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Entenda o que muda sobre criminalização de drogas depois da PEC aprovada no Senado

Especialistas em Direito explicam no que a Proposta de Emenda à Constituição avança ou não no debate sobre entorpecentes

Camila Guimarães
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De modo geral, a Proposta de Emenda à Constituição aprovada na última terça-feira, 16, pelo Senado, não gera alterações no modo como a posse e porte de entorpecentes é tratado na legislação brasileira e também não oferece avanço ao dilema da distinção entre tráfico e consumo de drogas no Brasil - é o que apontam dois especialistas ouvidos pela reportagem de O Liberal nesta quarta-feira, 17. No Pará, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informa que o procedimento adotado no combate ao tráfico de drogas segue a legislação em vigor e afirma, ainda, que são avaliados o contexto em que a droga e a pessoa com a posse do ilícito são encontradas, e não apenas pela quantidade.

A PEC 45/2023 insere no art. 5º da Constituição a determinação de que é crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” - algo que já era previsto pela Lei nº 11.343, de 2006, conhecida como Lei das Drogas. Por isso, a novidade não altera o cenário legal da criminalização no país, conforme explica a advogada e especialista em Direito Processual, professora Eulina Maia. "Logo, o impacto da PEC no âmbito constitucional, será de ratificar o entendimento de que o porte de drogas, independente da quantidade encontrada com o agente, é crime".

Além disso, apesar de o texto da Proposta de Emenda considerar crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga, a PEC afirma que deve ser observada a distinção entre traficante e usuário 'por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, [sendo] aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência'. Na avaliação da advogada, o trecho não promove avanços na definição de uso e tráfico de drogas no país - o principal problema da discussão:

"Hoje, o maior problema enfrentado para estabelecer se a droga encontrada seria ou não para consumo gira em torno da quantidade, mas não há uma quantidade predeterminada em lei. As consequências trazidas por esta omissão são, na grande maioria dos casos, negativas, uma vez que outros critérios, de ordem subjetiva, acabam se sobrepondo e trazendo injustiças", afirma.

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Uma brecha para o racismo e discriminação social

O advogado criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal, Renan Trindade, também destaca a redundância da PEC diante da Lei 11.343 e questiona a inconsistência do texto: "Aqui, o texto legal joga em um mesmo buraco toda uma luta de advogados e do poder judiciário sobre quem seria o usuário e quem seria o traficante para a lei. É como se voltássemos ao ponto zero da discussão. Todo mundo é traficante? A quantidade não interfere?".

Para Renan Trindade, a imprecisão do texto perpetua não apenas a dúvida, mas também as brechas possíveis casos de racismo e discriminação social:

"Se eu não posso utilizar critérios objetivos (quantidade) para a diferenciação de traficante e usuário, só me restam os critérios subjetivos. E é onde reside o perigo, porque cada agente do Estado (policiais, promotores, juízes etc.) poderá utilizar seus critérios. Quem você acha que seria considerado traficante por estar portanto 50g de maconha: um rapaz branco, classe média ou um rapaz negro, residente da periferia?", questiona.

PEC é reação a julgamento no STF

A advogada Eulina Maia destaca que a aprovação da PEC se dá no contexto de um julgamento no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), suspenso em março deste ano, do caso concreto em que a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com 3 gramas de maconha. "O senado está preocupado que, agora, se diga que a baixa quantidade de droga não seja considerada crime", comenta a especialista. Antes da interrupção, o julgamento estava 5 votos a 3 para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal.

Atualmente, a Lei 11.343 prevê que quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Já a pena prevista para importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no artigo 33 da mesma lei, é de 5 a 15 anos de reclusão e pagamento de multa de 500 a 1500 dias-multa.

Apesar das diferenças de penas, uma vez que a lei considerar de 'menor potencial lesivo' o consumo do que o tráfico de drogas, as definições práticas para considerar uma atitude um crime ou outro seguem em aberto: "Nestes casos, os agentes de segurança pública continuarão agindo da mesma forma como agem hoje: realizando prisões e apreensões independente da quantidade", pondera o advogado Renan Trindade.

A redação integrada de O Liberal solicitou o posicionamento da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) diante da problemática, que respondeu com os seguintes esclarecimentos:

"A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informa que no Estado, o procedimento adotado segue a legislação em vigor. A Segup destaca ainda que são avaliados o contexto em que a droga e a pessoa com a posse do ilícito são encontradas, e não apenas pela quantidade”.

“A Segup Informa ainda que a Polícia Civil não realiza prisão em flagrante de pessoas identificadas como usuários de drogas. Diante da identificação, um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Em relação a pessoa flagrada praticando tráfico, o auto de prisão em flagrante é instaurado e a pessoa fica a disposição da justiça”.

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