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Decisão do STF que eleva risco de judicialização contra imprensa replica conceito do PL das Fake News

Advogados avaliam que equiparação de veículos de imprensa com plataformas não se justifica

O Liberal
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Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que eleva o risco de judicialização em torno de reportagens, já que dá aval à responsabilização da imprensa por declarações de entrevistados, replicou uma expressão do chamado PL das Fake News, que tinha como alvo as plataformas de internet. A tese tem repercussão geral, ou seja, deve servir de parâmetro para o julgamento de casos semelhantes em todo o país.

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O Supremo estabelece, na decisão da última quarta-feira (29), que, "na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro", a empresa jornalística poderá ser punida se estiverem presentes duas condições.

A primeira condição é se, à época da divulgação da entrevista, "havia indícios concretos da falsidade da imputação". E a segunda, se "o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios".

Dever de cuidado

Os ministros não definem, no entanto, o que seria o “dever de cuidado” no caso de apurações jornalísticas. Essa expressão era central no PL das Fake News, que empacou no Congresso Nacional e se voltava à regulação das big techs.

Na versão mais recente do projeto, as obrigações do dever de cuidado eram descritas em uma seção que ocupava pouco mais de uma página e meia, que especificava os crimes envolvidos nos conteúdos potencialmente ilegais sobre os quais as plataformas deveriam atuar e como seria a avaliação da atuação delas em relação a isso.

No caso da tese de repercussão geral do STF, com dois parágrafos, não detalha o que se entende como dever de cuidado - o Supremo ainda publicará um acórdão para detalhar a decisão. Porém, em seu voto, o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, chegou a mencionar mais detalhes, que ainda não entraram na formulação do colegiado.

Seriam eles: "observação, na própria publicação da entrevista, de que há elementos que contradizem a imputação, de que sua veracidade não pode ser verificada ou está pendente de definição; (ii) concessão do direito de resposta ou outra forma de contraditório ou direito de retificação; ou, ainda, (iii) publicação de matéria com outra versão ou com esclarecimentos, ainda que posteriormente".

O ministro Gilmar Mendes afirmou, em entrevista à Folha, que a decisão do STF poderá ser ajustada. Na pesquisa de jurisprudência do STF pode-se hoje encontrar o uso da expressão "dever de cuidado" em apenas sete acórdãos, três relativos a acidentes de veículos automotivos e nenhum em relação a conteúdo.

Já o ministro Barroso, em seu voto, fez um paralelo explícito do dever de cuidado nas plataformas e na imprensa. "Tem ganhado destaque o modelo regulatório que se baseia em um dever de cuidado (duty of care) ou de diligência (due diligence) das plataformas digitais em relação ao conteúdo que hospedam", diz, em um trecho.

"Apesar de ter como pano de fundo a Era Digital e como objetivo principal os desafios da liberdade de expressão no ambiente das plataformas digitais, entendo que esse debate produz efeitos também em relação à liberdade de imprensa e à responsabilização dos meios de comunicação social na divulgação de conteúdos ilegais ou ilícitos”, continua.

Avaliações

O advogado André Marsiglia, doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirmou, também em entrevista à Folha, que a ideia de responsabilidade das empresas por declarações de terceiros se coaduna com a lógica usada pelo ministro Alexandre de Moraes quando ele trata das big techs. Segundo ele, seria uma espécie de analogia: se a plataforma deve ser responsável pelo conteúdo dos usuários, a imprensa deve ser responsável pelo conteúdo ilícito dos entrevistados.

Na avaliação do especialista, tal analogia não é pertinente, uma vez que, diferente da manifestação individual em rede social, a liberdade de imprensa seria um direito coletivo, relativo à liberdade de se informar. Para ele, a tese deve intensificar a tramitação de ações de pessoas que se sentiram ofendidas por declarações publicadas na imprensa. "Vai ter uma onda não só de ações como de condenações", diz.

Já o mestre e doutorando pela Universidade de Sevilha na área de liberdade de expressão, Marcelo Malheiros Cerqueira, avalia que a equiparação de veículos de imprensa com plataformas não se justifica. Ele ressalta que a tese divulgada pelo Supremo tem, além do "dever de cuidado", outro trecho muito amplo, o que trata de "indícios concretos" de veracidade dos fatos.

"A definição da verdade de um fato nem sempre é unívoca, em muitos casos vamos ter fragmentos. Quem vai dizer se a apuração foi suficiente ou não?", questiona. Na opinião de Cerqueira, o uso pelo Supremo de termos vagos deve manter o problema atual no julgamento de casos sobre liberdade de expressão pelo país: sem critérios claros, juízes têm uma ampla margem de subjetividade.

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