Estupros virtuais crescem com a IA; Pará tem neste ano mais que o dobro de casos do ano passado
No ano passado, foram 4 ocorrências registradas contra 11, de janeiro a julho deste ano, como apontam dados do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos
No Pará, os casos de estupro virtual - que é chantagear, constranger e divulgar imagens íntimas de vítimas nas redes sociais - envolvendo crianças e adolescentes mais que dobrou nos 7 primeiros meses de 2024 em comparação a todo o ano de 2023, como apontam dados do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. No ano passado, foram 4 ocorrências registradas contra 11, de janeiro a julho deste ano. Neste cenário, entidades internacionais projetam que o uso da inteligência artificial (IA) para criar pornografia infantil on-line aumentará exponencialmente, de acordo com alerta da agência policial europeia emitido no dia 22 de julho. Especialistas das áreas da Tecnologia e do Direito alertam para os riscos do crescimento desses crimes. E a Polícia Civil do Pará informou que o combate desse tipo de caso começa por meio da denúncia.
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O especialista em cibercrimes e cibersegurança contra crianças e adolescentes, Thiago Ximenes, afirma que à medida que se observa o aumento do uso de ferramentas de IA, também cresce os riscos de crianças serem alvos de diversos delitos nos meios virtuais. “Dentre eles, temos a pornografia infantil, onde fotografias de crianças podem, com uso de IA, ser modificadas a ponto de serem despidas, atraindo, assim, os pedófilos. E ainda mais grave é usar a IA para manipular uma criança, de tal modo que esta venha praticar atos libidinosos, sendo, assim, vítima do estupro virtual”, afirma.
Já a secretária geral da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará (OAB-PA), Lorena Pantoja, destaca que os crimes sexuais contra crianças e adolescentes já são uma realidade e que, com a tecnologia, novos formatos desse delito vêm se difundindo. Por outro lado, atualmente, não existe uma lei específica que enquadre essas violações envolvendo a IA, o que ainda é um desafio, mas essa prática pode ser enquadrada em leis já vigentes.
“É possível, sim, que haja a aplicação de outros crimes já previstos, como crimes contra a honra (arts. 138 ao 140 do Código Penal), intimidação sistemática (bullying/cyberbullying previsto no art. 146-A), perseguição (stalking, previsto no art. 147-A), violação sexual mediante fraude (art. 215), importunação sexual (art. 215-A), estupro de vulnerável (art. 217-A), exposição de imagens íntimas (art. 218-C) e demais crimes previstos em nossa legislação”, explica Lorena.
Segundo ela, “legislar a respeito de inteligência artificial ainda é algo delicado e que exige amplo debate dos especialistas na área”. “A ferramenta vem se tornando amplamente acessível ao cidadão. Recentemente uma novela de sucesso trouxe a situação em que um senhor se passava por uma menina, com o uso de IA, para adquirir imagens íntimas da personagem vítima dos atos. É um exemplo de como esse avanço nos expõe a avançados desafios”, evidencia Lorena.
Riscos
Quanto às recomendações às famílias ao estarem diante de casos envolvendo crianças, Thiago Ximenes destaca: “Primeiramente, os pais devem entender que deixar uma criança com celular não é só arriscado como, também, extremamente prejudicial ao seu desenvolvimento mental. Depois, o monitoramento e as restrições feitas por programas específicos reduzem bastante esses riscos. É importante ressaltar que o diálogo com os filhos é uma excelente maneira de prevenção, logo, é essencial que os pais mostrem às crianças os perigosos, claro que usando linguagem adequada”, alerta Thiago.
"O primordial é, primeiro de tudo, refletir sobre o que você está postando do seu filho ou filha on-line. Às vezes, uma simples foto da criança brincando pode ser editada – com o uso de inteligência artificial ou não – de maneira tão precisa, se tornando imagens de cunho sexual, e essas imagens acabarem caindo em comunidades ilícitas, voltadas à pedofilia, ou até mesmo sendo exposta amplamente nas redes. Por outro lado, é importantíssimo que menores de idade somente utilizem dispositivos digitais com supervisão dos pais e responsáveis. Os pais precisam saber o que os filhos fazem ou deixam de fazer na virtualidade", adiciona Lorena.
Registro
Diante de casos como esse, segundo o especialista, é importante que as famílias registrem essas ocorrências. “No Pará, tem a Divisão Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos (DECCC), essa é especializada em identificar o criminoso que usou as ferramentas da internet para praticar o delito. Por outro lado, existe a delegacia especializada em menores que possui competência para investigar e punir o infrator. É muito importante a comunicação de qualquer delito, em especial, aos que vitimizam crianças em sua dignidade sexual”, frisa o especialista.
Lorena Pantoja também recomenda: "Coletar provas é algo importantíssimo quando estamos falando de crimes que acontece na internet. Além de fazer prints, salvar links (url) de sites e perfis, conversas, a família pode se direcionar com o aparelho eletrônico até um cartório, para lavrar ata notarial, até uma delegacia – de preferência delegacias especializadas em cybercrimes. Além disso, lavrar junto à delegacia competente um boletim de ocorrência ou ainda procurar suporte jurídico por meio de advogado/defensoria pública, bem como procurar suporte psicológico à família".
Uma vez na internet, é possível reverter e exigir a exclusão desses conteúdos impróprios, como avalia Thiago. “Costumo dizer que, uma vez, o conteúdo, indo para internet, é impossível fazer ele desaparecer totalmente. Todavia, se a foto da criança, por exemplo, estiver em um determinado site, é possível que a justiça mande remover. Então, a melhor arma é a prevenção”, enfatiza.
Combate
A delegada Lua Figueiredo, da Divisão de Combate a Crimes Contra Grupos Vulneráveis Praticados Por Meios Cibernéticos (DCCV), da Polícia Civil, explica que “a polícia trabalha em parceria com outras instituições e organizações internacionais no combate aos crimes de abuso sexual infantil on-line, através do recebimento de denúncias relacionadas à circulação de conteúdo pornográfico de crianças e adolescentes na internet”.
Ela explica que simular a participação de crianças e adolescentes em cenas virtuais com cunho sexual é tipificado no artigo 241-C, da Lei 8.069/90, com pena de reclusão de 1 a 3 ano. “Inclusive quem vende, disponibiliza, distribui, publica, divulga, adquire ou armazena o referido material adulterado, por qualquer meio, também incorre no mesmo crime. Entretanto, a diferenciação entre uma imagem pornográfica infantil gerada por IA e a imagem de uma criança ou adolescente real em situação de abuso sexual não é trabalho fácil”, enfatiza.
O desafio se dá, de acordo com ela, porque é necessário “identificar se a imagem ou vídeo se refere a uma criança real que se encontra em perigo ou a uma inexistente”, analisa. Por isso, Lua diz que a denúncia é uma das formas de combater esse crime, que vem crescendo. “Quem receber ou identificar a circulação de conteúdo envolvendo pornografia infantil na internet deve denunciar aos órgãos responsáveis para investigação, inclusive na Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos”, conclui a delegada.
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