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Ministério Público expede recomendação à Polícia Civil para evitar discriminação das vítimas de violência doméstica

As mulheres precisam fazer o mesmo relato diversas vezes e para pessoas diferentes, aponta OAB

Dilson Pimentel

O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) expediu recomendação aos delegados de Polícia Civil que atuam junto à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), referente aos procedimentos adotados para facilitar a uniformização em relação aos crimes dessa natureza. Ao todo, foram recomendadas 12 medidas para que se possa instruir de forma adequada os inquéritos policiais sobre o crime de descumprimento de medidas protetivas, com o intuito que o MPPA tenha elementos hábeis e suficientes para oferecimento da ação penal correspondente. A Recomendação 002/2021, expedida na quarta-feira (6) pelas Promotorias de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, também objetiva garantir a proteção da vítima de violência doméstica e familiar quanto a qualquer forma de discriminação e/ou constrangimento e evitar a revitimização dela quando da colheita do seu depoimento.

O promotor Franklin Lobato Prado, da Promotoria de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, disse que a preocupação do Ministério Público é não banalizar a concessão de medidas protetivas. “Infelizmente, sabemos que muitas mulheres vão na delegacia de polícia com questões de direito de família e acabam pedindo medida protetiva, porque sabem que a vara de violência doméstica acaba despachando mais rápido que a da Infância. E isso está errado. As questões de violência doméstica devem ser tratadas na Vara de violência doméstica. E as relacionadas à família, na vara de família”, disse. “A primeira medida (da recomendação) se refere ao encaminhamento da vítima, inserindo-a na parte ativa do processo, porque a medida protetiva, na verdade, é ela, vítima, que está entrando com requerimento de medida contra o requerido, que é o agressor”, afirmou.

Muitas vezes, o juiz de plantão não tem a mesma sensibilidade do juiz da violência doméstica, diz promotor

Ele também explicou que, quanto mais dados a polícia inserir sobre a vítima (CPF, endereço, telefone, correio eletrônico), mais facilidade haverá de localizá-la. “Se nós pudéssemos fazer a intimação por correio eletrônico, muitas não perderiam o prazo para se manifestar sobre as medidas protetivas”, disse. Ele também falou sobre o encaminhamento dos feitos de medida protetiva de urgência para as Varas de Violência Doméstica de 8 às 14h. “Após esse horário, o expediente deve ser encaminhado para a Vara de plantão. E, muitas vezes, o juiz de plantão não tem a mesma sensibilidade do juiz da violência doméstica. E, muitas vezes, temos aí indeferimentos dos pedidos de medida”, disse. “Se a polícia conseguir encaminhar, naquele dia, até as 14h, em menos de 24 horas a medida será deferida por nós”, concluiu. A recomendação foi assinada em conjunto pela coordenadora do Núcleo de Proteção à Mulher, Vyllya Costa Barra Sereni, e por três promotores de Justiça de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Darlene Moreira, Sandro Garcia de Castro e Franklin Lobato Prado.

Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, Luanna Tomaz disse que a recomendação tem um foco muito maior com relação ao trâmite judicial. “Claramente a gente tem um problema hoje no âmbito dos processos de violência doméstica que é principalmente a celeridade”, afirmou. Segundo ela, “muitos processos acabam demorando em demasia” para o deferimento de medidas protetivas ou mesmo para a resolução dos casos. Outro aspecto é a associação com outros processos - como, por exemplo, os processos de família. Ou mesmo, no caso da violência doméstica, o pedido de medida protetiva, o pedido de prisão e o pedido de investigação criminal. “A recomendação tem esse foco de evidenciar melhor as partes envolvidas, de evidenciar as provas que estão sendo trazidas no inquérito policial e garantir também mais celeridade na atenção ao inquérito. Nesse sentido, a recomendação é positiva”, disse.

A mulher, em situação de violência doméstica, retorna à delegacia mais de uma vez

A advogada Vitória Esteves, da diretoria da Comissão das Mulheres e Advogadas da OAB Pará, ressaltou que as delegacias especializadas de atendimento à mulher (Deams) são umas principais instituições na execução de políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres. “Essa padronização dos procedimentos é importante para garantir uma não revitimização da vítima, além de garantir a não discriminação e constrangimento”, disse.

Em muitos casos, explicou, o inquérito não é instruído de forma devida, o que acaba dificultando a concessão da própria medida protetiva. “Às vezes, por falta de dados e de outras informações necessárias para análise daquele caso concreto. A mulher, em situação de violência doméstica, acaba precisando às vezes retornar à delegacia ou mesma ser ouvida diversas vezes para prestar tais informações. O que, além de prolongar o procedimento e deixar aquela mulher vulnerável, acaba revitimizando-a. Ela precisa relatar a violência sofrida diversas vezes para pessoas diferentes”, afirmou.

Essa padronização também vai auxiliar na produção, na coleta e na própria sistematização dos dados sobre violência contra mulher. A padronização também ajuda a construir e integrar melhor essa rede de serviços de atendimento às mulheres. “As Deams são instituições importantes, mas uma rede de acolhimento e atendimento à mulher, em situação e violência, é essencial”, completou. Em nota, a Polícia Civil informou “que recebeu o documento do Ministério Público do Pará e analisa as recomendações”.

Pará