Adultização infantil pode gerar diversos prejuízos para crianças e adolescentes; entenda
Problema ganhou repercussão após denúncia do youtuber e influenciador Felipe Bressanim, sobre a exploração de corpos infantis na internet

A perda precoce da infância pode acarretar diversos prejuízos psicológicos, sociais e de saúde para crianças e adolescentes. Esse processo, conhecido como “adultização”, ganhou destaque nas últimas semanas após o vídeo do youtuber e influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, viralizar com denúncias sobre a exploração de menores de idade na criação de conteúdo para redes sociais e outras plataformas da internet. No Pará, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informou que, entre janeiro e julho de 2025, foram registrados 420 delitos contra crianças e adolescentes praticados em ambiente virtual. Em 2024, de janeiro a dezembro, foram contabilizados 690 casos, e em 2023, no mesmo período, 613 ocorrências.
A psicóloga clínica Camila Malcher, mestre em Psicologia, Sociedade e Saúde, alerta que a adultização pode acarretar riscos às crianças de diferentes formas. “Neste caso, o documentário produzido por Felca denuncia o universo de exploração de crianças e adolescentes através de redes sociais, sugerindo que há um processo de naturalização de comportamentos adultizados em corpos infantis, tornando-os um produto de consumo exploratório dentro de uma sociedade adultocêntrica, que não problematiza até então os conteúdos, e da cultura da violação sexual, que é infiltrada e normalizada através destas atitudes sociais sobre gênero e sexualidade”, complementa.
A especialista destaca que os impactos podem ser diversos, mas atingem com mais intensidade crianças de grupos mais pobres e excluídos. “Os impactos gerados são diversos dentro do aspecto psíquico, social e de saúde. Mas é preciso contextualizar de que criança e adolescente se fala, pois as consequências dependem de fatores como a classe social, cor, gênero, as características individuais da criança e adolescente, da família, etc.”, atesta.
A Fundação Abrinq, entidade que trabalha na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, aponta que os efeitos da adultização infantil podem ser profundos e duradouros. As crianças podem desenvolver problemas emocionais e psicológicos, como ansiedade e depressão, além de dificuldades de socialização e na formação de uma identidade própria.
A promotora de Justiça Patrícia Araújo, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOIJ) do Ministério Público do Pará (MPPA), confirma que o problema é cada vez mais recorrente.
“A adultização infantil é uma realidade cada vez mais frequente nas redes sociais e na mídia. Crianças e adolescentes são vinculados a ideais de beleza, sexualização e consumo que muitas vezes não acompanham seu estágio de desenvolvimento, o que vem contribuindo de forma efetiva para a erotização precoce e as mais diversas violações de direitos. A exposição excessiva e a falta de controle dos conteúdos que são consumidos e expostos pelos pais e responsáveis geram grandes vulnerabilidades para o público infantojuvenil e criam ambientes propícios para a atuação de criminosos que, sob o manto do anonimato, utilizam as mais diversas ferramentas para ludibriar e ter o controle das vítimas”, afirma.
O CAOIJ atua na prevenção, qualificação de redes de atendimento e fortalecimento de planos de enfrentamento à violência sexual infantil, como o “Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”. O centro executa também projetos como o “Navegue, Não Naufrague nos Crimes Sexuais”, que é uma estratégia de enfrentamento à violência sexual, objetivando combater a subnotificação por meio da informação qualificada para toda a comunidade escolar.
Estatísticas
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado houve aumento de 14,1% na produção ou distribuição de material de abuso sexual infantil online em relação a 2023. A quantidade de denúncias sobre exploração e abuso sexual infantil virtual preocupa: em 2023, foram 71.867 denúncias, recorde histórico do Brasil. Em 2024, o número caiu para 52.999, uma redução de 26%. Ainda assim, representa o quarto maior volume desde 2006.
A objetificação dos corpos de crianças também pode contribuir para a normalização da violência sexual infantil. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) indicam que o Pará registrou 4.596 casos de estupro de vulneráveis em 2023 e 4.483 casos em 2024. No Brasil, nos últimos dez anos, foram mais de 800 mil casos de abuso sexual infantil.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estipula diferentes penas para crimes envolvendo a venda e a exposição de conteúdos ilícitos com menores de idade. O artigo 241 do ECA estabelece de um a oito anos de reclusão e multa. “Pais ou responsáveis que expõem seus filhos de maneira abusiva (por ganhos ou outros fins) podem responder por violação de direitos da criança, e eventualmente por crimes de exposição sexual ou mercantilização da imagem. A responsabilização é avaliada caso a caso”, explica a promotora.
A psicóloga Camila Malcher ressalta que a adultização pode naturalizar violências sexuais e outros problemas sociais, como o casamento infantil. “A adultização precoce pode ser um fator que está por trás, por exemplo, do casamento na infância, no qual o Brasil é o quarto no mundo com esta prática e primeiro na América Latina, sendo Belém a capital de maior ocorrência, e de gravidez na adolescência”, alerta Camila.
Diferenças
A psicóloga diferencia o processo natural de amadurecimento, conhecido como “adultecer”, que todo ser humano vivencia, da adultização. “Adultecer” é o processo natural de transição da adolescência para a vida adulta. Já a adultização é o ato de impor a corpos infantis comportamentos típicos da vida adulta, que podem incluir trabalho, responsabilidades, assuntos complexos e até violação sexual, como abuso e exploração.
As redes sociais e a internet ampliam o problema. Por isso, Camila defende a regulação das plataformas. “As redes sociais são uma vitrine. Uma exposição da intimidade, do pensamento, das ideias, etc. Os comportamentos e as publicações são formas de discursos que produzem sentidos. Então, as redes sociais servem também para fortalecer e consolidar a violação de direitos de crianças e adolescentes, veiculando ‘produções’ que tornam-se naturalizadas, implementando ideias através do ‘consumo’. É necessário que haja um marco regulatório do mundo digital que considere essas questões sociais”, enfatiza.
Orientações
A recomendação para pais e responsáveis é acompanhar o conteúdo acessado por crianças e adolescentes, controlando a origem, a idade recomendada, os contatos, o conteúdo das mensagens e restringindo tempo e acesso a determinados sites. É essencial estabelecer limites claros no uso de dispositivos e redes sociais, dialogar com os filhos e incentivá-los a compartilhar situações que os deixem desconfortáveis.
Outro cuidado é educar sobre limites pessoais, como identificar aliciamento, comportamento suspeito ou sentimentos de angústia no ambiente virtual. “A falta de controle e a facilidade de acesso de crianças cada vez mais novas ao mundo virtual corrobora a ação dos criminosos e, a liberdade dada pelos responsáveis, sem o exercício de um controle parental sobre os conteúdos acessados e de um uso indiscriminado das redes sociais, facilita esse tipo de violação”, explica a promotora.
Pais e responsáveis também devem ativar recursos de privacidade e segurança, com controles parentais, e manter canais de comunicação com escolas e comunidades digitais. Em caso de suspeita, é fundamental preservar provas (conversas, perfis e imagens) e denunciar imediatamente pelo Disque 100, ao Conselho Tutelar ou às delegacias especializadas.
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