

Sua importância está associada às suas dimensões, principalmente de suas sapopemas e galhos, que servem de abrigo para seres humanos, animais e plantas, e aos seus diversos usos, ganhando, inclusive, simbolismo folclórico e sagrado para povos tradicionais em alguns países de sua ocorrência.  Além do uso comercial e tradicional de sua madeira para construções de embarcações e produção de laminados, as fibras ou plumas (“kapok”) que recobrem as sementes e são produzidas em grande quantidade, são amplamente utilizadas para uso doméstico e industrial para enchimento de travesseiros e similares e confecção de salva-vidas, boias e isolantes térmicos.

As árvores adultas de C. pentandra podem atingir 50 m de altura e 3 m de diâmetro do fuste. As sapopemas de algumas árvores adultas podem atingir mais de 5 m de altura e se espalharem lateralmente por vários metros, torando-se uma característica morfológica marcante. Uma árvore de sumaúma com dimensões hipotéticas de 25 m de altura e 1,5 m de diâmetro (diâmetro a altura do peito – DAP) e considerando a densidade básica da madeira de 0,35 g/cm³ pode apresentar uma biomassa de aproximadamente 10 toneladas. “Deve-se considerar as características ecológicas da espécie para o planejamento do plantio da espécie, garantindo as necessidades fisiológicas e de desenvolvimento das árvores que possibilitaram atender aos objetivos paisagísticos desejados. 

Em segundo lugar, considerar a morfologia, sobretudo em relação às dimensões (altura, diâmetros e sapopemas) que a espécie pode alcançar e ao espaço de crescimento requerido pelas árvores. Terceiro, considerar a associação entre baixa densidade da madeira, ataques de patógenos e dimensões das árvores como fator de risco de queda, especialmente em período chuvoso. Quarto, deve se ter em mente que, como qualquer ser vivo, as árvores passam por todas as fases de vida (fenologia), alcançando a senescência e a morte. De maneira geral, há uma relação entre tamanho, especialmente em diâmetro, e a idade da árvore que, por conseguinte, pode nos dar um sinal sobre sua fase de vida”, finaliza o professor Fabiano Emmert.

Populares levam pedaços da árvore para casa, como memória afetiva com o vegetal

Muita gente compareceu até a Praça Santuário, desde que a notícia da queda de parte da samaumeira foi veiculada. “É uma pena, mas ela era muito antiga; quando eu cheguei aqui e vi, disse: “Caiu a minha árvore, tão amada’ ”, declarou a aposentada Rosa Aires, 74 anos.

“Minha mãe me trazia para o Círio, e toda vez que eu venho aqui, olho para ela, acho linda, eu estou levando um galho para dar de presente para o meu filho, para colocar no restaurante dele”, disse. 

Meuri Ribeiro, aposentada, disse que “eu tenho 67 anos de idade, e para ver uma área dessa agora vai ser difícil; imagina a idade dessa árvore que eu vi desde pequena aqui, no Arraial de Nazaré; então, vamos preservar a natureza, não houve preservação dessa aqui, né?, isso é uma relíquia”,  destacou. Ela disse que o pedaço da árvore que pegou vai preservar e “quem sabe não vai virar um grande milagre, vai representar um pedaço de milagre porque no Arraial de Nazaré isso daqui nasceu milagre já”.

A vendedora Marciane Barbosa, 41 anos, disse que desde o momento em que ficou sabendo que existia a possibilidade de pegar um pedaço da árvore “de grande significância”, estava atrás de um pedaço dela. “Como eu consegui, pretendo pendurá-lo com uma imagem de Nossa Senhora  e colocar na frente da minha casa, da minha porta”, arrematou. 

Leonardo Kepler, 43 anos,  morador nas proximidades da Praça Santuário, disse que a árvore é um nicho que abrigou pessoas e animais. “É uma perda; eu lembro quando passava por aqui, porque estudei no antigo Ruy Barbosa e a gente vinha para baixo dessa árvore; então, levar um pedaço dela é manter uma memória afetiva, e eu trabalho com medicina integrativa, então, tudo o que a gente dá a gente que receber; não tem como reconstruir uma árvore de tanto tempo”, assinalou. 

A artesã Nazaré Cerdeira, 61 anos, contou que cria peças sacras com a imagem de Nossa Senhora, e, então, foi pegar um pedaço da árvore para usar nessa atividade. “Vou raspar, moldar, colocar a imagem de Nossa Senhora  e fazer a decoração nela, com essa madeira”, revelou.

Já a aposentada Eliana Fonseca, 58 anos, também pegou um pedaço da árvore como lembrança e recordou que fotografava a samaumeira. “Eu tenho fotos lindas dessa árvore, e quando eu passei aqui e vi que ela tinha caído, eu chorei, mas aí eu fui pesquisar e vi que a árvore tem 200 anos, então, chegou a hora dela, assim como todo ser vivo, a gente nasce, cresce e morre; mas é triste”, relatou, acrescentou.

 

 Diretoria da Festa

Por ocasião da queda de parte da samaumeira, um dos principais pontos do Círio de Nazaré, a Diretoria da Festa de Nazaré (DFN) divulgou nota. A DFN destaca que, como responsável pela administração da Praça Santuário, “avalia os prejuízos causados pela queda da samaumeira; a DFN solicitará apoio da Prefeitura de Belém nesta recuperação da Praça”.

 

Confira aspectos da samaumeira:

  • Nome: samaúma, sumaúma, sumaumeira ou árvore-da-seda, algodoeiro, árvore- mãe, árvore-da-vida
  • Nome científico: Ceiba pentandra (L.) Gaertn, da família Malvaceae
  • Árvore de grande porte associada a ecossistemas de várzeas da
  • Amazônia, com distribuição Pantropical
  • Madeira leve (baixa densidade), com baixa durabilidade natural
  • Usada para construção de embarcações e laminados
  • Coloração: varia de bege-claro e rosa-claro
  • Tronco cilíndrico e com sapopemas (raízes tubulares)
  • Copa com grandes proporções
  • Plumas (“kapok”) têm uso doméstico e industrial
  • Pode atingir 50 m de altura e 3 m de diâmetro do fuste (tronco)
  • Com 25 m de altura e 1,5 m de diâmetro, chega a pesar 10 toneladas

FONTE: UFRA

 

 

 

 

 

 

 

 

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