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Marco Antônio Moreira

Coluna assinada pelo presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), membro-fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e membro da Academia Paraense de Ciências (APC). Doutor em Artes pelo PPGARTES/UFPA; Mestre em Artes pela UFPA. Professor de Cinema em várias instituições de ensino, coordenador-geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), crítico de cinema e pesquisador.

O Cinema como Memória: A Obra de Silvio Tendler

Marco Antonio Moreira
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O cinema brasileiro conta com artistas que contribuíram de forma expressiva para sua história, deixando um legado de filmes, ideias, atitudes e inteligência que jamais serão esquecidos. Silvio Tendler (foto), falecido esta semana, foi um desses grandes personagens, cuja obra revelou talento singular e profundo amor pelo cinema. Ao longo de décadas de intensa dedicação ao gênero documentário, consolidou-se como um dos nomes mais importantes da cinematografia nacional, garantindo seu lugar na memória e na história do cinema brasileiro.

Ele começou a demonstrar sua dedicação ao cinema nos anos 1960, participando dos cineclubes cariocas como espectador e depois como presidente da Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro. No período da ditadura militar no Brasil, buscou exílio no Chile e, depois, foi para a França, nos anos 1970, onde estudou História e Cinema. Retornou ao Brasil em 1976 e fundou a produtora Caliban, que se tornou uma das maiores produtoras nacionais, com mais de 80 filmes entre longas e curtas-metragens, dedicados em sua maioria a temas históricos.

Ao longo de mais de cinco décadas de carreira, Silvio Tendler produziu e dirigiu mais de 70 filmes e 12 séries televisivas. Os primeiros filmes dele que assisti foram vinculados à história dos presidentes Jânio Quadros (Jânio a 24 Quadros), Juscelino Kubitschek (Os Anos JK - Uma Trajetória Política) e João Goulart (Jango). Lembro-me de uma sessão histórica de Jango, em 1984, no Cinema 1, com a presença de diversos críticos de cinema, jornalistas e políticos, em um grande debate sobre o filme. Essas obras marcaram intensamente minha cinefilia e serviram de grande referência para a qualidade do cinema documentário no Brasil.

Tendler era conhecido como o cineasta dos sonhos interrompidos e sua obra sempre apresentou expressivo engajamento político, com constante valorização da preservação da memória histórica nacional. Assim, Tendler escolhia temas e personagens ligados ao Brasil para enriquecer os debates sobre várias questões fundamentais do país. Sua filmografia traz uma diversidade de personagens e interpretações marcantes. Filmes como Utopia e Barbárie (2009), Castro Alves – Retrato Falado do Poeta (1998), Milton Santos – Pensador do Brasil (2001) e Glauber – O Filme, Labirinto do Brasil (2003), sobre o cineasta Glauber Rocha, são alguns exemplos extraordinários de sua contribuição ao gênero documentário. Em 1981, ele dirigiu O Mundo Mágico dos Trapalhões, que levou quase 2 milhões de espectadores aos cinemas.

Sempre simpático e aberto a bons debates sobre qualquer assunto, Tendler era acessível às pessoas que o procuravam para falar sobre cinema. Em 2015, tive a oportunidade de conversar com ele sobre a exibição de uma mostra de filmes de sua autoria no Cinema Olympia, e ele imediatamente autorizou e enviou algumas obras para compor a programação, entre elas Tancredo: A Travessia (2011), Castro Alves: Retrato Falado do Poeta (1999), Utopia e Barbárie (2009) e Glauber – O Filme, Labirinto do Brasil (2003). Foi um momento cinéfilo expressivo dentro da programação do Olympia, pois possibilitou que muitos espectadores assistissem a suas obras na sala de cinema.

Outro contato prazeroso que tive com Silvio Tendler ocorreu durante a realização de uma série de entrevistas para minha pesquisa de doutorado sobre cineclubes, entre 2020 e 2021. Entrevistei-o em vários encontros on-line, e ele sempre se mostrou disposto a compartilhar seu pensamento sobre cinema e cineclubes de maneira animada e entusiasmada. Suas interpretações sobre filmes, cineastas e o mercado cinematográfico eram lúcidas e revelavam as ideias de um artista atualizado e preocupado com os caminhos do cinema autoral.

Em uma das entrevistas, ele afirmou que o mercado cinematográfico, especialmente o americano, cometia um verdadeiro cinemacídio, ou seja, um genocídio contra o cinema de autor, mais ligado à arte do que à lógica comercial. A participação de Silvio Tendler na minha tese de doutorado foi uma honra, e tive o privilégio de agradecê-lo diversas vezes por sua colaboração.

Em 2023, Tendler estreou nos cinemas seu último filme, o documentário "O futuro é nosso!", realizado a partir de entrevistas por videoconferência realizadas durante a pandemia, com a participação de importantes artistas como o cineasta britânico Ken Loach (diretor de excelentes filmes como Eu, Daniel Blake).

Lamento profundamente o falecimento de Silvio Tendler e espero que sua obra seja assistida, revisitada e debatida como uma das mais importantes filmografias do cinema brasileiro.

Obrigado, Silvio Tendler!

Dicas da Semana

  • Mostra Ingmar Bergman. Homenagem a um dos maiores diretores da história do cinema. 
  • Dia 9/9 - Vergonha (1968). Com Liv Ullman, Max Von Sydow.
  • Dia 16/9 - O Rosto (1955). Com Max Von Sydow.
  • Dia 23/9 - Sonata de Outono (1978). Com Liv Ullman, Ingrid Bergman (Cineclube SINDMEPA. Horário: 19h. Entrada gratuita)
  • O Último Azul de Gabriel Mascaro (Vencedor do prêmio Urso de Prata no Festival de Berlim) e Retrato de um Certo Oriente de Marcelo Gomes (Cine Líbero Luxardo).
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