Presidente da ANJ diz que decisão do STF em criminalizar jornais pode gerar autocensura

Corte votou medida que prevê condenar veículos de comunicação por declarações dadas por entrevistados; entidades mencionam riscos à liberdade de imprensa

Camila Azevedo
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Autocensura é a grande preocupação da Associação Nacional de Jornais (ANJ) sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em responsabilizar civilmente jornais por injúria, difamação ou calúnia proferida por um entrevistado. O colegiado votou a medida no início do mês de agosto e, para as entidades que representam os veículos de comunicação, a liberdade de imprensa pode ficar ameaçada.

A redação final da decisão ainda não foi divulgada pelo STF. Isso porque ainda há a divergência entre os ministros da Casa sobre as circunstâncias que permitem a condenação dos jornais, mesmo que a maioria tenha entendido pela possibilidade da responsabilização. O voto com maior número de adesões foi proferido pelo ministro Alexandre de Moraes. Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski (aposentado), Luiz Fux e Gilmar Mendes o seguiram.

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Segundo Moraes, a liberdade de imprensa é tida pelo conceito de "liberdade com responsabilidade", admitindo a possibilidade de análise e responsabilização pela publicação de informações "comprovadamente injuriosas". Entretanto, no entendimento de Marcelo Rech, presidente da ANJ, o cenário cria insegurança aos jornalistas e é propício para que a visão internacional da liberdade no Brasil seja mais prejudicada.

Rech comentou as consequências da medida em entrevista ao Grupo Liberal e apontou esperanças de haver mudanças nos votos com a redação do texto final. Acompanhe:

Como o senhor avalia os argumentos dos ministros?

Marcelo Rech: Bom, primeiro preciso dizer que a imprensa, de uma forma geral, a imprensa profissional, os jornais, mas também rádios, televisões e sites de jornalismo entendem que a liberdade deve ser sempre exercida com responsabilidade. Tanto que o jornalismo profissional está cercado de procedimentos e técnicas que sustentam essa responsabilidade, os códigos de conduta, os chamados códigos de ética, os valores e princípios da profissão e da atividade de comunicação como um todo. Entre eles está sim identificado um erro, uma informação equivocada que acontece. Ninguém é imune a cometer erros na atividade profissional, até porque é uma atividade dinâmica e muitas vezes subjetiva.

É extremamente preocupante porque ela gera uma insegurança muito grande. A imprensa não está imune a erros, mas, uma vez identificados, ela corrige. A decisão como está hoje cria uma insegurança muito grande.

Entrando um pouco nessas consequência, o senhor já falou que gera insegurança, eu queria entender de que forma essas consequências podem ser vistas no dia a dia, caso não haja uma reversão.

O que vai ocasionar é uma autocensura em que vai se criar um manto de silêncio se um entrevistado fizer um ataque, uma acusação, uma crítica mais pesada a uma pessoa. Uma vez que o jornal pode ser condenado por isso, a valores muito altos de indenização, a tendência é a autocensura, o que é muito ruim para a liberdade de imprensa, péssimo para o direito à informação.

Anteriormente, em uma nota já divulgada pela ANJ, o senhor havia comentado que o caso estava sendo acompanhado, devido a gravidade, por instituições internacionais. Já existe algum parecer delas? Alguma coisa que o senhor pode adiantar pra gente?

As instituições internacionais têm um caso específico e esse caso desperta muito interesse em um dos centros mais respeitados de liberdade de imprensa do mundo, que é a Universidade de Columbia, em Nova York. Ele [o caso] vem sendo acompanhado no Centro de Liberdade de Imprensa desde a origem e eles não atualizaram, ainda, essa informação. É muito recente. É um centro de estudos, mas na medida em que as entidades vão tomando conhecimento deste episódio, possivelmente a imagem do Brasil em termos de liberdade de imprensa ficará ainda mais agravada do que já está.

Nós já estávamos em uma situação, digamos, um pouco delicada, em relação à relação de ranking de liberdade de imprensa. Como isso afeta ainda mais o país?

O Brasil tem uma posição bastante negativa em termos de liberdade de imprensa, não porque não existe democracia, ou porque não existe liberdade no Brasil, é que existem formas de sufocar a imprensa, formas de intimidar o jornalista que são variadas, desde aquelas violentas, as agressões, mortes, assassinatos que vimos ocorrer, sobretudo nas localidades mais remotas, até agressões físicas em coberturas de manifestações, eventos e, mais recentemente, temos visto com uma frequência preocupante o chamado assédio virtual e moral sobre jornalistas, particularmente mulheres que são agredidas como uma forma de tentar intimidar a atividade do profissional.

Nesse sentido, Marcelo, a ANJ, como o próprio nome já diz, uma associação nacional, teria alguma coisa que consiga fazer para reverter a situação?

Nós estamos esperando e desejando que a redação final deste voto do STF, porque não teve a redação final ainda, faça pelo menos algumas ressalvas. A imprensa não está se eximindo nunca de responsabilidade e a ressalva é que haja uma deliberada tentativa, comprovada e não suposta, que o jornalista e veículos de comunicação, ao publicar uma informação equivocada ou errada e permanecer nesse erro, que seja flagrantemente errado e que haja uma deliberação de comunicar essa informação, porque, se não, nós ficamos a mercê de versões e controvérsias sobre o que é verdadeiro ou mentira. O certo e o errado não são absolutos e isso é muito perigoso de ser colocado no Brasil, porque leva a uma insegurança adicional à atividade.

Caso não haja a possibilidade de reversão da situação, existe alguma orientação da ANJ para os veículos de comunicação?

Nós ainda estamos em fase de discussão, nós precisamos esperar a redação final deste voto, mas, de qualquer modo, pelas próprias conversas internas entre editores, já se cria uma situação de muito preocupação e de insegurança, que provavelmente vai levar a restrições adicionais ainda maiores do que as naturais da atividade, que é exercida com responsabilidade. Nem tudo que é apurado, é divulgado. É feita a conferência dos fatos.

Entenda o caso

O processo foi ajuizado pelo ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho (já falecido), que militou contra a ditadura militar. Em entrevista dada ao jornal Diário de Pernambuco, Zarattini foi acusado por um simpatizante da ditadura de ter participado de um atentado a bomba em 25 de julho de 1966, no Aeroporto de Guararapes, que matou três pessoas. Na época, o então parlamentar processou o periódico e o caso foi levado ao STF em 2017.

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