No Pará, 35 casos de calúnia e difamação são registrados por dia
“Internet não é terra sem lei”, diz a delegada Jacyara Sarges, da Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos, da Polícia Civil do Pará
No Pará, 35 casos de calúnia e difamação são registrados por dia. A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informa que, em 2025, de janeiro a agosto, foram registrados 3.724 casos de calúnia e 4.942 de difamação no Estado. Em relação ao ano de 2024, no mesmo período, foram registradas 3.634 ocorrências de calúnia e 4.745 de difamação. No ano de 2023, foram registrados, respectivamente, 3.755 casos de calúnia e 4.659 de difamação.
Muitas vezes as pessoas nem percebem que podem estar sendo vítimas desses crimes, porque tal prática, em muitos casos, ocorre por meio da publicação, nas redes sociais, de figurinhas, brincadeiras e memes.
E, com o avanço da digitalização e o uso massivo das redes sociais, crimes como calúnia e difamação têm se tornado cada vez mais comuns no ambiente virtual. A delegada Jacyara Sarges, da Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos, da Polícia Civil do Pará, explicou em entrevista os desafios e características dessas infrações e, também, os procedimentos adotados nas investigações e orientações às vítimas.
“Os crimes de calúnia e de difamação são crimes contra a honra, onde ocorre a ofensa à reputação da vítima perante a sociedade, a forma como a sociedade enxerga aquela vítima”, disse. O crime de calúnia se diferencia do crime de difamação porque, no crime de calúnia, existe a imputação de um crime a alguém que o agressor sabe não ser verdadeiro.
“Então, não é apenas você acusar alguém de maneira genérica. Quando você imputa um fato criminoso à vítima - por exemplo, quando eu digo que uma pessoa praticou um furto em determinado local. É um ato bem específico”, explicou.
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A difamação, por sua vez, ocorre com acusações genéricas, com imputações de fatos ofensivos, como quando a pessoa chama alguém de ladrão ou ofende a imagem da pessoa perante seu círculo social. A delegada destaca que o ambiente digital se tornou o principal meio de propagação desses crimes: “Ainda temos situações presenciais. Contudo, com essa imersão da sociedade no meio digital, o meio digital está completamente imerso em nossa rotina. Utilizamos nossos celulares para tudo e as redes sociais fazem parte do nosso dia a dia. Por conta disso, cresceu o número de crimes de calúnia e difamação nas redes sociais”, afirmou.
Ainda segundo a delegada Jacyara Sarges, os criminosos utilizam ferramentas como grupos de WhatsApp e perfis falsos no Instagram: “A gente já viu, por exemplo, a criação de perfis falsos com o objetivo específico de praticar calúnia ou difamação contra as vítimas”, comentou.
Prejuízos além da reputação
Os danos não se limitam à imagem pública: “Em alguns casos, observamos que as vítimas têm prejuízos para além da reputação: financeiros, no mercado de trabalho, e até em seus relacionamentos. Já tivemos casos em que a vítima perdeu o emprego ou terminou um relacionamento. Todo o contexto social em que ela está imersa, que vai além de sua reputação, também pode ser prejudicado”, afirmou.
A apuração desses crimes, segundo a delegada, envolve um trabalho técnico: “É relativamente complexo. Quando a vítima nos procura, precisamos saber o meio pelo qual ela foi vítima. Exemplo: se foi pelo WhatsApp, qual grupo? Qual numeral fez o compartilhamento? Se foi via Instagram, qual o perfil, a URL, para que possamos expedir os ofícios e dar andamento à investigação para chegar àquela autoria”, detalhou.
Mesmo com o registro da ocorrência, a remoção do conteúdo postado não é algo automático. “A vítima faz o registro da ocorrência, eu peço a preservação desses perfis, porque, às vezes, o autor apaga o perfil. E aí fica mais difícil investigar. Então solicitamos às plataformas a preservação do perfil, eu faço a solicitação dos dados e a gente faz o pedido para as plataformas excluírem. Não são todos os casos em que a gente consegue. Muitas vezes existe a resistência das plataformas em excluir, mas a gente pode conseguir isso via judicial”, afirmou.
