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IA e fraudes em cotas de gênero merecem atenção da justiça eleitoral, diz procurador

Vigilância sobre processos eleitorais ocorre antes, durante e depois do pleito, afirma Alan Mansur, procurador regional eleitoral

Maycon Marte
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A Justiça Eleitoral no país e no Pará precisa se atentar a cenários que ainda podem avançar, como a presença feminina na política, ao mesmo tempo em que deve acompanhar as mudanças provocadas pelos avanços tecnológicos, a exemplo da inserção de Inteligências Artificiais (IA) em campanhas. Os argumentos são do procurador regional eleitoral e procurador da República no Ministério Público Federal (MPF), no Pará, Alan Mansur, que analisou o cenário da Justiça Eleitoral nacional e estadual em entrevista ao Grupo Liberal.

Na avaliação do procurador, as eleições municipais do ano passado no Pará apresentaram um volume significativo de impugnações contra irregularidades, o que demonstra a força fiscalizadora dos órgãos que desempenham essa função.

Mansur falou também sobre as expectativas para as eleições de 2026: “Os primeiros movimentos pré-eleitorais devem começar já no fim deste ano e início de 2026. Por isso, se torna essencial que a sociedade acompanhe cada etapa do processo, denunciando irregularidades e cobrando transparência”, declarou. 

Qual foi o balanço desses dois últimos anos de atuação no Ministério Público eleitoral?

Em relação ao todo, tem um período eleitoral, aquele mais próximo que realmente tem o registro eleitoral e tudo, depois a campanha eleitoral e a própria eleição e apuração. Mas desde antes tem o período de preparação, tanto da justiça eleitoral quanto do Ministério Público e depois, no caso agora, a gente tem os processos que avaliam aqueles resultados, quer dizer, existem ações de impugnações eleitorais que buscam aplicar multas ou até mesmo caçar alguns candidatos e mandatos também para aplicar inelegibilidade, ou seja, que eles não possam realmente concorrer a novas eleições.

Esse processo, neste ano de 2025, está sendo bem intenso no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e têm diversos casos de candidatos que foram eleitos ou também não eleitos. Às vezes que foram apenados pela legislação, pela justiça eleitoral e também alguns ainda em processo de julgamento.

A justiça eleitoral e o Ministério Público Eleitoral atuam de forma constante, até porque nós temos eleições a cada dois anos no Brasil, então é um ano eleitoral ali mais intenso em relação à aquela eleição especificamente, o outro ano é julgamento de prestação de contas, é julgamento de ações de cassação, até porque também em relação à prestação de contas, por exemplo, há muitos recursos públicos levados para os candidatos para eles poderem fazer campanha. No Brasil existe financiamento público de campanha, então são bilhões aplicados para os candidatos, esses candidatos têm o dever de prestar contas perante a justiça eleitoral.

Quais as principais razões para cassações de mandatos no estado?

O que existe muito é o uso da máquina pública, então, se utiliza muito o que é público para uma finalidade privada, ou seja, recursos públicos, estrutura de escolas, postos de saúde, recursos financeiros de determinada prefeitura, daquele governo, da União, enfim. Muitas vezes se utiliza também de serviços públicos, serviços que devem ser entregues para a sociedade, como algum benefício social. Então, no momento do cadastramento, muitas vezes já há um direcionamento político, principalmente quando é perto do período eleitoral.

Em uma calamidade de saúde pública no município, a entrega, por exemplo, de uma cesta básica vira já um ato de campanha, em vez de um ato que deveria ser de entrega de um serviço público. O conserto de alguma coisa nesse período de campanha, tudo fica muito mais latente, tudo fica muito mais forte também. É esse uso da máquina pública no período eleitoral que acaba sendo algo muito forte. Assim, quem tem a máquina pública acaba jogando muito mais forte e tirando essa isonomia, esse equilíbrio das eleições. Porque o objetivo é de que a eleição seja equilibrada para ganhar quem tem a melhor proposta. Mas, muitas vezes, quem tem a máquina pública e tem esse acesso ao município, ao estado, à União, acaba tendo esse diferencial.

