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Professora universitária de Itaituba denuncia racismo em Carta Aberta

Ataques aconteceram em troca de mensagem pelo WhatsApp

Ândria Almeida
fonte

Professora de uma faculdade privada do município de Itaituba publicou uma carta aberta após ser vítima de injúria racial por alunas da instituição em abril deste ano. Na ocasião, Isabelle de Oliveira Costa era docente do 9°período do curso de Fisioterapia e teve acesso a mensagens de três alunas dela disparadas em grupos no aplicativo WhatsApp.

No desabafo feito na carta, a professora relata que a instituição foi omissa diante dos ataques que ela sofreu e que após o ocorrido ela pediu demissão e desde então não frequentou mais a faculdade.

Isabelle conta que teve conhecimento das mensagens de WhatsApp no dia 11 de abril deste ano, onde três alunas endossadas por outros integrantes do grupo, escrevem várias mensagens de ataque.

“Desde o ano de 2021 tenho sido vitimizada por crimes motivados pela raça e pelas relações de trabalho. No entanto, apenas no dia 11/04 tomei ciência dos fatos por intermédio dos testemunhos de discentes da turma em questão”, relatou na carta.

A professora conta que nas ocasiões dos ataques racistas que sofreu, os autores estavam confortáveis ao praticar o crime de racismo, por achar que ficariam impunes, conforme relato de testemunhas. 
“Demonstraram-se extremamente confortáveis para ridicularizar publicamente meu cabelo afro no grupo de whatsapp da turma e, como de praxe no stand up que é a "democracia racial brasileira", outros alunos riram”, destacou trecho da carta. 

Crime de racismo

A professora alerta que “a conduta das alunas incidiram na prática tipificada no art. 20 da Lei Federal n.° 7.716 de 05 de janeiro de 1989, configurando ato de discriminação ou preconceito de raça e cor. Por ter sido praticada por intermédio dos meios de comunicação social, tal conduta pode levar a pena de reclusão de dois a cinco anos e multa (Art. 20, § 2° da Lei 7.716/1989)”, destaca outro trecho da carta aberta.

Carta aberta na íntegra 

No dia 11/04/2022 eu, Isabelle de Oliveira Costa, na qualidade de docente do 9°período do curso de Fisioterapia da Faculdade de Itaituba tomei conhecimento de ter sido alvo de atos racistas e assédio moral cometidos por 3 alunas da instituição contra mim em um grupo de WhatsApp da referida turma. Tais comportamentos também foram endossados por outros integrantes do grupo.

Desde o ano de 2021 tenho sido vitimizada por crimes motivados pela raça e pelas relações de trabalho. No entanto, apenas no dia 11/04 tomei ciência dos fatos por intermédio dos testemunhos de discentes da turma em questão. Nas ocasiões relatadas pelas testemunhas as alunas que praticaram as condutas criminosas, certas da impunidade, demonstraram-se extremamente confortáveis para ridicularizar publicamente meu cabelo afro no grupo de WhatsApp da turma e, como de praxe no stand up que é a "democracia racial brasileira", outros alunos riram.

Ao agir dessa forma as alunas incidiram na prática tipificada no art. 20 da Lei Federal n.° 7.716 de 05 de janeiro de 1989, configurando ato de discriminação ou preconceito de raça e cor. Por ter sido praticada por intermédio dos meios de comunicação social, tal conduta pode levar a pena de reclusão de dois a cinco anos e multa (Art. 20, § 2° da Lei 7.716/1989).

Tal cenário se dá em função de comentários com esse teor que, quando ecoados, não ofendem apenas a minha dignidade, mas também atravessam a pele de toda a população negra que, historicamente violentada e subalternizada, tem seus traços fenotípicos ridicularizados pelo supremacismo branco. 

Crescemos ouvindo que o nosso cabelo é de "bombril, sarará, ruim". Querem que deixemos ele preso. Que passemos muito creme. Que o alisemos. Cachos precisam ser definidos, eles dizem.

Falam que nosso nariz é "de coxinha". Nos chamam de "macacos". Quando retintas, nos chamam de "carvão". Quando mais claras, "mulatas tipo exportação".
Ocorre que agora não somos mais o Brasil Colônia. Agora, Itaituba não é mais apenas uma reclusa cidade que só serve aos interesses da extração minerária.

A destruição ecológica sangrentamente persiste, mas mais do que isso, forjou-se na cidade pepita uma juventude que produz conhecimento e produz ciência, que apesar da ausência de políticas públicas educacionais, navega pelo conhecimento com base em suas próprias forças e resistência. Uma juventude que não se cala mais diante da discriminação e levanta as vozes contra atos racistas.

