Evandro Chagas irá colher novas amostras do rio Pará
Instituto realizará pesquisa na quarta-feira (3) por conta de investigação do MPF sobre água esverdeada

O Ministério Público Federal (MPF) está investigando as causas para a água esverdeada de odor forte no rio Pará, localizado no nordeste paraense. O fato motivou as prefeituras dos municípios de Barcarena e Ponta de Pedras a recomendarem que a população evite contato e consumo ao identificar trechos do rio que estejam esverdeados.
A partir de informações enviadas por moradores de comunidades de Barcarena, o MPF instaurou procedimento e solicitou análises ao Instituto Evandro Chagas (IEC) no final de janeiro.
O instituto coletou amostras de águas das praias do Caripi, Itupanema, Conde e Beja, e do entorno do porto da Vila do Conde, em Barcarena, e na última semana apresentou nota técnica sobre os resultados da coleta.
Os pesquisadores do instituto, que é vinculado ao Ministério da Saúde, informam que a mudança de coloração e o surgimento de uma espécie de pasta verde na água ocorrem pela multiplicação excessiva de microorganismos chamados de cianobactérias, também conhecidos como algas azul-esverdeadas.
Nas amostras coletadas pelo IEC, a densidade de cianobactérias estava até 22 vezes acima do limite estabelecido pela legislação sobre qualidade de água.
Para confirmar que há liberação de toxinas no rio, o IEC realizará nova coleta no Porto de Vila do Conde e na praia do Conde, em Barcarena, e na praia de Beja, em Abaetetuba. Os três lugares serão visitados nesta quarta-feira (3) pelo instituto.
Na semana que vem, é a vez da coleta nas praias do Caripi e Itupanema. A estimava é que em uma semana os resultados estejam disponíveis, segundo a pesquisadora Eliane Brabo, especialista em cianobactérias.
"Dependendo da espécie, você tem uma floração que ocupa toda uma camada de água, que flutua, que é onde reside o risco. Durante a vazante da maré, ela se acumula na praia, portanto é necessário evitar o banho. Durante a enchente, a camada fica dispersa. Caso seja confirmada a presença de toxinas, as autoridades devem criar alertar para, se necessário, interditar o banho e suspender atividades primárias", avalia.
A bacia do rio Pará é acompanhada pelo Instituto Evandro Chagas desde, com coletas de três em três meses, com resultados que demonstravam baixa concentração de cianobactérias. Os estudos dos anos anteriores mostram que a quantidade de cianobactérias aumenta sempre no mês de dezembro.
"Temos elevações no número de organismos na água, mas elas nunca tinham alcançado um nível de alerta de 50 mil células para água superficial de rio, que, segundo a resolução 357/2005 do Conama, é o limite de cianobactérias", afirma Brabo.
Em janeiro de 2021, o IEC e o MPF começaram a receber vídeos e fotos de camadas verdes de cianobactérias nos rios da região. No dia 29 de janeiro, as primeiras coletas nas praias foram feitas e no dia 2 de fevereiro.
"Diante desta solicitação, vimos que o número de células estava muito acima do normal, principalmente na praia do Conde e na praia de Beja. Já porto de Vila do Conde, os valores foram ainda maiores", conta Eliane.
A pesquisadora lembra que a literatura especializada elenca alguns fatores que facilitam o processo da floração: temperatura entre 15 e 30 graus celsius, PH entre 7 e 9, radiação solar entre 40 e 140 Me², por exemplo.
Um fator primordial, porém, não é percebido no Pará e que chama a atenção de Eliane Brabo:
"A floração tende a ocorrer em um ambiente estável, de águas relativamente calmas e paradas, o que é intrigante, pois nossos rios são caudalosos, com correntes, ondas e marés. Dessas condições, podemos sugerir que há uma eutrofização, com a entrada de nitrogênio e fósforo no sistema. O período chuvoso traz essas características, pois a chuva lava o continente levando todo tipo de material para a água", diz.
As cianobactérias são microrganismos presentes em ambientes aquáticos e que costumam produzir toxinas prejudiciais para humanos e animais, por causarem intoxicações pela ingestão, além de irritações na pele a partir do contato direto com o corpo.
Além de imprópria para o banho, a água não deve ser usada mesmo que seja filtrada ou fervida. Outro risco provocado pelo aumento excessivo de cianobactérias é a redução do oxigênio na água, o que pode acarretar mortandade de peixes, em um fenômeno conhecido como floração.
As atividades urbanas e industriais, a descarga de esgotos nos rios e o carregamento de fertilizantes, aumentam a quantidade de nutrientes como o fósforo e nitrogênio nos corpos de água, causando a rápida proliferação das cianobactérias, eu um fenômeno conhecido como floração.
Barcarena, um dos municípios banhados pelo rio Pará, tem atuação econômica fortemente ligada à industrialização, beneficiamento e exportação de alumínio, alumina e caulim, além da produção de cabos de transmissão elétrica.
Para Eliane Brabo, dificilmente as duas questões possuem relação neste caso: "a entrada de nitrogênio e fosforo não tem ligação direta com a atividade industrial, pois em linhas gerais, está ligado ao esgoto não tratado. As empresas costumam ter estações próprias de tratamento", diz.
Outros fatores, como o aumento da luminosidade provocada pelo sol, também contribuem para o aumento das cianobactérias.
As cianobactérias se adaptam facilmente em diversos ambientes aquáticos e algumas espécies ocorrem em ambientes marinhos ou em solo úmido, sendo os ambientes de água doce, os mais favoráveis para o seu crescimento.
Em reunião no último dia 25 de fevereiro, instituições ambientais e sanitárias foram chamadas a atuar de maneira integrada para monitorar a intensidade das florações, medir os riscos e buscar evitar ou reduzir novas ocorrências do fenômeno.
Além disso, foi solicitada a realização de fiscalizações de campo para identificação de fatores causadores da proliferação excessiva de microorganismos. Eliane Brabo relata que, por agora, não há que possa ser feito para dispersar a camada esverdeada no rio.
Para a reunião em que o IEC apresentou os resultados, foram convidados pelo MPF representantes do Ministério Público do Estado do Pará, do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), da Secretaria de Estado da Saúde e das Secretarias de Saúde e de Meio Ambiente dos municípios de Barcarena, Abaetetuba, e Ponta de Pedras.
Nos próximos dias, o IEC deve apresentar ao MPF e demais instituições a avaliação sobre se as cianobactérias estão ou não expelindo essas substâncias tóxicas na água. Procurado para esclarecer os próximos passos do processo, o MPF informou que não dará entrevistas e nem comentará sobre o tema.
Em nota, a Semas informa que acompanha o trabalho de coleta da água e que vai enviar uma equipe especialista em análises de qualidade da água aos locais.
Pelos estudos feitos até o momento, a secretaria diz que não é possível afirmar se o fenômeno foi causado por ação humana ou ocorrência natural.
Também em nota, as prefeituras de Abaetetuba, Barcarena e Ponta de Pedras confirmam que "foi observado, neste mês de fevereiro, que as águas das praias e outros recursos hídricos da região estão apresentando uma coloração esverdeada", mas que este fenômeno é natural e ocorre anualmente na região.
Apesar desta avaliação, os órgãos competentes estão realizando coleta e análise das águas para identificar a causa deste fenômeno devido a concentração acima do normal. Até o fechamento desta edição, o Ministério da Saúde não respondeu aos esclarecimentos solicitados pela reportagem.
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