Ex-ministros da Saúde debatem a condução do governo na pandemia

José Serra, Alexandre Padilha e Ricardo Barros divergem às vésperas da instalação de CPI

Thiago Vilarins
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Ex-ministros da Saúde de diferentes governos conversaram com O Liberal sobre a condução do governo federal em meio à pandemia do novo coronavírus. A reportagem ouviu o senador José Serra (PSDB-SP), responsável pela pasta no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso; e os deputados Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro durante a presidência de Dilma Rousseff; e Ricardo Barros (PP-PR), da gestão do presidente Michel Temer.

O debate acontece no momento da instalação da CPI da Pandemia no Senado Federal, que promete passar um pente-fino nas ações da pasta da Saúde, ouvindo, inclusive, o atual ministro, Marcelo Queiroga, e seus três antecessores (Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello).

A maioria não poupou críticas às ações do presidente Jair Bolsonaro durante a crise sanitária. José Serra e Alexandre Padilha destacaram como uma das principais falhas, justamente, a constante troca de ministros nos dois anos de governo. "Em tempos de crise, parece uma insanidade, considerando que os ministros não foram trocados por falta de competência na condução do enfrentamento da pandemia. Ao contrário, dois deles, os ministros Mandetta e Teich, foram trocados porque não conseguiram convencer o presidente da gravidade da pandemia e a necessidade de seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mesmo o ministro Pazuello, o mais alinhado com o presidente, não conseguiu tomar as medidas necessárias para combater ou interromper a disseminação do vírus", analisou Serra.

Metáfora futebolística

Para Padilha, a troca de ministros durante a pandemia é o maior sinal de irresponsabilidade do governo. "É como se na final do campeonato paraense, na disputa entre o Remo e o Paysandu, na disputa de pênaltis, o técnico indicasse um batedor que nunca bateu um pênalti. Foi isso que o Bolsonaro fez no meio da maior pandemia da história deste século. O ministério sofreu uma verdadeira intervenção militar, com a presença, por exemplo, do ex-ministro Pazuello. É como se no meio da segunda guerra mundial, o presidente tirasse o general do Exército e colocasse um enfermeiro, sem experiência militar, para conduzir as forças armadas brasileiras. Isto é gravíssimo. A cada troca paralisa a máquina do ministério. E, cada vez mais, a voz da pasta passa a ser algo sem importância pela população, pelos gestores municipais e estaduais e pelos profissionais", criticou.

‘Trocas necessárias’

Já Ricardo Barros, que é o atual líder do governo na Câmara dos Deputados, minimizou as trocas no comando da pasta, indicando que elas foram necessárias. Para Barros, muitos destes nomes não tinham competência para o cargo. "Essas trocas fazem parte da decisão do presidente da República e dos próprios ministros. Alguns saíram, alguns se inviabilizaram e outros fizeram um grande esforço para serem demitidos. Mas foram muitos ministros, então não vamos nem comentar. O fato é que o atual ministro, Queiroga, é muito decidido, determinado, qualificado e está montando uma equipe, que me parece, será mais resolutiva", defendeu. 

Vacina

Os ex-ministros também se posicionaram sobre a condução da vacinação pelo governo e a articulação internacional para a compra de doses de vacinas. Novamente, os ex-ministros dos governos tucano e petista criticaram a conduta do governo federal. Ambos lembraram o Brasil não tomou, desde o início, as medidas necessárias para ter acesso às vacinas. "Não podemos esquecer que em agosto de 2020 o Laboratório Pfizer, que produz a vacina aplicada no mundo desenvolvido, ofereceu ao Brasil a venda e entrega prioritária de 70 milhões de doses de sua vacina, o suficiente para imunizar 35 milhões de brasileiros. Naquele momento, a Europa ainda estava com dificuldades em negociar suas vacinas em bloco, situação que oferecia oportunidade ao Brasil para garantir muito mais doses de vacinas do que temos hoje. Mas a oferta foi descartada sem a transparência ou as explicações devidas pelo Poder Executivo Federal, que preferiu arquivar a proposta e atrasar os telefonemas e outras abordagens do Laboratório e seus interlocutores", lembrou o senador.

Além das doses do Laboratório Pfizer, Alexandre Padilha relembrou outras vacinas rejeitadas e a guerra travada entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Dória, que atrasou o acordo pela CoronaVac, imunizante desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. "Ele não permitiu que o Ministério da Saúde sequer contratasse a vacina do Butantan no ano passado, que eram 160 milhões de doses oferecidas no ano passado. Além dessas, ainda foram 200 milhões de doses pela Astrazeneca/Fiocruz; 138 milhões de doses oferecidas entre junho e setembro do ano passado pela OMS; 100 milhões da Sputnik, que é a vacina russa; pelo menos 20 milhões de doses da Janssen; 20 milhões da Bombay, a vacina indiana; e a Moderna também ofereceu doses. E o Bolsonaro não permitiu que o ministério construísse as parcerias, colocando a gente para o final da fila", lamentou.

