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Estatuto da Criança e do Adolescente completa 30 anos sob ameaças de retrocessos

Lei federal chega a três décadas e especialistas afirmam: ainda é preciso que ela seja implementada de fato

Victor Furtado
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O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, lei federal 8.069/1990) completa 30 anos nesta segunda-feira (13). É considerada uma legislação avançada e, para muitos especialistas, modelo para o mundo. No entanto, quem atua nessa rede de garantia de direitos e proteção de pessoas menores de 18 anos, percebe que a implementação, de fato, é o maior desafio histórico.

Após três décadas, o que se vê, na avaliação dos defensores dos direitos das crianças e adolescentes, são constantes ameaças de retrocessos. Por outro lado, faltam esforços, sobretudo do poder público, em promover políticas públicas que afastem crianças e adolescentes da violência e pobreza. 

Dados do Fundo Nacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef), publicados no relatório de 25 anos do ECA, mostram que a legislação trouxe avanços. Por exemplo: a mortalidade infantil caiu 68,4%; o registro civil chega a 95% das crianças, houve controle da transmissão de HIV / Aids entre a mãe e o bebê; redução de 19,6% para 7% das crianças, com idade escolar obrigatória, fora das salas de aula; e aumentou a representatividade e alcance de política públicas a crianças e adolescentes pertencentes a povos tradicionais, como indígenas, ribeirinhos e quilombolas.

Entre segmentos graves, que carecem de avanços, está na proteção contra a violência sexual, contra a violência letal — o relatório de 25 anos do ECA, do Unicef, mostra que o número de homicídios contra crianças e adolescentes dobrou entre 1990 e 2015 —, contra o trabalho infantil, contra a pobreza e contra a evasão escolar.

"O ECA completa 30 de aprovação e é uma lei muito bem pensada, discutida e participada. Não é algo de gabinete. Foi participação popular de todos os segmentos e organizações. Só que muitos direitos ainda estão aquém do que é garantido pelo estatuto. Há 30 anos, foi uma conquista e precisamos seguir lutando na reflexão sobre a importância e a garantia integral de todos os direitos previstos. Não temos mais o que discutir. Precisamos é cumprir o que determina a legislação", declara Inácia Winholt, coordenadora geral do Movimento República de Emaús.

Importante destacar, observa Bárbara Feio, professora mestre e coordenadora do curso de Direito da Uninassau: o estatuto prevê uma responsabilidade compartilhada entre poder público, família e sociedade. Essa colaboração é falha.

Bárbara Feio ressalta que o ECA é uma garantia da Constituição Federal de 1988, baseada em legislações como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Declaração dos Direitos da Criança (1959).

"É internacionalmente reconhecida como uma das legislações mais avançadas do mundo, mas carece de eficácia", diz a professora. Para ela, as discussões constantes sobre redução da maioridade penal não se baseiam em dados. 

"Com 30 anos, o ECA é alvo de muitas críticas. Se fala que deveria ser revisitado, sobretudo por essa questão da redução da maioridade penal. Porém, muitos estudiosos entendem que promover o encarceramento de pessoas com 16 anos não muda a dura realidade social que vivemos, de ausência do Estado em saúde, educação e oportunidades. A redução da criminalidade, como um todo, está muito além da redução da maioridade penal. E o sistema socioeducativo já se assemelha muito ao já estrangulado sistema prisional", analisa Bárbara.

A delegada Joseângela Santos, diretora de Atendimento a Grupos Vulneráveis da Polícia Civil, reforça que a CF88 e o ECA estabelecem essa corresponsabilidade do Estado, da sociedade e das famílias na garantia de direitos e proteção de crianças e adolescentes. É o princípio da proteção integral, que garante o desenvolvimento pleno físico e moral. Ela vê que os avanços necessários para os próximos anos do estatuto, não são exatamente nos dispositivos legais. Mas sim na aplicação das leis e promoção de política públicas.

"É preciso se discutir orçamento em todas as esferas de poder. O grande questionamento é se crianças e adolescentes, tanto como vítimas de violência ou autores de atos infracionais, estão tendo seus direitos garantidos. Tudo foi cumprido pelas esferas de poder até que essas situações ocorressem?", questiona a delegada.

Como avanços recentes, Joseângela cita instrumentos para ouvir crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes, para que não sejam revitimizadas; criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase); e criação de delegacias e núcleos de segurança pública especializados em atendimento a crianças e adolescentes, seja para acolhimento, seja para repressão e prevenção de atos infracionais.

Bárbara e Joseângela acreditam ser necessário aumentar a capilaridade do sistema de segurança pública especializado na criança e no adolescente ao interior do Pará, onde ainda ocorrem, na avaliação de ambas, abusos históricos. Algumas das áreas de maior desafio é a região do Marajó e outras áreas ribeirinhas. Pessoas como irmã Henriquetta Cavalcante e o bispo emérito do Marajó dom Luiz Azcona denunciam e combatem como podem essa realidade.

Pará teve protagonismo na elaboração do ECA com padre Bruno Sechi

Nos mais de 50 anos de vida dedicados a crianças e adolescentes do Pará, padre Bruno Sechi, idealizador e fundador do Movimento República de Emaús, fez o estado ter protagonismo na elaboração da Constituição Federal de 1988 e na criação do ECA. Inácia Winholt recorda que ele esteve em todas as discussões. E fez questão de que educadores e o público que seria protegido pelo estatuto tivessem voz ativa.

Padre Bruno Sechi morreu no dia 29 de maio deste ano. O legado do religioso, diz Inácia, é a motivação, o sonho coletivo e a esperança em dias melhores, para que crianças e adolescentes tenham direito de viver, crescer, brincar. Um futuro no qual não sejam necessários movimentos como o Emaús, porque a sociedade civil não precisaria mais tomar para si responsabilidades que deveriam ser do poder público.

Inácia também cita que a pandemia de covid-19 — doença causada pelo coronavírus sars-cov-2 — escancarou algumas realidades que chocam a população que estava "adormecida", até ter tempo de descobrir que existem. Realidades enfrentadas por segmentos da sociedade civil que enfrentam problemas, diretamente, sem apoio do poder público. A coordenadora geral do Movimento República de Emaús critica os baixos investimentos nas políticas públicas que são previstas pelo ECA.

"Educação, por exemplo, é uma prioridade. Mas as nossas escolas são precárias, sem estrutura... como que se pode falar em retorno das aulas? Que segurança, em meio a uma pandemia que oferece risco de morte, será dada a alunos e trabalhadores da educação? Vamos o trabalho infantil voltando, a exploração sexual, essa praga, que continua... E tudo isso, às vezes, é uma bola de neve que começa com os pais, que também não tiveram oportunidades na infância e se veem compelidos a replicar a realidade nos filhos. Criança tem é que brincar e estudar para ser um adulto responsável no futuro", conclui Inácia.

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