Cobertura da dívida da Cerpasa com o Pará rende ameaças ao Grupo Liberal

Após reportagens sobre os bilhões devidos pela cervejaria aos cofres públicos do Pará, Grupo Liberal é alvo de “recados” dados pela empresa - um deles por Paulo Tamer, ex-delegado e consultor de segurança

O Liberal
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Após a publicação de série de reportagens do Grupo Liberal, em outubro deste ano, sobre a Cervejaria Paraense S.A. (Cerpasa), reconhecida pela 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) como “devedora contumaz”, com um passivo tributário de dezenas de bilhões, o CEO do Grupo Liberal, jornalista e advogado Ronaldo Maiorana, e colaboradores do grupo passaram a receber ameaças. Os ataques têm ocorrido de forma reiterada, por meio de recados, e-mails, bilhetes, mensagens e postagens em redes sociais, em tentativas de intimidar a cobertura jornalística.

No mais recente episódio, o esforço se dirigiu contra um conteúdo publicado pelo portal Amazônia no Ar, projeto independente idealizado por Mary Tupiassu, diretora de Portal e Redes do Grupo O Liberal, e por Ney Messias, diretor de Entretenimento e Rádio Web do Grupo Liberal. A matéria, veiculada em novembro, repercutia as publicações de O Liberal que abordavam a dívida bilionária da Cerpasa.

O recado dessa vez veio diretamente do ex-delegado da Polícia Civil do Pará Paulo Tamer, que hoje atua no ramo de consultoria de segurança. Em conversa com a reportagem, Ney Messias relatou que Paulo Tamer pegou o link da matéria do Amazônia no Ar e mandou uma mensagem pelo WhatsApp. A mensagem citava “Cuidado”, num claro tom de intimidação, e dizia que o conteúdo tinha “inverdades”.

image Ex-delegado da Polícia Civil do Pará Paulo Tamer, que hoje atua no ramo de consultoria de segurança. (Imagem: Divulgação)

“Eu disse que o Amazônia no Ar pediu nota para a Cerpasa. A nota foi enviada e lida ao final da matéria. Tamer disse que cabe processo ao veículo. E aí acabou a troca de mensagens”, conta Ney Messias, ao detalhar o contato, ocorrido em 9 de novembro.

Paulo Tamer é ex-delegado da Polícia Civil. Com mais de 30 anos de atuação na área de segurança pública, em 1993, ocupou o cargo de Coordenador da Polícia Civil do Pará, função equivalente ao de Delegado-Geral nos dias de hoje, e comandou diversas seccionais, além de investigações de grande repercussão social, como a do “Monstro da Ceasa”.

DÍVIDA BILIONÁRIA

A Cerpasa é, até o momento, a empresa com maior débito tributário da história do Pará. Segundo o Tribunal de Justiça, a cervejaria acumula pelo menos R$ 5,7 bilhões em dívidas apenas com o Estado (as dívidas da cervejaria são ainda maiores, se forem considerados débitos com tributos federais).

Esse valor devido aos cofres estaduais, porém, conforme aponta o Ministério Público do Pará (MPPA), é ainda maior, já que o montante segue em crescimento. Em outubro deste ano, o MPPA informou a O Liberal acreditar que a dívida, acumulada em mais de 20 anos, já supera em muito os números atuais - na casa de dezenas de bilhões de reais.

image Helga Irmengard Jutta Seibel, proprietária da Cerpasa (Imagem: Divulgação)

A situação contrasta com o patrimônio mantido pela companhia em Belém, que inclui suntuosas mansões, localizadas no bairro da Pratinha e dentro do próprio complexo industrial da fábrica - ambas registradas em documentos consultados por O Liberal e passíveis de penhora judicial.

As residências seguem estilo imperial, com forte simetria, salões amplos e materiais nobres, como mármore e madeira de alta qualidade, além de detalhes dourados.

A mansão situada dentro da área industrial ocupa 80.757,81 m²; já a residência na Pratinha impressiona com 163.457,21 m², áreas muito superiores às de propriedades de celebridades como Angélica e Luciano Huck (1.500 m²), Virginia Fonseca (1.027 m²), Beyoncé e Jay-Z (3.530 m²), Vinícius Júnior (2.500 m²) e até mesmo o complexo Mar-a-Lago, de Donald Trump (5.810 m²).

image Konrad Siebel, filho de Helga e herdeiro da Cerpasa (Imagem: Divulgação)

PENHORA JUDICIAL

Em decisão recente, a desembargadora Rosileide Maria da Costa Cunha, do TJPA, reiterou a possibilidade de penhora contra a Cerpasa, visando garantir a execução fiscal bilionária.

