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Silêncio e medo: Pará aumenta em 28% casos de estupro contra crianças e adolescentes

Apesar dos números assustadores, boa parte dos casos não é denuciada e delegada fala sobre necessidade de registros

Ana Carolina Matos

Denunciar uma violência sexual nunca é fácil. Sejam mulheres adultas ou crianças e adolescentes, a missão de relatar um horror vivido dentro da intimidade costuma ser o momento pós-crime mais traumático para as vítimas, que por vezes levam meses e até anos para conseguir falar sobre o assunto e procurar ajuda. Apesar da grande subnotificação de casos de estupro, as ocorrências são muitas em território paraense. Segundo informou a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) a pedido da reportagem, o estado somou 480 crimes deste tipo de janeiro a setembro de 2021. Ano passado, foram 532 ocorrências: o que indica que este ano já tem 90% dos casos totais de 2020.

Mesmo com números preocupantes, é possível perceber, ao menos segundo as estatísticas, que a predileção dos abusadores é pela fragilidade da infância. A diferença entre os índices oficiais é estarrecedora. O Pará registrou 2.032 casos de estupro de vulnerável de janeiro a setembro de 2021, contra 1.591 ocorrências totais do ano anterior - ou seja, uma alta de quase 28% em relação a 2020.

Os dados apresentados pela Segup representam apenas os casos em que as vítimas decidiram denunciar a ação criminosa. Estimar quantas pessoas sobreviveram a crimes como esses sem sequer falar sobre o assunto com amigos e familiares, ou levar o caso às autoridades policiais é praticamente impossível. O silêncio, muitas vezes, costuma ser a escolha de muitas vítimas.

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Este foi o caso de uma adolescente de 14 anos, que apenas neste ano conseguiu contar para a mãe que havia sido vítima de um abuso sexual quando tinha apenas 10 anos. "Ela aproveitou o momento em que tivemos uma perda familiar na época da covid-19 para contar. Ela não aguentava mais e nos contou no momento em que começou a entender o que houve. Nós perguntamos porquê ela não falou antes, mas ela disse que não queria nos deixar tristes. Apesar de sermos unidos e termos essa relação de confiança, ela ficou com medo", conta a mãe, que preferiu não se identificar.

O crime teria sido cometido, segundo alega a família em um boletim de ocorrência sobre o caso, por um merendeiro de uma escola particular no bairro do Coqueiro, em Ananindeua. Próximo da família, o homem teria se utilizado de curtos momentos a sós com a menina para cometer os atos criminosos, que ocorreram pelo menos duas vezes: uma na casa do acusado e outra em via pública.

A mulher relata ainda que o merendeiro também vitimou outra criança, abusando dela sexualmente no ambiente escolar em que ele trabalha e a criança visitou. "As duas meninas tentaram suicídio. Minha filha tinha altos e baixos que a gente não entendia e depois a gente foi entender. Ele acabou com a infância da nossa filha e acabou com a nossa família", desabafa.

O crime contra a segunda vítima ocorreu em 2020, segundo relatou o pai da menina à reportagem. "Fiquei sabendo em setembro do ano passado, porque a mãe dela me contou. Quando eu soube, eu pirei, fui atrás desse cara mas não achei. Ela tinha acabado de fazer 12 anos", lamenta o progenitor, que preferiu não ser identificado.

Mas será que é possível denunciar mesmo meses ou até anos depois que um estupro ocorreu? A juíza criminal Cristina Collyer garante que sim. Segundo a magistrada, há um grande intervalo de tempo para que a denúncia seja feita antes do crime prescrever, isto é, deixar de ser passível de pena. 

