Dia do Rap Nacional: a voz das periferias ecoa pelo Pará e Brasil afora
Rappers e MCs em Belém protagonizam esse estilo musical e de vida em busca de melhores dias para quem luta por um lugar ao Sol nas baixadas, favelas e outros espaços sociais

Ritmo e poesia. Esse é o significado da palavra “rap” (rhythm and poetry), estilo musical que faz parte do hip hop, movimento de cultura de rua que dá voz a pessoas e comunidades de periferias das cidades no mundo. Desde os anos 1990, após ter surgido na Jamaica nos anos 1960 e ingressado nos EUA na década de 1970 e se espalhado pelo mundo, o rap diz muito sobre o dia a dia de moradores de baixa renda no Brasil. Por meio de rimas pungentes e uma batida intensa, os rappers denunciam a penúria de quem vive nesses perímetros urbanos. Essa poesia é forte, pois vem dos guetos, das casas improvisadas em áreas sem saneamento básico, de pessoas sem acesso à educação digna ou mesmo a serviços de saúde a contento, pessoas sem emprego que vivem de “bicos” ou “frilas” mal-remunerados. Gente sem muitas perspectivas de futuro, mas que encontra na arte o meio da busca pela dignidade. Neste Dia do Rap Nacional (6 de agosto), essas vozes afloram na Copa Paraense de Rimas em andamento e com a grande final agendada para o dia 23 deste mês de agosto, às 19h, no Memorial dos Povos, em Belém.
Esse circuito percorreu 16 cidades, incluindo comunidades ribeirinhas, em busca dos melhores MCs (Mestres de Cerimônia) do Estado do Pará. O movimento, nascido da icônica Batalha de São Brás, prova que o hip hop amazônico ocupa ruas, praças e margens de rio com a mesma potência política e cultural que qualquer grande cena urbana do Brasil, e reafirma que a Amazônia não é margem — é também raiz do rap brasileiro.
“O Pará é distante do Sudeste, mas fazemos cultura de igual pra igual. Nosso rap carrega rios, florestas e favelas. É discurso ambiental, social e de sobrevivência. A Copa é nossa forma de dizer: estamos aqui”, afirma o rapper e produtor cultural Daniel ADR, idealizador do projeto e cria da própria Batalha de São Brás.
Esse projeto de dimensão estadual conecta distâncias geográficas colossais a fim de mapear a potência e os talentos do freestyle feito na Amazônia. Tudo a partir de 2013, de um encontro semanal de MCs no bairro de São Brás, com microfone aberto. O rapper Daniel destaca: “O rap no Pará não é homogêneo. Cada região tem sua forma de fazer rima, suas gírias, seus sotaques. E mesmo com todas as dificuldades, há gente fazendo arte e ocupando as ruas. É essa pluralidade que a Copa valoriza”.
Um circuito como a Copa Paraense de Rimas é um desafio e tanto, mas aceito pelos organizadores. Aliás, os desafios movem os rappers. Isso porque a Amazônia é um bioma de contribuição inestimável à humanidade, mas subestimada em seus ecossistemas naturais, em seus povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. E quando o rap toca nas feridas, é um convite para se refletir sobre o direito à vida das pessoas, sobretudo, as que moram nas periferias dos núcleos urbanos amazônicos.
“O Norte sempre rimou, mas quase nunca foi ouvido. Invisibilizar a Amazônia é perder a chance de escutar um Brasil que o centro ainda não entendeu. Nosso sotaque é denúncia e poesia, e a gente quer somar com novas narrativas e sonoridades ao hip hop nacional”, enfatiza a rapper Bruna BG. Bruna começou como participante da Batalha de São Brás e hoje é uma de suas organizadoras. Ela reforça o quanto o projeto abre um canal para a cena da região, que luta para ser ouvida.