Nós falamos muitas vezes de violência a democracia, que de fato existe, vários momentos que a democracia está em risco, mas também quando um administrador público derespeita esse recurso de licitação pública, desvia e chega naquele candidato que ele está apoiando. E esse candidato tem um diferencial muito grande para fazer qualquer coisa, para comprar votos, para favorecer determinada pessoa, então acaba causando um desequilíbrio muito grande. Isso é algo que a justiça eleitoral e o Ministério Público tem que avaliar cada vez mais.

Qual o cenário de fraudes em cotas de gênero que você observa nas últimas eleições?

A participação feminina na política é algo que precisa aumentar em todo mundo e especialmente no Brasil, há um dos maiores déficits de participação política feminina, principalmente no parlamento, em que o número é pequeno ainda não chega nem a 10% das vagas ocupadas por parlamentares federais são de mulheres. São níveis baixos ainda, quando a mulher, na verdade, 52% da população é composta de mulheres. Então, há uma sub-representação, ou seja, poucas mulheres participam efetivamente na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa, nas Câmaras dos Vereadores, sendo necessário que haja essa participação.

Por conta disso, a legislação vem cada vez mais colocando que as mulheres precisam ter esse protagonismo, precisam aparecer na propaganda partidária, na propaganda eleitoral. Também precisam ter recursos financeiros porque o país financia, tem financiamento eleitoral público, ou seja, o país passa recursos financeiros bilionários para os partidos e eles precisam usar isso para campanha e também precisam passar às mulheres para poderem ter acesso a serviços e que elas possam, fazer uma campanha, também.

Todo esse sistema busca favorecer essa participação feminina de fato, não só participação formal, mas uma participação efetiva, em que a mulher possa participar de atos intrapartidários, discutir políticas no próprio partido, qual a bandeira do partido, qual a finalidade, o que o partido vai buscar nas urnas naquele momento e que de fato ela possa participar da eleição.

Na participação da eleição, a previsão é de que 30% seja de algum dos gêneros, normalmente o feminino, porque tem menos participação, então, na prática a gente coloca como se fosse uma cota para 30% de mulheres, mas, na verdade, é 30% de um dos gêneros para que um deles não seja sub-representado. Ou seja, 30% e 70%, então pode ser abaixo de 30. Mas acontece que a justiça eleitoral vem percebendo ao longo dos anos que alguns partidos cumprem, mas outros não, e colocam a esposa, a funcionária doméstica, uma amiga, alguém que não tem nenhuma participação política e coloca só para assinar. 

O Tribunal Superior Eleitoral fez uma súmula, ou seja, um resumo de um julgamento dizendo que não pode haver candidaturas com votações muito baixas, não pode haver prestações de contas padronizadas, zeradas e não pode haver ausência de atos de campanha. Foi então que se colocou que as mulheres precisam de fato participar. Então, os partidos tem que estimular que as mulheres participem e tem que dar as condições para essas elas participarem. Isso significa dar recursos, dar tempo na propaganda eleitoral, colocar as mulheres de fato para participar em comícios, enfim, atos de campanha e as mulheres começaram a buscar esse protagonismo.

Os partidos que não abrem esse espaço às mulheres, estão sendo punidos e buscando recursos, estão perdendo inclusive no Tribunal Superior Eleitoral. Existiram nessa eleição vários vereadores de vários municípios aqui do estado do Pará que já ficaram de fora e perderam o mandato, ou seja, tiveram que fazer uma retotalização lá naquele município para colocar outros partidos que cumpriram a cota. Ou seja, não pode haver uma prestação de conta zerada, porque se não houve prestação de contas, é porque provavelmente ela não gastou nada e se ela não gastou nada, talvez ela não tenha feito campanha.

Eu também queria falar da violência política de gênero, que é um crime novo, inclusive e é ao mesmo tempo, uma irregularidade eleitoral e criminal. Então, pessoas ou partidos, eleitores em geral, enfim, qualquer pessoa que busque agredir as mulheres em relação participação do exercício de mandato, podem ser penalizadas. Existe a crítica política que é normal, que é necessária e todo mundo almeja no debate político, mas existe muitas vezes a crítica pessoal, a crítica por ser mulher, para impedir ou dificultar que essa mulher exerça esse ato eleitoral, do mandato dela.