Os danos não se limitam à imagem pública: “Em alguns casos, observamos que as vítimas têm prejuízos para além da reputação: financeiros, no mercado de trabalho, e até em seus relacionamentos. Já tivemos casos em que a vítima perdeu o emprego ou terminou um relacionamento. Todo o contexto social em que ela está imersa, que vai além de sua reputação, também pode ser prejudicado”, afirmou.
A apuração desses crimes, segundo a delegada, envolve um trabalho técnico: “É relativamente complexo. Quando a vítima nos procura, precisamos saber o meio pelo qual ela foi vítima. Exemplo: se foi pelo WhatsApp, qual grupo? Qual numeral fez o compartilhamento? Se foi via Instagram, qual o perfil, a URL, para que possamos expedir os ofícios e dar andamento à investigação para chegar àquela autoria”, detalhou.
Mesmo com o registro da ocorrência, a remoção do conteúdo postado não é algo automático. “A vítima faz o registro da ocorrência, eu peço a preservação desses perfis, porque, às vezes, o autor apaga o perfil. E aí fica mais difícil investigar. Então solicitamos às plataformas a preservação do perfil, eu faço a solicitação dos dados e a gente faz o pedido para as plataformas excluírem. Não são todos os casos em que a gente consegue. Muitas vezes existe a resistência das plataformas em excluir, mas a gente pode conseguir isso via judicial”, afirmou.
Responsabilidade de quem compartilha
No meio virtual, a responsabilidade é apenas de quem publicou ou se estende a quem compartilhou. “Existe no crime de calúnia um dispositivo expresso de que o indivíduo que, sabendo ser falso, também faz a divulgação, pode ser penalizado”, acrescentou.
A delegada citou casos envolvendo pessoas politicamente expostas: “Tivemos casos de autoridades do estado que foram vítimas. Criaram perfis falsos, fizeram divulgações ou até ofereceram produtos de furto ou roubo, prejudicando suas imagens. Essa ação precisa ser rápida para que a plataforma retire o conteúdo. Às vezes, não é algo muito simples, e entramos com representação judicial para conseguir a retirada desse conteúdo”, afirmou.
A delegada Jacyara Sarges também falou sobre os canais de denúncias. “A vítima pode procurar qualquer delegacia para registrar a ocorrência ou vir direto à nossa diretoria especializada nesse tipo de crime”, disse. Sobre prevenção a esses crimes, ela explicou que é muito difícil, porque está na esfera de controle de terceiros.
“O que eu oriento é: seja rápido. Assim que você tomar conhecimento de que foi vítima de um crime de calúnia, foi acusado falsamente de algum crime ou que estão acabando com sua reputação na internet, registre o boletim de ocorrência o mais rápido possível, para que a gente consiga fazer com que esse conteúdo seja retirado o mais rápido possível”, afirmou.
“Internet não é terra sem lei”, diz delegada
Ao ser responsabilizada, a pessoa volta a reincidir nessa prática? “Falando de forma empírica, a experiência mostra que, quando essas pessoas são responsabilizadas, geralmente não reincidem. Elas vêm prestar declarações, ficam assustadas e dizem: 'Achei que não fosse dar em nada. Só estava fazendo um comentário na internet’. Então, excluem o comentário e não praticam mais”, contou.
“A internet não é terra sem lei”, disse a delegada. “As pessoas acham que estão protegidas sob o manto do anonimato, mas é possível descobrir quem está por trás desses perfis. Mesmo sem identificação, com perfil fake, utilizando fotos de terceiros para difamar ou caluniar, achando que não vão ser pegas, conseguimos chegar à autoria na maioria dos casos”, afirmou. Ela acrescentou que é preciso compreender que existe um limite entre a liberdade de expressão e atingir a honra de alguém. “Com certeza haverá punição para esse tipo de crime. Por isso, é importante denunciar. A denúncia é fundamental”, afirmou.
Cuidados que devem ser tomados nas redes sociais
O advogado criminalista Kewin Damasceno ressalta a necessidade de atenção no uso das redes sociais, que podem amplificar significativamente o potencial de dano à honra de uma pessoa. “A legislação brasileira, ao reconhecer a dimensão dessas ferramentas, estabelece que, se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena. Isso significa que as postagens, comentários e compartilhamentos online não estão isentos de responsabilidade legal", ressalta Damasceno.
