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Cartório admite registro de criança com nome de origem africana

Diretor da Associação dos Notários e Registradores do Pará (Anoreg-PA) explica que dispositivos locais preveem registros de nomes de origens estrangeiras

Fernando Assunção
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Os critérios utilizados pelos cartórios para barrar registros de nomes foram questionados na última semana, após o cantor Seu Jorge e a esposa Karina Barbieri serem impedidos de dar ao filho o nome de Samba, considerado “incomum” pela oficial. Porém, na última quinta-feira (26), o cartório voltou atrás e aceitou o pedido, “diante das razões apresentadas, que envolvem a preservação de vínculos africanos e de restauração cultural com suas origens, assim como o estudo de caso que mostrou a existência deste nome em outros países”, explicou a registradora Kátia Possar, do Cartório de Registro Civil do 28º Subdistrito de São Paulo.

Segundo Rodrigo Trigueiro, oficial do 2º Ofício de Registro Civil de Ananindeua e diretor da Associação dos Notários e Registradores do Pará (Anoreg-PA), se fosse no Pará, Seu Jorge não enfrentaria resistência dos cartórios no registro de Samba já que, segundo pesquisadores, o nome deriva de termos africanos. “O artigo 527, parágrafo 1º, do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado do Pará, garante o registro de nome de origem estrangeira, desde que respeitada a sua grafia de origem. Portanto, segundo a norma, o nome Samba poderia ser registrado sem problemas”, diz.

Caso semelhante ocorreu com o produtor cultural e cineasta Rafael Ferreira e a companheira Bianca Alves. Em 2020, o pedido para registrar a filha como Zola Ayana Nzinga foi barrado por um cartório do distrito de Icoaraci, em Belém, mesmo após o casal apresentar um texto explicando a origem dos nomes, de origem africana, e trazendo exemplos do uso do nome por personalidades públicas. O registro só foi liberado após a realização do procedimento em outro cartório, no município de Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém.

“A gente já esperava que ia ter resistência, então fiz umas pesquisas prévias e preparei um documento justificando o motivo da escolha do nome, explicando o significado e que ele representava o fortalecimento da identidade negra. Apresentei esse texto ao cartório, argumentei com o tabelião, mas, mesmo assim, eles recusaram. Aí eu tentei em outro cartório, em Ananindeua, onde eles também não aceitaram de primeira. Mas, no dia seguinte, eles me ligaram e eu e Bianca tivemos que comparecer lá para assinar um documento onde a gente se responsabilizava por qualquer problema que o nome pudesse causar à criança”, lembra Rafael.

Legislação prevê que registro seja barrado em alguns casos

O artigo 55 da Lei de Registros Públicos - Lei 6.015/1973 prevê a recusa do registro no caso do cartório entender que o nome possa vir a “expor ao ridículo o seu portador”. “O problema é que cada pessoa tem um entendimento diferente sobre o que é ‘expor ao ridículo’, porque se trata de um conceito vago. A doutrina do direito registral fala que ‘expor ao ridículo’ seria um nome que causasse constrangimento no decorrer da vida daquela pessoa, que viesse a causar bullying na escola ou depreciação no mercado de trabalho - tudo isso teria que ser levado em conta pelo registrador”, opina o oficial.

“Em ambos os casos citados, tanto do Seu Jorge como do casal paraense, não houve necessidade de levar o caso à Justiça porque os próprios cartórios se convenceram. Mas, se por acaso, o registrador continuasse com a recusa, seria possível levar essa decisão a um juiz para que ele fizesse a revisão da decisão do oficial. É um procedimento rápido. Se os pais entenderem que a recusa não foi feita de forma a contento, eles podem pedir para o registrador enviar um pedido de revisão para o juiz da comarca”, completa o diretor da Anoreg-PA.

Outro caso em que os nomes podem ser barrados, conforme o Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado do Pará, é quando a grafia não se adequa às normas da língua portuguesa ou a de seu local de origem. “Embora seja um caso até comum, a norma evitaria que nomes como Tyago com ‘y’ ao invés de Tiago com ‘i’ ou até Thiago com ‘Th’ fosse registrado, por exemplo, porque ‘ty’ não é uma grafia que seria correta pela língua portuguesa e eu não me recordo de ter essa grafia em outras origens. Teria que analisar. Mas o fato é que, hoje, as leis estão avançadas e os próprios registradores mais conscientes de seu papel no Pará”, afirma.

Nomes “estranhos”

Há dois anos na diretoria da Anoreg-PA e quase cinco anos como titular do 2º Ofício de Registro Civil de Ananindeua, Rodrigo Trigueiro conta que a busca dos cartórios para registros de nomes considerados “estranhos” é mais comum do que se imagina. O caso mais emblemático já presenciado pelo oficial foi a tentativa do registro de uma criança com nome de “Batman”. “A gente apela para o bom senso, pedindo para o pai repensar porque a criança pode ser vítima de bullying ao longo da vida. É missão dos cartórios também informar a parte e ajudá-la a escolher um nome próximo do que ela deseja”, diz.

Mudança na lei

Para descontentes com o nome de registro, a Lei 14.382/2022, que entrou em vigor em junho do ano passado, libera troca de nome direto no cartório e sem ação judicial. É preciso ter pelo menos 18 anos e pagar uma taxa que, a depender do estado, varia de R$ 100 a R$ 400. “O prenome, agora, pode ser mudado pelo menos uma vez durante a vida. Só procurar o cartório e pedir, através de requerimento, a alteração do prenome e será feito um pequeno procedimento que irá confirmar a mudança. Após isso, a parte irá procurar os órgãos governamentais para mudar também a documentação. Facilitou bastante”, conclui o especialista.

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