Jovens de Ananindeua criam adaptação amazônica de famoso jogo de RPG
Grupo Brasil in the Darkness no Pará reúne amantes do RPG para jogar um famoso jogo adaptado ao contexto amazônico

Na contramão do mundo virtual, mas na vanguarda das causas sociais, principalmente as amazônicas. É o que um grupo formado por jovens e adultos paraenses vem tentando fazer ao longo deste ano. O Brasil in the Darkness organiza atividades de RPG e outros jogos de mesa para comunidades em toda a região metropolitana de Belém. O objetivo é claro: esclarecer sobre os perigos e armadilhas do mundo virtual e reconectar o público com jogos e atividades que antes da internet faziam a cabeça de muitos, principalmente o clássico RPG.
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Na tarde do útimo dia 10 Ananindeua recebeu o Conexão Offline, evento organizado pelo grupo de jogadores. O encontro ocorreu no Centro Cultural Rosa Luxemburgo e contou com a participação de praticantes de RPG de diversas regiões. Para os membros da organização do evento, reuniões como essas são oportunidades para estimular pessoas a reduzir o tempo no mundo online. E não é para menos. Essa relação de dependência de tela, que se tornou um problema de saúde mundial, pode desencadear distúrbios psicológicos como ansiedade, depressão, insônia e bipolaridade, de acordo com especialistas.
Para se ter uma ideia do problema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu pela primeira vez, em junho de 2018, o transtorno por videogames e jogos eletrônicos como doença mental em sua Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que não era atualizada desde 1992. O transtorno se refere ao uso de videogames, seja em consoles, computadores ou celulares. Para a OMS, considerado-se um transtorno qualquer jogo que represente uma "deterioração significativa" nas áreas de funcionamento pessoal, familiar, social ou educacional.
“O mundo virtual passa muitas vezes uma falsa impressão de democratização e de acesso ao conhecimento. Tem muita coisa na internet, muitos jogos virtuais, mas o excesso de informações vindas de fora acabam minando nosso conhecimento sobre nossas raízes, nossa cultura e nossa cognição. Nunca passamos tanto tempo em telas como hoje, sobrecarregados de informação, mas quantos estão realmente aprendendo algo produtivo? Nosso grupo busca manter a paixão pelo RPG adaptando os jogos ao contexto amazônico, com nossa mitologia, nossa cosmovisão do mundo. Isso faz com que possamos aprender e valorizar nossa cultura, ao mesmo tempo que nos mantém afastados dessa sobrecarga”, diz Poraquê Santos, morador de Ananindeua e membro do Brasil in the Darkness.
JOGOS DE SUCESSO COM PEGADA AMAZÔNICA
Ilustração de Iara feita pela artista piuaiense Alyne Leonel. (Divulgação)
O coletivo Brasil in the Darkness é formado por jogadores, escritores, artistas e outros intelectuais do Brasil. No grupo estão sete paraenses, entre eles Poraquê. Foi o núcleo paraense que decidiu propor uma mudança nada ortodoxa em um dos jogos de RPG mais marcantes para a geração dos anos 1990, o ‘World of Darkness’. No lugar de vampiros, múmias, lobisomens e fadas, entraram figuras como a Matinta Pereira, o Saci Pererê, Curupira, Mãe D’água e outras lendas que compõem a mitologia paraense. Ao invés de cenários eurocentristas, as matas e rios que formam nossa região. Deu certo. O trabalho dos paraenses está fazendo sucesso em todo o país.
“Nós identificamos um problema com com esses jogos que a gente gosta tanto desde garotos. Os jogos de RPG, de uma forma geral, são muito focados na cultura da Europa. Uma cultura que é muito distante da nossa realidade, do nosso imaginário. Então os paraenses que fazem parte do Brasil in the Darkness propuseram a produção de histórias e personagens com características do nosso imaginário amazônico. Na verdade adaptamos todos os detalhes do jogo ao nosso contexto e isso tem atraído muitos interessados, além de promover um diálogo, o que é uma das funções do RPG, construir a história juntos”, diz Poraquê.
O trabalho para adaptar o jogo mundial ao contexto amazônico foi longo, durou alguns anos. Foi preciso estudar a fundo os detalhes do jogo, desde os inúmeros cenários até os personagens e depois recriá-los com a mesma essência, mas sob o contexto brasileiro. O resultado é algo próximo a uma arte minimalista. Lendas da floresta, orixás e outros guerreiros amazônidas levam os jogadores a um universo exclusivo no RPG mundial. E as questões a serem discutidas nas partidas também mudaram.
“Achamos que para refletir sobre a realidade brasileira, melhor do que adaptar o jogo mundial ao nosso próprio imaginário. Transformar esse universo sem perder essa essa pegada cosmopolita, mas tentando incluir a afirmação das nossas identidades indígenas, afrodiaspóricas, ribeirinhas. Tem gente que integra o nosso grupo que é ribeirinho, temos indígenas, temos ativistas do movimento negro. Então a gente conseguiu aglutinar essas diferentes perspectivas de vistas e experiências para produzir um conteúdo lúdico, que busca valorizar os aspectos mais marginalizados da cultura amazônica para um público que normalmente não tem acesso a isso”, diz Poraquê.
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