Bruna BG diz que “essa iniciativa rompe os limites da capital e leva o freestyle para várias regiões, respeitando as vivências e as potências locais”. “Não é só competição, é movimento de escuta e valorização”, ressalta. A rapper defende a maior presença feminina no rap. “Ser mulher na cena é resistência o tempo todo. A presença feminina nas batalhas é urgente. Quando uma mulher rima, ela abre caminho para outras se sentirem encorajadas a ocupar esse espaço. Não estamos aqui para pedir licença, mas para marcar território”, pontua.
A grande final da Copa Paraense de Rimas ocorrerá a partir das 19h do dia 23 próximo, no Memorial dos Povos, reunindo 16 MCs classificados nas seletivas regionais. A Copa contará, além das batalhas, com shows. No line-up, Moraes MV, um dos fundadores da Batalha de São Brás; Bruna BG, representando a potência feminina da cena; e DJ Black, também fundador e guardião da musicalidade das batalhas.
A atração nacional será o rapper carioca Big Bllakk. Ele é conhecido por dar voz às ruas e dialogar com as realidades das periferias brasileiras. A entrada é gratuita, e toda a programação pode ser acompanhada pelas redes da Batalha de São Brás.
Na veia
Um dos destaques nas seletivas da Copa é o MC Bobby, de Paragominas. Ele conta que começou a rimar em 2020 na Batalha do Jardela. "Comecei na organização e apresentando a Batalha, comecei a rimar aos poucos, fui vendo que eu tinha jeito e tô aí até hoje. O que me inspira é sempre buscar ser melhor que antes, é ser reconhecido pelas crianças da minha cidade e escutar que elas querem começar a rimar porque assistiram a uma batalha nossa aqui, na cidade", diz.
Para MC Bobby, "a Copa Paraense vai ser um divisor de águas, com certeza; quando acabar o evento, é que a gente vai ter a verdadeira noção do tamanho desse projeto".
Um dos pioneiros do rap no Pará, Preto Michel diz que o rap, a cultura hip hop, foi uma escada para ele desenvolver trabalhos, atuando atualmente como escritor marginal, negro e periférico. "A minha literatura periférica, ela é muito influenciada pelo hip hop, porque eu passei muitos anos militando na cultura hip hop", conta MC Preto Michel. Em 1998, ele criou a posse (grupo) "Grito Periférico" no bairro do Tapanã.
O rap entrou na vida de Preto Michel em 1993, quando ele escutou uma música da banda Os Racionais "Fim de semana no parque". "Eu me apaixonei, eu fiquei vidrado na letra. Foi a primeira vez que eu percebi que uma letra podia passar uma mensagem, e essa mensagem falava da periferia. Foi a primeira vez que eu ouvi alguém falando bem da periferia. Depois, de 1997 para 1998, voltei a ouvir Os Racionais e, então, descobri a importância de ser um jovem preto na periferia". Em 1999, ele descobre a Nação de Resistência Periférica (NRP), que reunia DJ Morcegão, DJ RG e outros que falavam sobre o movimento em Belém, cujos integrantes se reuniam no bairro da Terra Firme.
Em 2008, ele começou a escrever contos e poemas e criou o zine "Poesia Preta". Em 2012, lançou o primeiro conto "O Assobio da Matinta Perera" publicado na coletânea "Pelas Periferias do Brasil - Volume 4". Na próxima edição da Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes" ele vai lançar o livro "Vó Anastácia".
Sobre DJ Morcegão (Gilmar Rodrigues), falecido em 28 julho de 2025, Preto Michel destaca que ele é um pioneiro da cultura hip hop em Belém. Desde os anos 1990, Morcegão já tocava, e ele inovou na aquisição e uso das pick ups e na pesquisa musical. Contribui para a valorização das quatro expressões do movimento hip hop: DJ, rap, grafite e o break como instrumentos de conscientização de jovens nas periferias de Belém. Morcegão foi o primeiro DJ de rap a tocar em um grupo de rap, o M.B.G.C.(Manos da Baixada de Grosso Calibre), pioneiro desse estilo e proveniente da Terra Firme.
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