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Marco Antônio Moreira

Coluna assinada pelo presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), membro-fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e membro da Academia Paraense de Ciências (APC). Mestre e Doutor em Artes (PPGARTES) pela UFPA, professor do Curso de Cinema e Audiovisual da UFPA, coordenador-geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), crítico de cinema e pesquisador.

O Agente Secreto em destaque

Marco Antonio Moreira
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Semana passada escrevi algumas interpretações sobre o filme O Agente Secreto e, hoje, continuo a refletir sobre o excelente trabalho de Kleber Mendonça Filho. A partir da definição do eixo principal da narrativa, quando entendemos que o personagem Marcelo (Wagner Moura) retorna a Recife para buscar seu filho e tentar sair do país em decorrência de questões políticas e profissionais, o filme se desenvolve em diversos aspectos e gêneros que enriquecem sua construção. Afinal, é característica do diretor a apresentação de um mosaico de temas e subtemas que se articulam de maneira inteligente, a ponto de o espectador não conseguir definir ou rotular plenamente suas reflexões após a sessão. Em O Agente Secreto, de modo versátil e criativo, acompanhamos com interesse a concepção de uma história ao mesmo tempo política, humana e histórica, atravessada por tensões sociais e políticas, além de memórias individuais e coletivas dos personagens, estruturadas sob múltiplas narrativas e gêneros.

Do drama ao suspense, do surreal (nas cenas da “perna cabeluda” que ataca as pessoas) ao espírito cinéfilo (com referências aos filmes O Magnífico, Tubarão e O Exorcista), do “semidocumentário” (imagens de personalidades militares em diversas cenas do filme) ao thriller de ação (a partir de sequências envolvendo crimes misteriosos, como a cena do tubarão capturado com uma perna no estômago, fato vinculado a um provável suspeito político), da exposição da conivência de alguns setores da sociedade civil com os poderes estabelecidos à inclusão de personagens que surgem em um tempo presente (coadjuvantes essenciais para o desfecho da obra), Mendonça Filho consegue elaborar um amplo painel sobre um tempo de “pirraça”, instigando no espectador reflexões sobre aquele período, mas direcionadas ao nosso tempo presente, ou seja, ao Brasil do século XXI, com olhar humanista sobre o que realmente importa: as pessoas.

Na elaboração de uma história política com características essencialmente humanas, especialmente por meio do protagonista Marcelo, que busca se reconciliar com seu passado (as informações sobre a mãe e o filho), Mendonça Filho opta por evidenciar aspectos do tempo da trajetória do personagem que extrapolam questões pontuais de política (poder), espaço (Recife) e tempo (passado). Essa reflexão emerge em diversas cenas do filme, desde o reencontro entre pai e filho em um passeio de fusca, passando pelo contato com os moradores de um prédio de “refugiados políticos”, até a lembrança da esposa falecida de Marcelo, morta em circunstâncias que podem ter relação com questões políticas.

Dessa maneira, o diretor expressa, nessa história tão diversa e repleta de vieses, uma preocupação com o futuro, que deve ser libertado, especificamente, pela memória, seja ela individual ou coletiva. Nesse sentido, em contraponto a um possível final com clímax mais comercial ou vinculado a um dos gêneros que permeiam a obra, o diretor prefere concluir com uma cena que nos leva, novamente, aos verdadeiros personagens de tantos fatos históricos expressivos, violentos, confusos e trágicos, presentes nos filmes e na vida real: as pessoas.

O final de O Agente Secreto, após o desfecho trágico de seu personagem principal — revelado no filme por meio de mais uma cena que realça a importância da memória —, acontece em nosso tempo presente, quando uma personagem (pesquisadora que teve acesso a áudios relacionados a Marcelo e a outros personagens), inserida em diversos momentos do filme para manter a relação entre passado (1977) e presente (2024/2025), se apresenta expressiva e emocionalmente envolvida com as histórias vivenciadas por meio de sua pesquisa realizada com atenção e sensibilidade. Essa pesquisadora completa a narrativa do filme, evidenciando o que me parece ser o mais valioso para o diretor: a memória como meio de apresentar novos futuros na vida de um país e, principalmente, na vida das pessoas.

O encontro dessa pesquisadora com o filho de Marcelo, em uma cena extensa e repleta de detalhes que merecem atenção, conclui o filme de maneira brilhante, pois persevera na proposta do diretor de pensar o país (passado/presente) e as pessoas. O filho de Marcelo tem poucas memórias sobre o pai, e quem efetivamente tenta reencontrá-lo com essa figura paterna é a pesquisadora, que por tantas horas ouviu Marcelo e tomou conhecimento sobre suas histórias e trajetórias. Ao querer compartilhar essas memórias com o filho de Marcelo, ela percebe um envolvimento diferente. A cena que mostra em detalhe o pen drive com os áudios do pai é expressiva ao mostrar, em seguida, a dúvida do filho em querer saber de tudo o que aconteceu, ou não, com o pai.

Mas nem tudo está sem memórias para o filho de Marcelo. Ele lembra do medo de assistir ao filme Tubarão, lembra que depois perdeu esse medo ao ver o filme e, especialmente, lembra onde o assistiu: exatamente no prédio que hoje é um hospital, mas que antes era um cinema, que fechou anos depois. O final simbólico, humano, cinéfilo e afetivo nos lembra do significado dos cinemas de rua para o diretor, presente especialmente no excelente documentário Retratos Fantasmas. Na insistência do diretor em preservar as memórias individuais e coletivas em suas obras, entendo que ele sempre interpretará a memória como referência de vida. Talvez o final de O Agente Secreto apresente indicativos de que devemos recordar o cinema (filmes, salas, diretores, atores), nossas histórias, as histórias do país e das pessoas para, quem sabe, esperar e ter um mundo melhor, claro, sempre com um espírito cinéfilo para amar o cinema e, evidentemente, amar a vida — de preferência por meio do CINEMA.

Dica da semana

Roda de Cinema do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC) sobre os melhores filmes de 2025 (Casa das Artes. Dia 10/12, às 18h30min. Entrada gratuita).

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