"Estuprador não confessa", diz juíza

"No Direito existe a figura da prescrição, que é quando há a extinção da possibilidade do Estado punir o autor do crime. As vítimas de estupro possuem de 16 a 20 anos para denunciar. Sendo que 16 é para casos de estupro contra mulher adulta e 20 se for contra uma mulher maior de 14 e menor de 18 anos. No estupro de vulnerável, quando a vítima é menor de 14 anos ou tem enfermidade e/ou deficiência mental, o prazo de prescrição só passa a contar a partir do momento em que a vítima completar 18 anos", detalha a magistrada.

A juíza enfatiza ainda que uma mudança no Código Penal Brasileiro, em setembro de 2018, facilitou ainda mais o processo da denúncia. "Antes da reforma, os casos de estupro só podiam ser denunciados pela própria vítima. Isso mudou. Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia anônima ou denunciar abertamente, seja na Polícia ou no Ministério Público. O importante é levar ao delegado a maior parte de informações possíveis, porque só a palavra da vítima é difícil para conseguir uma condenação. Então a pessoa tem que reunir provas. O ideal é ter a palavra da vítima, testemunhas presenciais com as quais a vítima tenha conversado sobre o fato, exame de sêmen nas roupas e um exame de corpo de delito, se possível", apontou.

A reunião das provas, destaca ainda a magistrada, é crucial para que a justiça seja feita em casos como esse. "Eu tenho quase 20 anos de magistradura e eu nunca vi um estuprador confessar que estuprou. O homicida confessa. O traficante de drogas confessa, mas o estuprador nunca vi. Eles sempre dizem que não foram eles porque não tem testemunha ocular ou, se tem alguém que viu ou confirma a história, eles dizem que a mulher se ofereceu ou o seduziu, então é muito importante que tenham outras provas para embasar", detalha. 

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Canais de denúncia estão sempre prontos para atender as vítimas

Diretora da Delegacia Especializada No Atendimento À Criança E Adolescente (Deaca/CPC), a delegada Cristina Maria Bastos enfatiza que para a polícia, qualquer momento é válido para denunciar. "Em qualquer momento a denúncia de abuso sexual pode ser feita. Entretanto, quanto mais breve é feita a denúncia e com maior rapidez as provas são colhidas, teremos maior possibilidade de êxito na responsabilização do acusado. Em crimes ocorridos há bastante tempo, o processo de coleta de provas fica mais prejudicado, mas se o crime não estiver prescrito a responsabilização ocorrerá da mesma forma", enfatiza.

Segundo diretora da Deaca/CPC, muitas vítimas decidem se calar por medo ou vergonha. "No Brasil, a Lei 12.015/2009 integra o Código Penal e protege as vítimas nos casos dos chamados 'crimes contra a dignidade sexual'. Apesar da existência da legislação e dos órgãos protetores, parte das vítimas apresenta resistência em denunciar os agressores, por conta do medo de ser julgada pela sociedade ou de sofrer represália quando o agressor é uma figura de poder ou de confiança; vergonha; burocracia das investigações e sensação de impunidade".

A delegada informa ainda a existência de serviços gratuitos de denúncia. "Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia pelos serviços, que funcionam 24h por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. Os canais estão sempre abertos e a denuncia deve ser feita para que se evite que o abusador continue em sua prática criminosa", pontua.

Saiba como denunciar

Casos de estupro e abuso sexual contra crianças e adolescentes podem ser denunciados pelo Disque-Denúncia 181, Centro Integrado de Operações 190 ou, ainda, pelo canal Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Não é necessário se identificar e a ligação é gratuita.

Também é possível fazer denúncias nos seguintes locais:

- Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Travessa Mauriti nº2393, entre as avenidas Duque de Caxias e Rômulo Maiorana, no bairro do Marco). Tel: (91) 3246-6803

- DEAM de Ananindeua (Travessa We 31, nº1112, bairro do Coqueiro). Tel: (91) 98435-2596

-  Delegacia Especializada No Atendimento À Criança E Adolescente: Belém: Santa Casa (R. Bernal do Couto, 988) e Rodovia Transmangueirão, s/n | Ananindeua: rodovia Mário Covas, 50

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