Polícia e MP investigam caso de pastor que relacionou autismo com atividade demoníaca no Pará
Comunidade de conscientização sobre autismo repudia as falas do pastor que ganharam repercussão na internet

A Polícia Civil do Pará (PCPA) e o Ministério Público do Pará (MPPA) apuram as declarações de um pastor, em Tucuruí, que, durante uma pregação, relacionou o Transtorno do Espectro Autista (TEA) com atividade demoníaca. O trecho de sua fala, registrado em vídeo, viralizou nas redes sociais e repercutiu negativamente junto a grupos de conscientização sobre autismo no Pará.
O caso ganhou notoriedade na última terça-feira, 16, quando um vídeo passou a circular nas redes sociais mostrando um pastor, identificado, até o momento, apenas como Washington, sugerindo uma relação entre autismo e manifestação demoníaca. Confira o trecho da fala do religioso:
“De cada cem crianças que nascem, nós temos um percentual gigantesco de pessoas em ventres manipulados, visitados pela escuridão, que distorce. Ainda no ventre, as crianças hoje, de cada cem, nós temos aí quase 30% de autistas em vários graus. O que está acontecendo? O diabo está visitando os ventres das desprotegidas, daqueles que não têm a graça, a habilidade, a instrumentalidade para saber lidar no mundo espiritual”.
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Nesta quarta-feira, em nota, a Polícia Civil confirmou que a delegacia de Tucuruí apura o caso. O Ministério Público, por meio da Promotoria de Justiça de Tucuruí, também se posicionou. Confira a nota na íntegra:
"A Promotoria de Justiça de Tucuruí tomou conhecimento do vídeo publicado em redes sociais, sobre o referido caso das declarações de um pastor sobre crianças autistas, durante uma pregação. Foi registrado Notícia de Fato (NF) para apurar a situação, podendo qualquer cidadão acompanhar o andamento via site do Ministério Público do Estado, pelo SAJ nº 01.2024.00021741-0".
Em Belém, a advogada e administradora do Grupo Mundo Azul - formado por mães de pessoas com autismo, Flávia Marçal, afirma que a comunidade recebeu com indignação o tipo de discurso repercutido pela fala do pastor no vídeo:
"Esse é o tipo de fala que promove uma profunda indignação e preocupação de toda a comunidade, de pessoas com autismo e suas famílias, considerando o desconhecimento que líderes de diversas áreas, seja da educação, da saúde, da cultura ou da religião têm em relação ao autismo", declara.
Segundo Flávia, declarações do tipo vão na contramão do papel que líderes deveriam desempenhar na sociedade: "É importante destacar que estudos científicos apontam que o autismo é um transtorno de natureza genética, associada à questões ambientais. É muito importante que esses líderes tenham esse conhecimento para justamente apoiarem as famílias e as pessoas com autismo na garantia dos seus direitos, inclusive mulheres grávidas que podem ter risco para o autismo, em decorrência de parto prematuro ou de histórico familiar. Elas devem ser apoiadas, no sentido, inclusive, de terem acompanhamento genético e pediátrico", argumenta.
Embora erradas, falas do pastor não constituem crime, diz advogado
Para o advogado criminalista paraense Filipe Silveira, as falas do pastor, apesar de erradas, não constituem um crime. “A prática de induzir ou incitar a discriminação exige a atribuição dessa prática a uma pessoa determinada e não num discurso generalizante. Então um discurso generalizante como esse não está direcionado para uma pessoa específica ou para um grupo específico de pessoas, embora seja errado, não teria como você caracterizar o crime”, diz o especialista, que não acredta que o discurso do pastor estimule outras pessoas a cometerem crimes contra pessoas com autismo.
"Para que eu possa exercer com liberdade a minha religião eu também tenho que ter o direito de falar sobre ela. Ainda que falar sobre ela implique tocar em alguns assuntos sensíveis. Então existem decisões jurídicas sobre isso, tanto no Brasil quanto no plano internacional, que mostram que um pastor quando fala sobre a religião, por mais que ele toque num assunto sensível, ele está exercendo um direito humano e um direito constitucional da liberdade religiosa. Seria diferente se na palestra o pastor incitasse a prática de violência contra determinada pessoa ou grupo. Apesar de ser um discurso politicamente incorreto, ele não está incitando que os crentes promovam violência contra essas pessoas que carregam essa doença”, diz o advogado Filipe Silveira.
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