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Por Marco Antônio Moreira

Coluna assinada pelo presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), membro-fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e membro da Academia Paraense de Ciências (APC). Doutor em Artes pelo PPGARTES/UFPA; Mestre em Artes pela UFPA. Professor de Cinema em várias instituições de ensino, coordenador-geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), crítico de cinema e pesquisador.

O Homem que viu um anjo

Marco Antonio Moreira
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O cinema tem diversos artistas importantes que contribuíram sobre sua importância como arte inspiradora para muitos públicos. Entre diversos mestres do cinema que merecem menção e estudo, sem dúvida, o cineasta russo Andrei Tarkovski é um dos mais relevantes. Autor de vários filmes fundamentais para a história do cinema, Tarkovski completaria 90 anos no dia 04/04/22 e a celebração desta data é mais uma razão para falar sobre seu trabalho.

Tarkovski começou seu interesse pelo cinema, nos anos 1950, quando iniciou estudos no Instituto Estadual de Cinematografia VGIK, na Rússia. Neste período, teve contato com filmes do neorrealismo (Itália), nouvelle vague (França) e a obra de grandes mestres do cinema como Akira Kurosawa, Luís Buñuel, Ingmar Bergman e Robert Bresson. Em 1956, como estudante do instituto, ele dirigiu seu primeiro curta-metragem chamado Os Assassinos, baseado no livro de Ernest Hemingway. Em 1959, escreveu o roteiro com o amigo Andrei Konchalovsky (que depois desenvolveu carreira como roteirista e diretor na Europa e EUA) e dirigiu o filme O Rolo Compressor e o Violinista, seu trabalho de conclusão do curso de direção de cinema na VGIK que recebeu o prêmio de Festival Estudantil de Cinema de Nova Iorque em 1961.

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Nos anos 1960, ele realizou diversos filmes importantes que criaram intensas expectativas em críticos especializados e público como A Infância de Ivan (1962), Andrei Rublev (1966), Solaris (1972), O Espelho (1974), Stalker (1979), Nostalgia (1982) e O Sacrifício (1986). Com uma visão humanista vinculada a uma perspectiva artística transformadora, Tarkovski desenvolveu modos de escrever roteiros complexos com temas vinculados a diversas matrizes da condição humana que revelaram um artista preocupado com o mundo em que vivia e que, de certa maneira, pretendeu dividir suas reflexões com o público.

Seu conceito estético cinematográfico viabilizou a criação de cenas profundamente criativas e emocionantes que, muitas vezes, ampliaram o significado dos elementos da linguagem cinematográfica ao valorizar, por exemplo, o plano sequência (com movimentação da câmera em cenas sem cortes), a utilização distinta da fotografia com valorização da direção de arte (cenários, figurinos) e a elaboração sonora de seus filmes mesclando sons, música e silêncio, de maneira poética e sensível. Outro elemento importante de seu cinema é a atuação intensa de seus atores/atrizes em personagens que constantemente protagonizaram momentos antológicos e exemplares sobre a arte de atuar.

Tarkovski teve vários problemas com o governo russo em conflitos que inibiram o desenvolvimento da sua carreira no país. Apesar das dificuldades, ele dirigiu diversas obras que foram além das questões e perseguições políticas que sofreu durante sua trajetória artística que inclui atuação em outras áreas artísticas como na direção da versão teatral de Hamlet de William Shakespeare (1976) e na ópera Boris Godunov (1983) (ópera de Modest Mussorgsky baseada no drama homônimo de Alexander Pushkin e na história do império russo de Nikolai Karamzin), em Londres, e na produção de um programa de rádio de um conto do escritor americano William Faulkner. Como escritor, ele escreveu Esculpir o Tempo, uma das mais belas publicações sobre o cinema.

Com uma carreira premiada e reconhecida pela maioria da crítica especializada, Tarkovski, infelizmente, nunca teve um sucesso expressivo de público. Seus filmes raramente foram lançados nos cinemas comerciais. No Brasil, diversos filmes que ele concebeu demoraram muitos anos para serem conhecidos pelo público e, muitas vezes, conseguiram espaço de exibição apenas nos cineclubes, incluindo o cineclube da associação de críticos de nosso estado. 

Durante as filmagens de O Sacrifício, Tarkovski descobriu que estava com câncer. Ele concluiu as filmagens desta obra primas, mas infelizmente, faleceu em 29 de dezembro de 1986, aos 54 anos. Como cinéfilo, aprendi muito sobre a importância e significados do cinema por meio da obra de Andrei Tarkovski. Percebi que sua visão sobre o ser humano permitia interpretações sobre a complexidade da natureza humana em meio a temas que envolviam religião, fé, política, arte, desejos, futuro e ciência. O primeiro filme de Tarkovski que assisti foi Solaris e jamais me esquecerei do impacto das imagens, sons, música, história e personagens. Tal impacto se repetiu, de certa maneira, em todos os filmes de sua autoria que tive o privilégio de assistir em um ritual mágico de recepção e envolvimento únicos que sempre me emocionou.

Sobre Tarkovski, lembro-me de uma bela declaração de Ingmar Bergman: “Tarkovski para mim é o maior (de todos nós), aquele que inventou uma nova linguagem, fiel à natureza do cinema, uma vez que capta a vida como um reflexo, a vida como um sonho". Ao lembrar-me de sua vida e sua morte tão prematura, cito a frase que está em sua lápide: Andrei Tarkovski – ao homem que viu um anjo. Uma bela homenagem a um artista que procurou entender e refletir sobre a natureza humana, especialmente por meio da arte cinematográfica.

Felizmente, sua obra cinematográfica pode ser conhecida e valorizada nos cinemas, cineclubes, DVD, Blu-ray e canais de streaming. Além de seus filmes maravilhosos, procure ler sua obra escrita como Esculpir o Tempo e Diários (1970-1986) (com diversos relatos de sua vida pessoal e profissional que ele escreveu durante vários anos) e assista documentários sobre sua vida e obra como o excelente Andrei Tarkovski: Uma Oração de Cinema com roteiro e direção de seu filho Andrey A. Tarkovsky.

Conheça a obra deste gênio do cinema que dignificou o cinema como arte com seu talento e sensibilidade. Obrigado, Andrei Tarkovski!

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