Inclusive, ele conta que um meme ou uma figurinha compartilhados nas redes sociais podem ser considerados calúnia ou difamação. "A forma com que a mensagem é transmitida — seja por texto, imagem, áudio ou vídeo — é secundária para a Justiça; o que realmente importa é o seu conteúdo e a intenção por trás de sua criação ou compartilhamento, bem como o impacto que essa mensagem gera na honra da pessoa", reforça.
Segundo Damasceno, para que o crime se estabeleça nessas circunstâncias, é crucial que a pessoa alvo da mensagem seja claramente identificável, mesmo que seu nome não seja explícito, podendo ser por referências visuais, caricaturas ou o contexto, que podem ser suficientes para que terceiros a associem à ofensa. Mas é necessário analisar a intenção de quem criou ou compartilhou o material.
"(...) Embora o humor e a sátira sejam protegidos pela liberdade de expressão, eles possuem limites. Um meme que ultrapasse a linha do razoável e se torne uma ofensa direta ou uma mentira sobre um fato desonroso ou criminoso não será protegido pela liberdade de expressão, podendo gerar responsabilidade legal para seus criadores e divulgadores", afirma.
O advogado alerta os cuidados a serem tomados nesses ambientes digitais, já que, uma vez online, o conteúdo é de difícil remoção e pode ser usado como prova jurídica. Ele alega que é fundamental atacar ideias, e não pessoas, direcionando críticas a argumentos ou opiniões, em vez de recorrer a ataques que possam ser configurados como calúnia ou difamação. Para isso, é preciso respeitar a privacidade alheia e não divulgar informações pessoais ou íntimas de outras pessoas sem o consentimento delas.
“Verifique a veracidade da informação antes de compartilhá-la, especialmente se ela for negativa ou acusatória sobre terceiros, para não ser cúmplice na disseminação de fake news ou calúnias. Evite o uso de termos pejorativos, insultos ou qualquer linguagem que possa ser interpretada como um ataque à dignidade ou ao decoro alheios. Reflita sobre o impacto potencial de suas palavras: pergunte-se se a publicação pode prejudicar a reputação ou a autoestima de alguém”, adverte.
Como saber se foi vítima?
Para identificar se foi ou não vítima de algum dos dois crimes, depende da natureza da ofensa recebida. Kewin comenta que a pessoa pode se considerar vítima de calúnia se foi falsamente acusada de ter cometido um crime específico.
E, o reconhecimento de uma difamação, deve verificar a atribuição de fato desonroso, que não é um crime, mas que tem o poder de manchar a reputação da vítima perante outras pessoas. "O ponto-chave em ambos os casos é que a ofensa é divulgada a outras pessoas, buscando prejudicar a imagem pública da vítima", pontua.
Ele destacou a importância de a vítima processar o ofensor por meio de uma queixa-crime, “que deve ser apresentada por um advogado”. Damasceno relata que pessoa lesada tem o direito de buscar uma indenização por danos morais na esfera cível, independentemente do desfecho do processo criminal.
Kewin esclarece que o processo de denúncia e reparação pelos danos causados envolve algumas etapas cruciais, que podem ocorrer tanto na esfera criminal quanto na cível. Para isso, é necessário reunir provas, como capturas de tela de publicações, mensagens, gravações de áudio ou vídeo e depoimentos de testemunhas, além da lavratura de uma ata notarial em cartório para registrar o conteúdo digital, o que confere maior validade jurídica. E, de acordo com o advogado, um Boletim de Ocorrência em uma delegacia pode fortalecer a documentação do caso.
"O passo seguinte e fundamental é a contratação de um advogado, que será responsável por analisar a situação, definir a estratégia legal e elaborar a "queixa-crime" – o documento que inicia a ação penal privada – a ser apresentada ao juizado ou vara criminal competente, dentro do prazo legal de seis meses", completa. Independentemente, o advogado pode iniciar uma ação cível por danos morais, buscando uma compensação financeira pela ofensa à honra e reputação da vítima.
Em números:
De janeiro a agosto de 2025
- 3.724 casos de calúnia e 4.942 de difamação no Estado.
Em 2024, no mesmo período
- 3.634 ocorrências de calúnia e 4.745 de difamação.
Em 2023
- 3.755 casos de calúnia e 4.659 de difamação.
Fonte: Segup
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