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Marco Antônio Moreira

Coluna assinada pelo presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), membro-fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e membro da Academia Paraense de Ciências (APC). Mestre e Doutor em Artes (PPGARTES) pela UFPA, professor do Curso de Cinema e Audiovisual da UFPA, coordenador-geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), crítico de cinema e pesquisador.

O Agente Secreto

Marco Antonio Moreira
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O cinema realizado pelo cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, desde seu primeiro longa-metragem, O Som ao Redor (2012), apresenta características vinculadas a um estilo de cinema autoral que se torna admirável, pois é permeado por temas contemporâneos diretamente relacionados a diversas questões brasileiras. A memória surge como elemento de entendimento do passado, essencial para a compreensão do presente e para a projeção de novas ações no futuro; há também uma observação crítica da sociedade brasileira, especialmente das dinâmicas de classe, das estruturas de poder e das tensões sociais, além de uma constante preocupação em criar histórias que evitem o esquecimento de momentos políticos e sociais do país. Seus filmes tratam, de diversos modos e a partir de diferentes personagens, do passado recente brasileiro e de como ele molda o presente.

Além disso, é evidente que o cineasta é, antes de tudo, um cinéfilo que aprecia o cinema de modo expressivo e possui um vasto repertório de filmes. Desse modo, suas obras frequentemente apresentam referências cinematográficas a filmes, diretores e/ou gêneros. Nesse sentido, suas produções incluem, direta e indiretamente, citações sobre o cinema, incorporadas de maneira significativa em suas histórias e personagens. Entendo que essas citações cinéfilas são sempre bem-vindas, pois nos lembram das possíveis interpretações sobre a história do cinema por meio dos próprios filmes e, além disso, evidenciam a necessidade de ampliar o espírito cinéfilo dos espectadores, incentivando-os a buscar informações sobre esses trabalhos tão significativos para o diretor e, também, para as narrativas criadas por ele.

Essas características dos filmes de Mendonça Filho podem ser interpretadas por alguns como uma repetição em seu modo de pensar o cinema, algo evidente em suas obras de ficção (O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau) e no documentário (Retratos Fantasmas). No entanto, em seu novo filme, fica novamente claro que Mendonça Filho é um artista profundamente vinculado ao tempo presente e que demonstra, para além de possíveis repetições estéticas ou temáticas, uma preocupação em perseverar nas reflexões e questionamentos sobre os diversos tempos e espaços brasileiros.

Sua cidade natal, Recife, surge como um personagem recorrente em seus filmes: a arquitetura e os espaços urbanos (ruas, casas, prédios) funcionam como dispositivos para refletir memória, desigualdade e crescimento urbano, servindo como ponto de partida para pensamentos expressivos do espectador sobre o Brasil e suas complexas diversidades representadas em diferentes épocas. O cineasta, de modo criativo, sabe despertar a curiosidade do espectador sobre distintos contextos brasileiros, focalizando não apenas o passado, mas procurando compreendê-lo de modo que seja possível libertar o futuro de seus personagens e, quem sabe, o de um país.

Em O Agente Secreto, Mendonça Filho roteiriza e dirige uma história ambientada em 1977. Marcelo (em atuação excepcional de Wagner Moura), um homem de 40 anos que trabalha como professor especializado em tecnologia em São Paulo, retorna à sua cidade natal, Recife, tentando fugir de um passado misterioso. Ele chega com a intenção de reencontrar o filho, recuperar memórias de sua família (especialmente de sua mãe) e iniciar uma nova vida. No entanto, sua trajetória na cidade sofrerá reviravoltas imprevisíveis em uma trama que o diretor revela gradualmente ao espectador, sem pressa ou antecipações. Esse modo de construir múltiplos personagens, tramas e histórias também é uma marca do diretor: seus filmes permanecem indefiníveis até o momento exato em que o espectador compreende, enfim, qual é o eixo central da narrativa.

Nos primeiros minutos do filme, a maestria do diretor já se manifesta em uma cena ambientada em um posto de gasolina, quando Marcelo para  abastecer o carro e vê um corpo estendido no chão. Preocupado, ele questiona o dono/funcionário do posto sobre a situação e ouve que “não foi nada grave” e que “tudo será resolvido”. Após o susto, Marcelo tem seu primeiro contato com a normalização da violência — elemento que se repetirá em outras circunstâncias da narrativa.

Nesse início também surgem as primeiras imagens (reais ou imaginárias) do personagem: na estrada e, depois, no apartamento onde ficará hospedado, quando se depara com um gato de duas cabeças. Seria uma visão real? Uma construção imagética cinematográfica? Uma homenagem ao cinema surrealista, uma metáfora sobre as circunstâncias que viverá na cidade, ou apenas um elemento de estranhamento? Em seguida, surge a história da captura de um tubarão com uma perna humana no estômago. Outro mistério. Esse fato terá relação com a história de Marcelo? Talvez. Saberemos em outros momentos do filme.

Na próxima semana, concluirei minhas interpretações sobre O Agente Secreto. Assista ao filme. Vale ver — e rever.

Dicas da Semana

Festival de Cinema Francês do Brasil. De 27/11 a 10/12/25 (Cine Líbero Luxardo e Moviecom Pátio Belém).

O Pecado de todos nós de John Huston. Com Marlon Brando e Elizabeth Taylor.  (Cineclube SINDMEPA, Terça-feira, dia 2/12. Horário: 19h. Entrada gratuita).

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