Dinheiro para imunizantes

A posição de Ricardo Barros diverge da dos ex-ministros. Ele afirma que o presidente Bolsonaro autorizou R$ 20 bilhões para compra de vacinas e que o Ministério da Saúde já garantiu 560 milhões de doses de vacinas. Segundo ele, algumas destas vacinas contratadas estão pendentes de autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o uso emergencial. "As vacinas foram compradas de fornecedores internacionais, mesmo as fabricadas no Brasil, dependem do princípio ativo, do IFA, que é importado. Então, nós sim dependemos de uma articulação internacional para podermos fechar o nosso calendário de vacinação. Os países que produzem vacinas estão priorizando o seu próprio mercado interno, para depois liberar para outros países. O nosso calendário de vacinação, pela compra que foi feita das vacinas, se houver alguma agilidade da Anvisa, até o final do ano, todos os brasileiros estarão vacinados", avaliou.

Aceleração

O Liberal ainda questionou o que pode ser feito para acelerar a vacinação no País. Até a noite da última sexta-feira (23) apenas 13,58% da população brasileira tinha recebido a primeira dose de vacina contra a covid-19. Já a segunda dose tinha sido aplicada em 5,79% da população. No Pará, as respectivas margens são de 11,14% e 5,05%.

Barros reiterou a necessidade de a Anvisa acelerar as análises de pedidos de uso emergencial e de intensificar as articulações com os países fornecedores de vacina. "Pode ser feito um esforço diplomático para antecipação das vacinas já compradas. A Anvisa precisa ser mais rápida em decidir sobre pedidos de uso emergencial. E os países que já têm contratos de fornecimento com o Brasil precisam ser visitados e nós tentarmos uma antecipação da entrega dessas vacinas. Além de, obviamente, de procurar novos fornecedores, já que tem mais de duzentas vacinas sendo desenvolvidas no mundo, nem todas em fase de comercialização, mas é preciso ter uma perspectiva de como nós teremos entregas suficientes de vacinas para poder exercer a vacinação. Aplicar as vacinas não é problema no Brasil, nós temos 37 mil salas de vacinação, precisamos ter as doses para aplicar", disse.

Fabricação própria

Além da articulação para se adquirir e priorizar a entrega de doses produzidas e armazenadas no exterior, José Serra defendeu que o País deve desenvolver e ampliar a capacidade de fabricação própria. "O Brasil sempre se destacou pela sua capacidade em lidar com surtos epidemiológicos e em desenvolver vacinas. Devemos voltar toda essa capacidade para combater o Covid-19. Isto abrange desde investir em novos equipamentos e capacitação de equipes dos centros que já estão desenvolvendo vacinas até mesmo a adaptação ou conversão, mesmo que compulsória, de outros centros produtores de vacinas, público ou privados, para ampliar nossa capacidade e autonomia com urgência. Isso é fundamental inclusive para lidarmos com a emergência de variantes de forma a termos autonomia para adaptar e manter a imunização da população nos próximos anos, de forma a evitarmos que novos surtos se desenvolvam", defendeu.

Já o ex-ministro Alexandre Padilha defendeu quatro ações de forma imediata. "Primeiro, o Ministério da Saúde precisa dá um grande apoio financeiro aos municípios e Estados para que eles possam reforçar a atuação dos agentes comunitários de saúde para fazermos uma busca ativa das pessoas que não tomaram a segunda dose e das pessoas que perderam o momento de tomar a primeira dose. Em segundo, um apelo a OMS para que ela possa rever o contrato que o Bolsonaro fez. A OMS ofereceu 138 milhões de doses para o governo Bolsonaro e ele assinou apenas 46 milhões de doses. Então, tem 122 milhões de doses que foram oferecidas e o Bolsonaro não quis. E se o Bolsonaro não quiser, a OMS poderia assinar com os governadores, com os prefeitos. Em terceiro, o consórcio do Nordeste contratou quase 40 milhões de doses da vacina do fundo russo e ofereceu para o Ministério da Saúde poder distribuir para o Brasil inteiro. Isso há mais de um mês e a vacina não foi autorizada ainda. Precisa ser autorizada o mais rápido possível. E em quarto, o governo federal precisa conversar com a Índia e com a China para sejam acelerados os repasses dos insumos das substâncias necessárias para que tanto o Butantan quanto a Fiocruz possam acelerar as suas produções de vacinas".

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