A empresa alegou que já possui 10% de seu faturamento mensal comprometido, mas a Justiça considerou que não foram apresentadas alternativas eficazes para a quitação da dívida.

Com a manutenção da decisão, o Estado está autorizado a prosseguir com a penhora de créditos junto a terceiros e a retenção de parte do faturamento.

Sindfisco: conduta antiética fere cofres públicos e economia

O acúmulo da dívida bilionária da Cervejaria Paraense S.A. (Cerpasa), ao mesmo tempo em que mantém imóveis milionários e instalações de alto padrão em Belém, expõe uma contradição grave entre riqueza e responsabilidade fiscal, avalia o Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco Pará). Para a entidade, o caso não se trata de dificuldades financeiras ou de gestão, mas de uma estratégia reiterada de inadimplência por parte da empresa.

Charles Alcantara, presidente do Sindifisco, afirma que o patrimônio mantido pela Cerpasa comprova capacidade para arcar ao menos parcialmente com suas obrigações. “Demonstram a capacidade financeira para cumprir suas obrigações tributárias, senão plenamente em razão da cifra bilionária que se foi acumulando no curso de décadas, ao menos em parte, o que já serviria para reduzir o rombo nos cofres públicos”, enfatiza.

Para Alcantara, a postura da empresa revela um “exemplo claro de desequilíbrio ético e econômico”, especialmente quando comparada ao rigor tributário imposto a cidadãos e pequenas e médias empresas.

PADRÃO

O presidente do Sindifisco avalia que o comportamento da empresa integra um padrão nacional documentado pelo estudo “Barões da Dívida”, da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).  O levantamento mostra como grandes devedores utilizam estruturas jurídicas e mecanismos de postergação para adiar pagamentos de tributos, acumulando cifras bilionárias ao longo de anos. “Esse contraste expõe um padrão de gestão que privilegia o capital privado e o acúmulo de bens de luxo em detrimento do cumprimento das obrigações legais”, afirma.

Para o sindicato, o reconhecimento da Cerpasa como “devedora contumaz” pela 1ª Turma de Direito Público do TJPA representa um passo importante no enfrentamento à sonegação fiscal no Estado. Alcantara destaca que a classificação permite ações mais rigorosas por parte do Estado, como bloqueio de bens, restrição de crédito, suspensão de benefícios fiscais e inclusão no regime especial de fiscalização previsto na Lei Estadual nº 6.182/1998.

“O reconhecimento da Cerpasa como devedora contumaz não é apenas um rótulo jurídico; trata-se de uma medida que identifica reincidência e padrão sistemático de inadimplência”.

CRIMES

Charles Alcantara ressalta: a decisão também tem efeito pedagógico e contribui para reduzir desigualdades no mercado, já que empresas inadimplentes cometem crimes que levam a vantagens competitivas indevidas, em relação às que cumprem suas obrigações.

“A decisão fortalece a capacidade de fiscalização do Estado e sinaliza que a reincidência fiscal será tratada com severidade, rompendo um padrão histórico de impunidade entre grandes contribuintes”, pondera. “A questão é que essa situação de crimes, como é o caso Cerpasa, tem se tornado uma história sem fim, que não tem resultado. É uma dívida com o tesouro estadual, mas esse é, na verdade, o dinheiro do cidadão”, pontua um analista ouvido por O Liberal, colaborador da casa.

Reconhecida pela Justiça como devedora contumaz, Cerpasa já deve quase R$ 6 bilhões em impostos

O Sindifisco acompanha o caso desde os primeiros indícios de irregularidades, há mais de 20 anos, embora sem acesso a todos os detalhes, devido ao sigilo fiscal. Alcantara destaca que o padrão de concentração de débitos da Cerpasa reforça a necessidade de um acompanhamento permanente e de auditorias especiais, como previsto para devedores contumazes. Segundo ele, o passivo da empresa pode ser ainda muito maior que os valores atualmente registrados.

