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Crescimento do protagonismo negro em telenovelas é reflexo de resistência

“Amor Perfeito”, nova novela das 18h da Globo, que traz um casal interracial com um filho negro como personagens principais, chama atenção para a necessidade da diversidade

Fernando Assunção
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Há mais de 71 anos na televisão brasileira, as novelas têm um histórico controverso quando o assunto é protagonismo negro. “Amor Perfeito”, nova novela que passa a ser exibida a partir desta segunda-feira (20) na faixa das 18h da Globo, que traz um casal interracial com um filho negro como personagens principais, chama atenção para a necessidade da diversidade racial na teledramaturgia brasileira. Atores e atrizes negros enxergam um avanço ainda lento, mas que vem sendo impulsionado nos últimos anos, graças à mobilização dos artistas e do movimento negro.

Atualmente, as três novelas inéditas no ar na Globo têm negros em papel de destaque: “Travessia” traz Lucy Alves como protagonista; “Vai na Fé”, com um casting de 70% de atores negros, segundo a autora Rosane Svartman, com destaque para a protagonista Sheron Menezzes; e “Mar do Sertão”, com um elenco negro representativo nos diferentes núcleos da trama - que terminou na última sexta-feira (17), dando lugar a outra história comprometida com a diversidade da população brasileira. Para Gaby Amarantos, cantora e atriz paraense, que no ano passado estreou em novelas como a Emília de “Além da Ilusão”, a mudança no cenário é reflexo da resistência negra dentro também da televisão.

image Emília, personagem de Gaby Amarantos em "Além da Ilusão", a estreia da paraense em novelas (Reprodução/João Miguel Junior/Globo)

“Todos os lugares em que a gente percebe as oportunidades sendo divididas com mais igualdade [racial] são resultado da nossa resistência - e não seria diferente nas novelas. A gente percebe que tem mais protagonistas, que as nossas histórias estão sendo contadas a partir do nosso ponto de vista. A Emília foi uma personagem que colocou a mulher negra em um lugar de poder, frequentando cassinos na década de 1940, 1950, onde a gente sabe que isso não era permitido. E acho que estar nos dias de hoje, contando a história da forma como a gente gostaria que ela fosse na realidade, é também um grande avanço”, diz Gaby Amarantos

Avanços são recentes

O destaque no negro em novelas ainda é recente, de menos de 30 anos: em 1996, Taís Araújo estrelava como a primeira protanogista negra da história das novelas, na icônica “Xica da Silva” da extinta TV Manchete. Quase 10 anos depois, em 2004, a mesma atriz interpretava a primeira protagonista negra na Globo: Preta de “Da Cor do Pecado”. Em 2009, Taís voltou a fazer história ao dar vida à primeira Helena negra de Manoel Carlos e primeira protagonista negra do horário nobre, em “Viver a Vida”. Outros casos marcantes foram Aline Dias como Joana em “Malhação” (2016), no primeiro protagonismo negro da série após 23 temporadas, e Lidi Lisboa no papel principal de “Jezabel”, da Record (2019).

A atriz, cineasta e pesquisadora paraense Rosilene Cordeiro reconhece e comemora a diversidade em novelas, mas, para ela, não é mais aceitável que a representatividade seja tratada como novidade. “A TV buscou representar uma sociedade brasileira vista como padrão e o padrão é branco, é de uma classe superior em detrimento das outras. Acho que o aparecimento de pessoas negras na teledramaturgia vem ao encontro de responder, também, a um despertar do senso social, que está mais crítico, mais consciente dos seus direitos, existe uma militância muito forte, entre uma série de esferas, que vão contribuindo para que a sociedade não mais engula a seco o que vão apresentando para a gente como uma representação do povo brasileiro”, destaca.

image A atriz, cineasta e pesquisadora paraense Rosilene Cordeiro (Arquivo Pessoal)

“Nós estamos em 2023, com um elenco de negros em destaque da dramaturgia, pela primeira vez na novela ‘Vai na Fé’. Você tem negros em diferentes núcleos: universitário, na advocacia, uma família de pessoas da periferia, mas com acesso à universidade, acesso a um tipo de cultura diferenciada. Mas isso em 2023. Gente, quanto tempo tem a televisão brasileira? Quanto tempo tem a teledramaturgia? Então, para a gente chegar em 2023 e ainda ter essa história do ‘nós temos a primeira novela com negros…já não dá. A gente não quer mais primeiro, a gente não quer mais esse protagonismo individual, é preciso que isso se torne rotina”, completa Rosilene.

