Açaí: patrimônio cultural e alimentar do Pará ganha dimensão internacional
A reportagem faz parte da série Gastronomia Pai D’Égua do Grupo Liberal, que tem o objetivo de mostrar um pouco das delícias do estado
No Pará, o açaí é muito mais que alimento. É raiz, é memória, é símbolo de identidade. Do interior à capital, do almoço em família ao restaurante badalado, o fruto roxo ocupa o centro do prato e da cultura paraense. E no restaurante Ver-o-Açaí, em Belém, ele é tratado como o verdadeiro protagonista da culinária local. A reportagem faz parte da série Gastronomia Pai D’Égua do Grupo Liberal, que tem o objetivo de mostrar um pouco das delícias do estado.
“O açaí é o nosso maior monumento culinário. Ele está no nome do restaurante porque é o que melhor representa a nossa identidade”, afirma Maurício Andrade Façanha, proprietário do grupo Ver-o-Açaí. Para ele, o crescimento da fama do açaí no Brasil e no mundo carrega dois lados: “É muito positivo ver o açaí como hiper alimento, ganhando o mundo. Mas isso também traz um desafio, o aumento no preço dificulta o consumo local. Ainda assim, é um produto insubstituível pela versatilidade e força cultural que tem”.
Maurício lembra como o açaí saiu do interior, passou pelas periferias e, de lá, conquistou novos paladares. Mas em Belém, ele segue sendo o que sempre foi, a comida de verdade, consumida com farinha e proteína. “Você não come peixe com açaí. Você come açaí com peixe. O açaí é o prato principal. O nosso PF não é arroz e feijão é açaí, farinha e uma proteína”.
Essa valorização da tradição se reflete na maneira como o restaurante atende os clientes. Para o turista que chega curioso, esperando o açaí doce, gelado e cheio de guloseimas, há uma espécie de aula sensorial, a “formação de caboco”. “A pessoa vem com uma memória doce do açaí, né? Aí a gente oferece ele puro, depois com farinha, depois com peixe. Eles se surpreendem. Tem impacto, mas acabam gostando. E aí, no fim, a gente ainda mostra o açaí com açúcar e tapioca como sobremesa. Pra mim, a melhor sobremesa do mundo”, diz Maurício, com um sorriso.
Os clientes paraenses também têm papel fundamental no movimento da casa. Segundo o empresário, há três perfis bem definidos: o turista curioso, o visitante que chega com medo de experimentar o açaí puro e o paraense orgulhoso. “Esse é o que mais me emociona. O paraense que traz o primo do Rio, a tia de São Paulo, e diz: ‘Tu tens que provar o açaí como a gente toma aqui’. Isso é orgulho da cultura”.
É o caso de Geisiane Lima, 29 anos, funcionária pública de Anajás, na Ilha do Marajó. Em visita a Belém, ela reforça o papel do açaí no cotidiano da família. “A gente come no almoço e na janta. É tradição mesmo, vem dos pais da gente. Sempre sem açúcar, com farinha. Desde pequena. Meu esposo também gosta muito”, conta.
Joelson Lima, 30, também servidor público e conterrâneo de Geisiane, diz que o consumo é diário. “A gente é viciado em açaí. Nossa família consome dois litros por dia, fácil. E é sempre do jeito raiz, sem açúcar, com farinha e proteína. Viemos aqui por causa da propaganda nas redes sociais, e já estamos encantados com tudo”.
Os pratos com o fruto são maioria absoluta nos pedidos. “O paraense toma sem açúcar. O turista, às vezes, coloca um pouco, mas o que a gente não aceita aqui é granola, MM, jujuba. A gente defende a raiz”, ressalta Maurício.
Além do sabor, o restaurante promove a diversidade do Pará à mesa. Com um cardápio que vai além do açaí, oferece experiências regionais completas como maniçoba, vatapá, caruru, mexilhão, filé de búfalo, tudo em porções ajustadas para quem quer provar um pouco de cada iguaria. “Porque o Pará não é só Belém. Tem o Pará da beira do mar, do interior, do Marajó, do sul. Cada canto tem seu jeito de comer, e isso precisa ser mostrado”, afirma.
Para Maurício, valorizar o modo tradicional de servir o açaí é um ato de respeito à cultura alimentar do povo paraense. Ele faz uma analogia para explicar: “Você chega no Japão e pede sushi com cream cheese no bairro mais tradicional, o cara nem vai saber o que é isso. Ou na Itália, e pede ketchup na pizza. Eles não fazem, porque defendem a cultura deles. A gente tem que fazer o mesmo com o açaí. Ele é o nosso patrimônio”, reforça Maurício.
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