Livro x Audiovisual: entenda o que escritores, críticos e cineastas pensam sobre o assunto

Ale Santos escritor afrofuturista de 'O último Ancestral' fala sobre a adaptação de seu livro para o streaming

Emanuele Corrêa
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No campo das produções culturais, quando o assunto é "Livro x Audiovisual", as adaptações literárias para as telas sempre geram opiniões diversas. O livro de Jane Austen que foi adaptado para a Netflix sofreu duras críticas e reacendeu o debate. Mas, nem todas as adaptações desagradam os fãs e ou as críticas. Para falar sobre o assunto, a Redação Integrada de O Liberal conversou com exclusividade com o escritor afrofuturista, Ale Santos, que terá o livro "O último Ancestral" adaptado para streaming, com a cineasta paraense, Zienhe Castro e com jornalista, mestranda e crítica literária do "Transbordarte", Erica Marques.

Ale Santos discute a proposta e afirma que apesar de o livro ser a obra matriz, os produtos da literatura e audiovisual são de entretenimento diferentes e devem ser encarados pelo público desta maneira. "Eu não acho que a adaptação é feita para os leitores. A adaptação é feita para quem está se divertindo, sentada no sofá, comendo pipoca e assistindo ao streaming, por exemplo. Não exatamente ficar lendo. São produtos de entretenimento com objetivos diferentes", disse.

"O livro tem mais espaço para falar do pensamento do autor, do personagem. Uma adaptação que eu gosto é Game Of Thrones - com exceção da última temporada. Quando você lê o livro você entende partes da cena que não podem ser levadas aí audiovisual, os parágrafos descrevem o pensamento das pessoas. Como levar o pensamento das pessoas à tela? Às vezes precisa de algum recurso gráfico", complementou.

Questionado se o audiovisual pode ser um incentivo para novos leitores, ele diz que sim e que o universo se amplia no livro. "'você gostou dessa história, você gostou desse personagem?' Você pode conhecer a profundidade, o contexto dele. E isso vai estar no livro. É um produto diferente, focado em outra dimensão do entretenimento. Que é outro momento da sua vida. Não é para aquele momento que você vai abrir um livro e ficar focado. Mas ocasionalmente estará assistindo com alguém do lado, que estará se emocionando, conversando, xingando o personagem, de outra maneira que não o Livro", destacou.

Ale compartilhou os detalhes sobre as deliberações de O último Ancestral e diz não ter preocupações sobre a adaptação da sua obra. "Estamos em um momento que muitas produtoras de streaming estão comprando obras brasileiras. Nesse momento eu também lancei o 'Último Ancestral', foram meses de negociações. Recebi primeiro uma proposta, depois vieram cinco, até fechamos. Eu não tenho preocupações, eu sou um criador desapegado de não ser 'nossa, tem que ser exatamente o que tá escrito ali'. Por ser ficção científica, entendo que teremos que fazer concessões e adaptações, mas eu entendo que estou com a melhor produtora possível. O que as pessoas não sabem é que quando uma produtora compra uma adaptação de um livro, basicamente ela vai ter que reescrevê-lo. Tem um padrão de roteiro de audiovisual, que vai construir um documento e o quê daquele universo será aproveitado no audiovisual", arguiu.
"Todas as propostas que vieram, direcionamentos criativos, o que a gente sentia da produtora ou streaming que queria adaptar. Hoje eu não tenho preocupações com a RT Features que é uma grande e produtora, tem uma experiência internacional e ele será co-produzido pela HaperCollins dos Estado Unidos. A gente já tem uma composição internacional, então, estou muito seguro e feliz de ter essa equipe no começo do projeto. Tenho certeza que vamos encontrar uma equipe de desenvolvimento fabulosa", finalizou.


