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Pará tem mais de 3,8 mil processos para desocupação de terras na Ouvidoria Agrária

Desembargador e ouvidor agrário do Tribunal de Justiça do Pará acredita que revolução agrária demanda condições mínimas para mitigar déficit de moradia rural

O Liberal
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O Pará possui, atualmente, 3.806 processos para desocupação de terras pendentes nas cinco sedes da Ouvidoria Agrária do Tribunal de Justiça do Pará (TJ/PA): Marabá (221); Altamira (616); Santarém (846); Castanhal, a maior região de atuação da Ouvidoria (1.947); e Redenção, a menor sede do órgão (176). Na primeira entrevista do videocast Habeas Datas, com apresentação do advogado Raul Luiz Ferraz Filho, o desembargador Mairton Marques Carneiro, ouvidor agrário do TJ/PA, explica como o projeto Revolução Agrária pode garantir as condições mínimas para mitigar o déficit de moradia rural.

Mairton estava na 6ª Vara Cível da capital antes de ascender ao desembargo, e atuou em várias comarcas do interior. “Quando assumi a Ouvidoria Agrária percebi que eu tinha que ter uma ideia para acabar com essa situação. E aí me surgiu a ideia de fazer uma espécie de Revolução Agrária, hoje nome do projeto que é inclusive encampado pelo governo do estado. Imagina, o fazendeiro, depois de uma longa batalha judicial, consegue despejo compulsório, aí a polícia retira os ocupantes da área. Logo em seguida, os ocupantes dela ficam nas imediações, naquela situação promíscua, jogados, pegando sol, chuva, enquanto a polícia está por lá, às vezes é picado por cobra ou outro inseto e até morre. Isso aqui fica uma crítica ao direitos humanos, que não observava isso”, pontuou.

O projeto foi lançado no final do segundo semestre de 2021, durante a realização de 100 cerimônias de oficialização de união, em um casamento comunitário promovido pelo TJ/PA. De acordo com o ouvidor, a revolução que ele propõe é intelectual, diminuindo as possibilidades de ocorrências de novos conflitos agrários.

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“E eu venho colocando essa ideia desde 2019, mas, para que haja a fixação dessa pessoa na terra, tem que ter um motivo, se houver um casamento, aí são duas pessoas, não é mais só o homem ou a mulher, e daqui a pouco tem o filho, e eu vejo que o casamento comunitário faz parte do projeto maior que é a revolução agrária. Porque fixa o homem na terra, daqui a pouco cria amor na terra, vai criando seus filhos, os seus filhos vão já se adaptando, o amor até a produção, essa que é a grande ideia”, explica.

Para que seja possível esse novo projeto, é preciso uma estrutura mínima, que garanta, por exemplo, o acesso à educação, e condições para agricultores produzirem e, efetivamente, tirarem o sustento da terra. “Só pra você ter uma ideia, a Revolução Agrária, o projeto todo, proíbe até que as pessoas fiquem cobrando do governo qualquer tipo de cesta básica, porque a cesta básica terá que sair própria terra. Ele vai dar o insumo. Ele vai dar os ensinamentos específicos, para que efetivamente a revolução aconteça, não como estamos sendo feito nos dias de hoje”, detalha.

O desembargador acredita que a iniciativa vai ajudar a frear a ocupação desordenada que hoje ocorre em terrenos particulares. Vale ressaltar que as desocupações compulsórias estão suspensas até o próximo mês de junho, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Mairton afirma que há, ainda, um clamor do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, para que haja um cuidado nos despejos compulsórios, para que não haja o que ele classificou como caos social.

“Por exemplo, dos 221 processos de Marabá, nós temos que desocupar 44 fazendas hoje ocupadas irregularmente. Então o que irá acontecer? Nós temos que fazer um plano também, não vai ser de forma aleatória, tem que ter um plano de retirada dessas pessoas, mas mesmo assim irá haver um caos social. Em Castanhal, são 50 fazendas para serem desocupadas”, diz. Para ele, se o despejo compulsório ocorrer de forma conjunta, haverá violência, principalmente pelo cenário econômico agravado pela pandemia da Covid-19.

Além disso, o desembargador traz para a pauta a importância de parcerias com órgãos como o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra). Esse trabalho multissetorial seria fundamental para que as pessoas que ocupam essas terras tenham primeiramente, ciência da necessidade de desocupação da mesma.