Isso é classificado como a crime e a justiça eleitoral também vem punindo isso, justamente nessa finalidade de que o ambiente eleitoral seja um ambiente de debate adequado e também para que as mulheres possam de fato participar. Esse debate tem que ser, não vou nem dizer qualificado, mas tem que ser um debate, pelo menos sem agressões pessoais. Porque, quando há agressões pessoais, esse tipo de caso pode ser registrado.

Muitas vezes, tem pessoas que fazem campanhas contra determinadas pessoas, então, isso em alguns casos pode se adequar, como o crime de violência política de gênero e essa pessoa pode ser punida, tanto ficando fora da eleição, quanto sendo presa inclusive.

Existe algum tipo de fiscalização específica sobre o uso de Inteligência Artificial (IA) em campanhas para comprometer candidaturas?

As próprias redes já tem alguns instrumentos para tentar limitar isso, o que é sempre difícil, porque muitas vezes se utiliza redes como Instagram, Facebook, mas muitas vezes também se utiliza o WhatsApp, e aí não existe um controle é efetivo e amplo. Acaba sendo ponto a ponto, então fica muito mais difícil. Existem sistemas que buscam, inclusive, qual foi a origem inicial, que começou a disseminar esse tipo de informação para que se consiga tentar encontrar origem daquilo.

Quando se é demonstrado de alguma forma que a campanha ou que o candidato teve relação com aquele tipo de prática, o candidato é punido e o eleitor evidentemente também pode ser punido, aquela pessoa que produz. Muitas vezes parece que não há uma coordenação, mas há uma coordenação, os partidos começam a colocar, fazer na sua própria estrutura de campanha, vídeos e tudo que buscam, enfim, macular algumas candidaturas e passam para outras pessoas como se não tivessem vinculação.

Nós vemos como se fossem algumas gracinhas, mas, na verdade, é partido fazendo, na estrutura do partido que faz essas esses vídeos, tanto para valorizar a sua candidatura, quanto para macular a honra de autoridade. Isso pode servir como prova. Agora é importante, claro, evidentemente, saber se existe uma participação daquela estrutura de campanha e se tiver uma indicação, muitas vezes se o próprio candidato compartilha, já demonstra que ele teve ciência e teve uma participação efetiva.

Algumas vezes é um pouco mais difícil de demonstrar, outras vezes é mais fácil, muitas vezes existe também busca e apreensão que se consegue em conversas e de pessoas que participaram daquilo que demonstra exatamente qual foi a origem. Então, sempre quando é possível compartilhar isso, é identificar da onde foi essa origem e se o partido ou candidato tem essa participação, ele pode ser punido, inclusive com a perda daquele candidatura ou mesmo daquele mandato, caso ele tenha sido eleito.

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Quais seus votos e expectativas para a justiça eleitoral em 2026?

As eleições representam um avanço democrático das instituições e da sociedade. Naturalmente, esse processo desperta paixões, e durante a disputa os ânimos costumam se exaltar. No entanto, é fundamental que os eleitores busquem informações em fontes confiáveis, participem do debate democrático, seja presencialmente ou pela internet, e exerçam o papel de fiscalização do poder público.

Essa vigilância deve se estender tanto aos candidatos quanto às instituições, para evitar abusos de poder econômico ou político que possam desequilibrar o pleito. O objetivo é que a escolha seja definida pelo voto consciente, pelo debate de ideias e pelo mérito dos melhores projetos.

Embora as eleições ainda estejam a mais de um ano de distância, os primeiros movimentos pré-eleitorais devem começar já no fim deste ano e início de 2026. Por isso, se torna  essencial que a sociedade acompanhe cada etapa do processo, denunciando irregularidades e cobrando transparência.

Mais do que responsabilidade das instituições, como Ministério Público, Justiça e órgãos de fiscalização, isso é um compromisso social. A democracia se fortalece quando a população participa ativamente, vigia e cobra, para que cada eleição ocorra em um ambiente mais justo e equilibrado.

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