RECURSOS PÚBLICOS

Para o sindicato, a inadimplência bilionária compromete diretamente a capacidade do Estado de investir em áreas essenciais, como saúde, educação, infraestrutura e segurança pública. “Uma dívida dessa magnitude compromete severamente a capacidade financeira do Estado. Em longo prazo, esse comportamento alimenta desigualdade fiscal, desestimula o cumprimento das obrigações tributárias e mina a confiança no sistema tributário”, afirma. Alcantara reforça que, enquanto poucos devedores acumulam cifras estratosféricas, “a inadimplência de poucos compromete o bem-estar de milhões”.

A Cervejaria Paraense S.A. (Cerpasa) é alvo de diversas ações penais no Ministério Público do Pará (MPPA) e também  no Ministério Público Federal  (MPF), por crimes contra a ordem tributária cometidos pelo menos desde 2002.

Entre as condutas mais graves estão a sonegação fiscal, uso indevido de créditos tributários e a apropriação de valores declarados, mas não pagos ao Estado.

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Considerada a maior empresa devedora da história do Pará, a Cervejaria Paraense S.A. mantém um patrimônio que inclui mansões milionárias e uma rotina suntuosa que afronta os paraenses. Dívidas com os cofres públicos do Estado só crescem, após décadas de práticas de crimes fiscais e dezenas de ações na Justiça.

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Segundo o promotor de Justiça Francisco de Assis Santos Lauzid, atualmente a Cerpasa acumula pelo menos  441 débitos, apontam dados atualizados da Secretaria da Fazenda (Sefa).

Esses valores correspondem a crimes cometidos entre janeiro de 2009 e fevereiro de 2020. A dívida se torna cada vez maior, com o passar do tempo, devido à correção monetária anual, à incidência de juros mensais e ao acréscimo constante de novos débitos.

“Há créditos usados indevidamente, ICMS-ST que deixou de ser pago por cálculos irregulares e apropriação indevida de valores. É uma série de autuações e débitos que fazem com que essa dívida vire uma bola de neve”. Grande parte dos processos ainda tramita em fase de inquérito. Entretanto, a maioria já foi denunciada e sentenciada, com condenações de dirigentes da empresa a penas que variam de seis e sete anos e meio de prisão.

Além do impacto direto aos cofres públicos, a situação também atinge fornecedores que deixam de receber valores significativos.

Fontes empresariais ouvidas por O Liberal relatam que, há décadas, recursos que deveriam quitar tributos no Brasil eram enviados para a Alemanha, país onde os acionistas da Cerpasa residem por grande parte do ano.

Linha do tempo do caso Cerpasa

1966 - A empresa é fundada pelo imigrante alemão Karl Seibel, instalando-a junto às margens da Baía do Guajará. Os produtos fabricados tinham influência da Europa;

2002 - Segundo investigações do Ministério Público Federal (MPF), o ex-governador do Pará, Simão Jatene, é acusado de receber propina da Cerpasa em troca de um perdão de dívidas.

2003 a 2004 - Uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) na sede da Cerpasa revelou o pagamento de R$ 12,5 milhões, em prestações, no fim do mandato de Almir Gabriel e nos dois primeiros anos do governo de Simão Jatene;

2009 - De acordo com as investigações, a empresa cometeu sonegação fiscal pelo uso de crédito indevido, de junho a outubro;

2013 - A Cerpasa é acusada de sonegação fiscal pelo uso de crédito indevido. Nesse ano, o MPPA apurou o mesmo crime, mas referente ao ICMS;

2016 - A empresa é acusada de sonegação fiscal pelo uso de crédito inexistente, sem autorização prévia do Fisco;

2017 a 2018 - O MPPA acusa a Cerpasa de crime de apropriação indébita tributária de ICMS próprio;

2018 - O Superior Tribunal de Justiça (STF) rejeitou, por 12 votos a 1, a denúncia contra o ex-governador do Pará, Simão Jatene, por participação no Caso Cerpasa. Antes, ele era réu por corrupção passiva;

2021 - A Justiça condenou os dirigentes da Cerpasa, Helga Irmengard Jutta Seibel, José Ibrahim Sassim Dahas, e Paulo César Noveline, por crimes contra a ordem tributária e de sonegação fiscal;

2023 - O STF dá parecer positivo ao uso de dados do Coaf pelo MPPA no caso Cerpasa;

2025 - TJPA reconhece Cerpasa como devedora contumaz.

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