'Adaptar não é traduzir, é reinventar', diz cineasta paraense

A cineasta Zienhe Castro é roteirista e produtora e tem experiência com adaptações. Ela considera, inclusive, um exercício de escrita, com chances de retorno positivo, se tiver bases sólidas. O primeiro filme de ficção que Zienhe fez foi uma adaptação do conto "Promessa em Azul e Branco" da escritora Eneida de Moraes e, posteriormente, duas fotonovelas de Valda Marques. "Desde o primeiro eu já escolhi o meu caminho de equilíbrio. Tomo o original como uma inspiração, não como uma 'primeira versão do roteiro', ou seja, me sinto livre para tomar as liberdades que quero, de fundir histórias, de trocar eventos, etc", disse explicando sua visão a respeito de adaptação.
Ela cita algumas adaptações brasileiras que deram certo e foram aclamadas pelo público: Lavoura Arcaica e O autor da compadecida. "O [primeiro] é um exemplo impressionante de domínio de linguagem e suas diferenças. Um livro e um filme fantásticos, contam a mesma história, mas de maneira própria, distinta. E a que mais me diverte é 'O auto da Compadecida', um clássico!", concluiu.

"Uma etapa importante é ajustar as premissas, as do livro e as que se quer contar no filme. Absorver a obra, entender seu espírito, tê-la na ponta da língua... e depois jogá-la fora, e contar a história dentro do universo audiovisual, contar novamente a mesma história, mas para um público diferente, o espectador do audiovisual. Cada linguagem tem seus truques. Veja o exemplo de “Cidade de Deus”, do Paulo Lins, ótimo livro e ótima adaptação do Bráulio Mantovani para o Fernando Meirelles... Adaptar não é traduzir, é reinventar", complementou falando de outras adaptações.

A  jornalista Erica Marques possui um perfil no Instagram com um projeto intitulado "Transbordarte", ela faz o exercício de ler o livro, fazer a resenha dele. Se a obra tiver a versão para o audiovisual, também consome o conteúdo para ampliar o universo da obra que está lendo. A crítica considera as adaptações importantes, pois oportunizam o acesso ao público. "Conseguem levar a um público histórias que muitos deles não conseguiram ter acesso por meio da leitura. E isso, muitas vezes, faz essas pessoas se aproximarem dos livros. Muitas pessoas, sejam adolescentes ou adultos, nunca ouviram falar ou tiveram contato com as obras de Julia Quinn, Jane Austen, Machado de Assis e ao ver um filme ou série na plataforma de streaming desses escritores já os faz ter curiosidade de saber mais ou consumir mais sobre eles", afirmou.

"Essa busca pode ser materializada na quantidade de pessoas que frequentam a Bienal do Livro em SP ou a Feira do Livro aqui em Belém. São eventos lotados... Eu possuo um perfil no Instagram em que coloca resenhas de livros. Busco mostrar a essência daquela obra para o seguidor. Então ao ver uma adaptação de um desses títulos eu já espero alguma modificação", confessou.

Sobre as obras "Bridgerton", de Julia Quinn e "Persuasão", de Jane Austen, que foram adaptadas à Netflix, Erica comenta a repercussão na internet. "Persuasão estreou com muitas críticas, pois apesar de ter sido anunciada como um filme voltado ao público jovem do TikTok, foi descrito por críticos como um trabalho em que só o nome da autora e do livro foi mantido, pois toda sua estrutura foi mudada. Construída de um modo como se o público não soubesse identificar discursos de maturidade implícitos", ressaltou.

Bridgerton seria um exemplo positivo, segundo Marques. Mas não somente as produções norteamericanas tem esse destaque, outras produções brasileiras também foram percebidas como exemplo de equilíbrio entre o universo da obra e o que foi construído para a adaptação.

"Em contrapartida, Bridgerton manteve a essência da sua história e se destacou ao colocar protagonistas negros, indianos e de outras etnias. Similar a Capitu (2008) da Globo que criou um universo do Machado totalmente estético, sem prejudicar a mensagem principal do ator. Por mais que sejam produtos diferentes, elas precisam conversar. Mudar por mudar para ter público, nem sempre é o caminho. Pois antes da audiência online, já existe uma base de consumidores fiéis dos livros, que, na maioria das vezes, são eles que engajam essas adaptações", finalizou.

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