No mesmo sentido, por mais que a discriminação racial tenha sobrevivido às décadas que sucederam a abolição da escravatura no Brasil, nossa resistência tem sido potente. Hoje temos um Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.228 de 20 de julho de 2010) e uma Lei de Racismo (Lei 7.716, de 05 de janeiro de 1989) que nos ampara,frutos da luta histórica do povo preto porque, para nós, nada vem de graça, como bem lembrou o diretor da faculdade, Abel Huyapuan de Sá Almeida, ao afirmar que "os ofendidos que fossem atrás da justiça" (textuais).
Ao tomar conhecimento dos atos racistas, requeri providências por parte da faculdade, na pessoa do coordenador do curso de fisioterapia, Júlio Marcos Leite Pereira, bem como da secretária geral da instituição, Margaret Ferreira de Aguiar.

Ambos organizaram uma reunião no dia 12/04 com a turma em questão para tratar sobre o ocorrido antes da aula a ser ministrada naquela noite por mim, tendo previamente me orientado a esperar do lado de fora da sala de aula para evitar -segundo eles- ainda mais constrangimentos com o caso. Em conformidade às orientações, permaneci esperando no exterior da sala para, somente então, lecionar minha aula. A despeito das instruçoes, contudo, a Instituição não gerou nenhuma medida efetiva de responsabilização dos alunos após a reunião, permanecendo omissa. Em função de tal ocorrido pedi minha demissão no dia 14/04 e desde então não frequentei mais a faculdade.

Diante dos fatos aqui expostos, no dia 14/04 a Faculdade de Itaituba, navegando pela omissão e conivência, foi palco de um protesto pelo ocorrido.

Sensibilizados pelos atos racistas e por minha saída do quadro docente da instituição, muitos alunos da faculdade realizaram um ato no local, entoando gritos de justiça e levantando cartazes que diziam não ao racismo.

A notícia repercutiu na região Oeste do Pará rapidamente e, em uma entrevista concedida a uma emissora de Itatuba e, em meio a uma repetitiva declaração que deixava explícito seu caráter conivente e omisso, o senhor Abel Huyapuan de Sá Almeida, coordenador da FAl, foi incisivo ao afirmar que sem provas documentais não adotaria nenhuma providência em relação ao caso, bem como destacou que, em 21 anos de funcionamento, a instituição nunca havia presenciado manifestações de alunos com essa natureza. 

Destaco que ordenamento jurídico admite, para além das provas documentais, provas testemunhais, imagens, prints, mídias sonoras e perícias. Nesse ínterim, além das escancaradas provas testemunhais existentes no caso, a faculdade poderia, por iniciativa própria e independente de requerimento de órgãos jurisdicionais, formar as provas que entendesse necessárias à responsabilização administrativa das discentes, a exemplo de tomada de termos de declarações, oitiva de testemunhas e da vítima, além de inquirição das autoras dos fatos. 
Mais do que isso, caso fosse uma
faculdade comprometida com uma educação antirracista e contra qualquer forma de preconceito, poderia exigir retratação, assim como incentivar atividades que disseminassem ideais de respeito às desigualdades.

Medidas como essas poderiam ser adotadas não apenas com mero caráter punitivista em relação às alunas intolerantes, mas como postura firme de uma instituição que pretendesse deixar claro, ou melhor, escuro, que atitudes como aquelas não são toleradas em um ambiente de ensino, que teoricamente deveria pregar o respeito à diversidade e à existência digna das pessoas não brancas no local.

Reafirmo: segundo o coordenador da FAl, em 21 anos não havia ocorrido nenhuma manifestação antirracista na instituição.

Acrescento: quando ocorreu ele se mostrou omisso e conivente dando margem à perpetuação desse tipo de comportamento em face das pessoas negras da comunidade acadêmica.

Pergunto: é um ambiente seguro para os profissionais e acadêmicos negros frequentarem?

A resposta é bastante intuitiva.
Encerro lembrando: já que no mito da democracia racial "tudo que nós tem é nós", como diria nosso mestre Emicida, e tendo em vista que instituições como a FAI seguem navegando pela perpetuação do racismo, as medidas judiciais pertinentes foram adotadas e logo menos pretendo ouvir ecoar as vozes da justiça.

A equipe de reportagem entrou em contato com a Polícia Civil do Estado e aguarda respostas sobre acompanhamento do caso.

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Pará
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