Protagonismo por trás das câmeras e Amazônia em destaque

Diretamente do Jurunas, bairro da periferia de Belém, para os estúdios Globo, Gaby Amarantos conta que, apesar dos avanços, a luta ainda não encerrou e existem pelo menos dois aspectos que conduzem sua militância: mais negros por trás das câmeras e combate ao racismo regional. “Estando dentro da empresa, dialogando, percebo que há uma preocupação da Globo para fazer a gente se enxergar, mas ainda faltam oportunidades para as pessoas negras da Região Norte, da Amazônia. O racismo regional também nos limita. A gente também precisa pensar na necessidade de mulheres negras ocuparem os espaços onde essas histórias são construídas, dos autores, dos diretores”, reflete. 

A opinião é compartilhada pela atriz, diretora, roteirista e jornalista paraense Joyce Cursino. “O cenário está mudando porque as pessoas negras também começaram a assumir papéis de destaque nos roteiros, na direção das produções. É preciso ainda repensar quem está na frente, quem está por trás das câmeras e, principalmente, onde é que essas narrativas ocorrem e pela perspectiva de quem. Quem mora, quem faz, quem constrói e como constrói. Já está na hora da Amazônia, do Norte, deixar de ser só um cenário e que o mercado admita que aqui também tem atrizes e atores que podem ajudar a construir protagonistas, que podem elaborar essas histórias”, diz Joyce.

image Atriz, diretora, roteirista e jornalista paraense Joyce Cursino (Carmen Helena/O Liberal)

“É muito importante que a indústria, o cinema, a TV no Brasil compreenda que a gente precisa de uma reparação. O movimento é de reparação de todas essas histórias contadas outrora por pessoas brancas com olhar muito colonial sobre os nossos corpos e que ainda não está em uma linha de equidade - já que nós representamos a maioria da população brasileira, ainda temos um movimento tímido dessas pessoas no mercado”, finaliza Cursino. 

Protagonismo negro em novelas

1996 - Taís Araújo como Xica da Silva, em “Xica da Silva” (Manchete)

2004 - Taís Araújo como Preta, em “Da Cor do Pecado” (Globo)

2006 - Lázaro Ramos como Foguinho, em “Cobras e Lagartos” (Globo)

2009 - Taís Araújo como Helena, em “Viver a Vida” (Globo)

2009 - Camila Pitanga como Rose, em “Cama de Gato” (Globo) 

2015 - Camila Pitanga como Regina, em “Babilônia” (Globo)

2016 - Aline Dias como Joana, em “Malhação: Pro Dia Nascer Feliz” (Globo)

2017 - Heslaine Vieira como Ellen, em "Malhação: Viva a Diferença" (Globo)

2019 - Lidi Lisboa como Jezabel, em “Jezabel” (Record)

2019 - David Junior como Ramon, em “Bom Sucesso” (Globo)

2020 - Taís Araújo como Vitória, em “Amor de Mãe” (Globo)

2022 - Taís Araújo como Clarice e Anita, em “Cara e Coragem” (Globo)

2022 - Paulo Lessa como Ítalo, em “Cara e Coragem” (Globo)

2022 - Mariana Nunes como Judite, em “Todas as Flores” (Globoplay)

2022 - Lucy Alves como Brisa, em “Travessia” (Globo)

2023 - Sheron Menezzes como Sol, em “Vai na Fé” (Globo)

2023 - Levi Asaf como Marcelino, em “Amor Perfeito” (Globo)

2023 - Diogo Almeida como Orlando, em “Amor Perfeito” (Globo)

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