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Salvos pelos céus: o desafio do transporte de pacientes com covid-19 na Amazônia

Eles viveram uma entre as diversas grandes histórias de resgates com aeronaves no Pará, estado de proporções gigantescas: ela resume uma peculiar luta por vidas na pandemia

Eduardo Rocha e Tarso Sarraf

No meio da pandemia, o socorro pode chegar de muita formas na Amazônia. Mas no caso de transferências de pacientes de covid-19, partindo de locais sem estruturas suficientes rumo a outros municípios, com maiores capacidades para atender altas demandas de cidadãos e cidadãs em estado grave, a ajuda vem literalmente, em muitos casos, pelo céu. São aviões e helicópteros, colocados nos ares pelo governo do Pará.

Esse é o chamado transporte aeromédico. E nesse processo, que requer grande logística específica, pacientes e técnicos se confundem no afã de salvar vidas: se o paciente luta com todas as forças para não falecer, os profissionais de saúde atuam para não perder essa vida, colocada a seus cuidados, a bordo de aeronaves que cruzam grandes distâncias sobre a floresta amazônica.

Uma das histórias que ilustram bem esse serviço é a de Edinilson de Souza Pires. Ele foi transferido de Almeirim para o Hospital de Campanha de Santarém, em julho do ano passado, ainda na primeira onda da pandemia no Pará. A operação foi acompanhada passo a passo pelo repórter fotográfico Tarso Sarraf, hoje editor da redação integrada de O Liberal. Tarso registrou, em fotos, áudios e vídeos, momentos cruciais do atendimento ao paciente do município do Oeste do Pará.

image Transferência entre Almeirim e Santarém: história resume esforço crucial na pandemia (Tarso Sarraf)

Um reencontro, após dias cruciais de salvamento


Na última quinta-feira (22), Edinilson de Souza Pires, 48 anos, pai de dois filhos (14 e 18 anos de idade) e agente administrativo do setor de Cadastro e Tributos da Prefeitura de Almeirim, relembrou à redação integrada de O Liberal a odisseia que viveu para escapar ao cerco do novo coronavírus. "Deus me deu uma segunda chance de viver, por isso agradeço muito a Deus e à equipe da UTI aérea que me transportou de Almeirim para Santarém", emociona-se Edinilson, que não esquece tudo o que viveu em julho do ano passado.

"Eu fiquei doente e fui para o Hospital Municipal de Almeirim, onde fiquei por três dias. Depois (em 15 de julho), fui transferido em UTI aérea para o Hospital de Campanha de Santarém. Saí do Aeroporto Comara. Eu estava no oxigênio, sem acompanhante, somente com a equipe de trabalho. A viagem durou 50 minutos, eu estava saturando em 82%", relembra. Ele recorda que estava lúcido. Seguia viagem conversando com o enfermeiro Breno, que o acalmava naquela situação.

image Embarque de Edinilson: para ele, esse momento inesquecível mudou curso de sua vida (Tarso Sarraf)

Ao chegar em Santarém, Edinilson seguiu para o Hospital de Campanha. Lá, permaneceu na UTI por dois dias. Em seguida, quando o estado dele melhorou, foi transferido para a enfermaria, onde ficou por 26 dias, como relatou.

"Essa viagem em uma UTI aérea mudou a minha vida completamente. Eu passei a dar mais valor à vida, às pessoas, à minha família. Eu agradeço muito a Deus e aos profissionais que atuaram na minha transferência", ressalta Edinilson. Ele é grato a atenção que recebeu da então prefeita Adriane Bentes. "Eu acredito que se tivesse ficado em Almeirim teria morrido; um médico no Hospital de Almeirim disse que eu precisava ser transportado urgentemente. E o Adamor, enfermeiro desse hospital, me falou para eu procurar a minha irmã (Dirce Pires) para ela falar com a prefeita para ver se eu poderia ser transportado para Santarém, com melhor estrutura para esse tipo de atendimento", detalha.

