Professor dinamiza o ensino de Língua Portuguesa por meio da fabricação de livros artesanais
Da escrita até a ilustração e costura dos livros, todas as etapas são feitas de forma coletiva

No ano de 2020, época da pandemia, em meio ao isolamento social, um grupo de pessoas apaixonadas pela escrita se reúne à distância, de forma online. O que elas tinham em comum, além do gosto pela criação de histórias? Eram todos alunos e alunas do professor da rede estadual Felipe Guimarães, de 33 anos. Foi assim que surgiu o grupo HIATO, criado por Felipe, que hoje se expandiu e conta com 40 jovens escritoras e escritores de diferentes cidades do país, em sua maioria, oriundos do estado do Pará.
Da escrita até a ilustração e costura dos livros, todas as etapas são feitas de forma artesanal e coletiva, em um formato literário chamado fanzine. Esse estilo de mídia surgiu nos anos 1930 como uma expressão artística independente, e tem o propósito de reunir pessoas que compartilham o mesmo interesse por determinados assuntos. As fanzines podem reunir colagens, contos, poemas, histórias em quadrinhos e ilustrações, sendo um espaço livre e criativo para a descoberta de habilidades e novos aprendizados.
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No caso do grupo HIATO, o foco é a escrita: os jovens exploram temas como romance, suspense, terror e outros assuntos, em poemas, poesias e contos. Os textos são voltados ao público geral e escritos por jovens e adolescentes, de 13 a 25 anos. “Muitos já nem são alunos meus, mas continuam no grupo. Quando a gente participa de algum evento literário e vê a movimentação das pessoas que integram, é um retorno positivo, pois eles participam de todos os processos, desde a escrita até a experiência de divulgar o trabalho e vender”, conta Felipe.
As produções literárias do coletivo viraram tema de pesquisa do doutorado de Felipe Guimarães. Os textos dos jovens escritores foram o corpus da tese “Remendos de pó e verso: Escrita e subjetividade na produção literária de um grupo de jovens escritores” do professor, na qual foram analisados os principais recursos linguísticos utilizados nas tarefas de escrita propostas entre 2020 e 2022.
Trabalho manual e sustentável
As atividades do grupo HIATO começaram em 2020, com a participação em antologias e coletâneas. Quatro crônicas foram publicadas no e-book ‘2020: Diário de uma quarentena’. As primeiras zines surgiram no ano de 2021, com as obras ‘Versos Decapitados’, com poemas de terror, e ‘Memórias Corrosivas’, de contos de terror. Já em 2022, foi lançada a primeira edição do livro “Encontro das Águas”, composto por mais de 30 poemas que atravessam a temática da água. O trabalho foi relançado no ano passado na Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes, no Hangar, e hoje conta com mais de 300 exemplares em circulação.
“Estamos construindo, de forma coletiva por meio de reuniões on-line, o roteiro do nosso novo projeto literário, que visa contar uma história única em diferentes formatos de texto, de quadrinhos a poemas. Pretendemos lançar o projeto no 2º semestre deste ano”, acrescenta Felipe Guimarães.
O professor Felipe aprendeu as técnicas de costura artesanal em cursos online. Conforme o grupo foi expandindo, um grupo seleto de membros passou a se encontrar, para produzir as fanzines manualmente e aplicar o conhecimento. “Após isso, as impressões começam a ser feitas aqui em casa, e depois passamos à etapa da costura de cada livro. Usamos, por exemplo, materiais como perfuradores, agulhões, berço de furação, resma de papel reciclado, dentre outros acessórios”.
A escolha do formato de fanzines torna a produção mais acessível, com materiais de baixo custo. Felipe explica que a técnica de produção artesanal pode ser aplicada nas escolas como recurso pedagógico. “Como eu sou professor da rede pública, a gente vai levando esses trabalhos e experiências ao decorrer do ano letivo. Nos últimos dois anos, eu já pude participar e movimentar determinadas turmas de alunos para lançar livros também. Faço questão de instruir os alunos, para que eles dominem a técnica da do trabalho artesanal e possam também participar desse momento importante”.
Amor pela escrita
Para a universitária Giovanna Monteiro da Cunha, participante do grupo HIATO desde 2021, estar no coletivo a fez entender a escrita como um processo vivo. Antes, ela tinha uma relação mais superficial com as palavras, e graças ao grupo, aprendeu a reescrever, ouvir críticas e olhar para o texto com mais profundidade. “As leituras e os comentários sobre meus escritos foram fundamentais para o meu desenvolvimento. Passei a enxergar os temas com mais sensibilidade e consciência, e isso me fez crescer de verdade como escritora”, afirma.
E a convivência no grupo foi essencial para a escolha do curso de graduação de Giovanna: hoje, ela é aluna do curso de Letras no Instituto Federal do Pará (IFPA). “O Grupo HIATO teve um papel fundamental na escolha do curso de Letras. A convivência ali despertou em mim um interesse profundo pela literatura, pela linguagem e pelas diversas formas de expressão. Sinto que o grupo me preparou com sensibilidade e coragem
para seguir esse caminho”, ressalta.
Clayton Silva, universitário, faz parte do grupo desde o início. Ele observa que o grupo evolui em conjunto ao longo dos anos, como resultado do trabalho em equipe. “Consigo perceber uma evolução não só em mim, na parte de escrita, de expor minhas ideias e trabalhar os poemas. O grupo evolui como um todo e está presente em vários eventos literários, é uma situação única”, avalia.
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