“Porque não é humano simplesmente jogar essas pessoas na rua com tudo que têm e criar um problema social maior, porque essas pessoas vão para as cidades próximas, vão ficar sem norte, sem destino. São famílias. Antes de qualquer situação, antes de qualquer despejo compulsório, o magistrado vai chamar as pessoas que ocupam aquela área e explicar para elas porquê está sendo feito aquilo e quando vai ser feito, para que essas próprias pessoas se preparem pra saída”, destacou.

O que faz a Ouvidoria Agrária?

A Ouvidoria Agrária passou a existir desde 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal brasileira. Depois, em 2002, o Pará criou a Lei 6.407, que regulamentou a criação de 10 varas agrárias em todo o Estado. Atualmente, são cinco regiões agrárias em território paraense, em pleno funcionamento: Santarém, Marabá, Altamira, Castanhal e Redenção. A intenção é implementar pelo menos mais uma sede, para ampliar o acesso e a abrangência desse serviço à população.

“Essas sedes abrangem diversos municípios e são onde as pessoas fazem os seus reclames e os juízes agrários, muitas vezes, vão na área específica para olhar a realidade do que está acontecendo. E é bom que se diga, essas varas foram criadas devido justamente os conflitos no campo que foram muito acirrados, mais especificamente o Eldorado de Carajás. É uma coisa que não pode mais acontecer aqui no estado do Pará”, afirmou o ouvidor Mairton Marques Carneiro, que ocupa o cargo desde 2019.

De acordo com o desembargador do TJ/PA, se percebe que há muitos casos do Pará sendo destaque em manchetes nacionais em razão dos conflitos agrários, e que, depois da criação das ouvidorias, houve uma melhora desse cenário. “Nós não tivemos mais nenhum evento de grandes proporções que tomasse a mídia nacional. Talvez a Ouvidoria tenha conseguido esse intento de minorar pelo menos esses eventos danosos de grande destaque nacional. Essa é uma impressão minha”, diz.

Mas o ouvidor lembra de alguns incidentes posteriores, como o conflito que resultou na morte da missionária Dorothy Stang, em Anapu, e ainda outro caso em Pau D'Arco. Na região sudoeste do Pará, o município de Altamira figura como um dos que concentra potencial para conflitos, mas, segundo o ouvidor, há um trabalho com os órgãos competentes para que não ocorram conflitos como o de Eldorado de Carajás, até porque, quando chega o caso à Ouvidoria, é porque já existe a situação conflituosa – quando pessoas ocupam uma área e o proprietário recorre ao órgão para retirar os invasores.

Muito desse processo de ocupação se deve, de acordo com o ouvidor, a quantidade de maranhenses que chegaram ao sul do Pará, no fim da década de 80, por conta da ferrovia da Vale. Na época, segundo Carneiro, mil famílias vinham ao estado a cada viagem de trem, e desembarcavam nos municípios de Marabá, Curionópolis, Parauapebas, Eldorado de Carajás e os fazendeiros buscavam essas pessoas para trabalho, e as colocavam em situação análoga à escravidão, o que dava início aos conflitos.

“Dentro do propósito do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, nós estamos fazendo com que as pessoas efetivamente não pratiquem mais esse tipo de invasão de terra ou ocupação de terra que não são deles. Até um certo tempo atrás era muito comum, no sul do Pará, a figura do gateiro, aquele sujeito que ia buscar essas pessoas desprovidas de recursos e que estavam ao léu, principalmente no Maranhão, aí traziam para o sul do Pará e muitas vezes caiam em fazendas e iam trabalhar na condição análoga a de escravo. E eu já vivi essa experiência numa empresa que eu trabalhei e a atuação do Ministério Público do Trabalho é intensa em cima dessa atividade lícita, mas na época não era tão combatida. Eles chegavam já devendo e os fazendeiros não deixavam eles irem embora”, finalizou.

Sobre a reforma agrária, o ouvidor pontua que era feita de forma inadequada quando iniciou a carreira. Na época, início da década de 90, os fazendeiros que perdiam terras para invasores eram indenizados, mas, posteriormente, os próprios ocupantes do terreno vendiam os lotes de volta para os fazendeiros. A intenção da Revolução Agrária é mudar a configuração desse cenário. Mais informações e a entrevista completa com o ouvidor Mairton Marques Carneiro vai ao ar nesta segunda-feira (23), no programa e videocast Habeas Datas, disponível no LibPlay, a partir das 11h, no site oliberal.com. A coluna já possui uma versão no impresso do jornal O Liberal.

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