"Fiquei doente e fui para o Hospital Municipal de Almeirim, onde fiquei três dias. Depois, fui transferido em UTI aérea para o Hospital de Campanha de Santarém. Saí do Aeroporto Comara. Eu estava no oxigênio, sem acompanhante, somente com a equipe de trabalho. A viagem durou 50 minutos, eu estava saturando em 82%", conta Edinilson Pires, funcionário público de Almeirim

image "Deus me deu uma segunda chance. Literalmente fui salvo pelos céus", avalia servidor (Tarso Sarraf)

A vida após o covid-19: cuidados extremos


Edinilson pontuou que não esquece esse momento da vida dele. Revelou que está em tratamento médico das sequelas da covid-19: tremedeira nas pernas, fica ofegante e tem esquecimento (lapsos de memória). Por isso, tem consultas médicas com exames.

Ainda no Hospital de Campanha de Santarém, ele recebeu atendimento de fisioterapeutas na recuperação diante da doença. "No hospital, os profissionais são atenciosos, eu fui muito bem tratado do zelador ao médico, e a comida é ótima", avalia.

A gratidão de Edinilson também alcança os familiares, amigos e conhecidos que oraram muito pelo restabelecimento dele. "Eu diria que a minha vida veio literalmente dos céus", afirmou Edinilson Pires, ao se referir a toda operação de resgate dele por UTI Aérea, algo que o transformou em um outra pessoa, e lhe deu uma segunda oportunidade de vida, como ressalta sempre que pode.

"Quero agradecer a Deus. Mais uma vida que Ele me deu. E a todos esses profissionais, que tiveram esse olhar sobre meu estado de saúde, para me levar em estado grave de Almeirim a Santarém. Muitos familiares perderam seus entes queridos. Muitos que saíram daqui não tiveram o privilégio que eu tive, e estão enterrados. Eu louvo a Deus. Sou grato por tudo"

image O funcionário municipal Ednilson Pires relembrou seu resgate essa semana: gratidão (reprodução)

Profissionais a bordo: foco no paciente


A dedicação dos profissionais que atuam no transporte de passageiros de covid-19 é expressiva. Breno Lins atua na Enfermagem aérea desde 2015, fazendo transporte de pacientes em estado grave. Brenno estava na equipe de do avião com UTI que prestou socorro urgente ao paciente Edinilson Pires.

Durante a viagem de Almeirim para Santarém, com o enfermo a bordo, o enfermeiro contou que esse tipo de serviço começou de forma bem intensa, na região do Oeste do Pará, com base em Santarém, em 2020, dada a quantidade de casos de covid-19 e a necessidade de atendimento imediato.

"Muitos casos sendo diagnosticados e muitos municípios tendo a necessidade de tirar esses pacientes de forma imediata, tendo em vista o melhor prognóstico deles. Quanto mais tempo a gente deixa o paciente após confirmado com covid o prognóstico dele se torna cada vez mais ruim", ressaltou.

"E aí a gente está nesta operação com o Estado, tendo bastante êxito, tirando esses pacientes desse lugares que muitas vezes têm muitas restrições. Os médicos nos municípios estão conseguindo fazer um diagnóstico nesses pacientes e encaminhando o caso para a transferência da forma mais precoce possível. Essa transferência de forma mais precoce traz uma esperança a esses pacientes, porque aumenta o tempo de sobrevida deles; a gente consegue combater o vírus de uma forma mais eficaz, mais rápida, e aí melhorar o padrão respiratório desse paciente", observa Breno.

"Quanto mais tempo a gente deixa o paciente, após confirmado com covid-19, o prognóstico dele se torna cada vez mais ruim", ressalta o profissional de Enfermagem Breno Lins. "Essa transferência de forma mais precoce traz uma esperança a esses pacientes, porque aumenta o tempo de sobrevida deles"

image Profissionais de saúde atestam: atendimento rápido aumenta chances de sobrevida (Tarso Sarraf)

Sobre o risco de as aeronaves desse transporte terem de pousar em locais de difícil acesso, Breno salienta que há comunidades com restrições nesse sentido, acessadas por via marítima ou terrestre.

"Um exemplo é Almeirim de onde a gente acabou de decolar, um lugar muito restrito, com restrição de aeronave de pouso, é uma pista de piçarra e aí a gente tem que ter uma equipe preparada, especializada para o tipo de operação que vai acontecer", ressalta Breno.

"E uma equipe muito alinhada, seja uma equipe de tripulação, que compõe comandante, co-piloto, médico e enfermeiro, habilitados para atuar nessas operações em localidades muitas vezes mais afastadas e sem a estrutura que se tem na capital, o que requer uma logística para a operação ocorrer com êxito", acrescenta.

Breno pontuou a diferença entre se fazer uma transferência de helicóptero para uma com aeronave avião. Ele disse que uma das principais diferenças é a distância, porque o helicóptero tem uma condição de distância muito mais restrita por causa do abastecimento. Já o avião cobre distâncias maiores.

Outra diferença é a condição de pouso, ou seja, condições mínimas de pouso para ambos os veículos, mas o avião já requer uma condição maior, uma pista com essas condições de pouso, enquanto o helicóptero consegue pousar em estádio de futebol, em praça pública (com segurança), no terreno de uma igreja, em uma comunidade. Por isso, o transporte de passageiros conta com esses dois tipos de aeronave.

No momento em que foi transportado de Almeirim para o Hospital de Campanha de Santarém, segundo o médico Wilker Menezes, Edinilson estava "com sete dias de evolução da doença, teve febre, apresentando dispineia há dois dias, cansaço intenso, saturando em área ambiente em 84%".

"É um paciente que tem por município um município precário e indicação de tranferência para hospital de referência, um hospital de campanha", ressaltou o médico. "Ele ainda vai ter mais ou mensos uns dez dias aí de doença e pode começar a apresentar saturação mais grave e a necessidade de entubação orotraquial, e o município não dispõe de ventilador".

Ele era, naquela ocasião, paciente que estava "saturando em 90% em máscara, com reservatório, estava no catéter a oxigênio com 15 litros por minuto, saturando 85%, então, necessitava de transporte, uma vez que na cidade de origem, Almeirim, não se tinha ventilação mecânica nem máscara com reservatório, daí a urgência de sua transferência, como frisou o médico.

"Um exemplo [das dificuldades desse tipo de apoio] é Almeirim. Um lugar com restrição de aeronave de pouso, uma pista de piçarra. A gente tem que ter uma equipe preparada para o tipo de operação que vai acontecer, e muito alinhada, nessas operações em localidades muitas vezes mais afastadas e sem a estrutura", avalia Breno Lins

image UTI aérea: além dos riscos da própria covid-19, aviação na Amazônia também é desafio (Tarso Sarraf)

 


Em julho de 2020, em tratamento no leito A17 do Hospital de Campanha de Santarém, há seis dias, naquela altura, Edinilson Pires relatou que havia ficado internado em Almeirim por três dias, e estava em estado grave. "Eu estou bem melhor, graças a Deus. Minha evolução está excelente", expressou-se no hospital. Ele contou que passou dois dias na UTI e, em seguida, seguiu para a enfermaria.

"Eu tive medo como todo mundo tem medo do vírus. Agora, é uma questão de paciência, fé em Deus. Muita paciência mesmo, para poder se tratar direitinho". Edinilson se comunicava com os familiares por meio de vídeochamada disponibilizada pelo hospital. Ele tinha um acompanhante no tratamento.

Ação estratégica para atender pacientes


Em 22 de julho de 2020, Talita Liberal, coordenadora de Saúde da Secretaria Regional de Governo do Oeste do Pará, destacou que em 22 de abril de 2020 o Governo do Estado entregou, em Santarém, o Hospital de Campanha para atender as três macrorregiões do Oeste Paraense: Baixo Amazonas, Tapajós e Xingu.

"Naquela oportunidade, 22 de abril, nós estávamos vivenciando o início dos casos de covid na região, e Santarém se tornaria o epicentro da covid na região Oeste do Pará. O Municipio de Santarém abriga em sua estrutura hospitalar todos esses municípios da região, e aqui também está baseado o Hospital Regional do Baixo Amazonas. Naquela data, nós tínhamos no Hospital Regional somente cinco leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), que foram ampliadas, e hoje nós temos 52 leitos de UTI no Hospital Regional", relatou.

image Equipes do transporte de pacientes: trabalho exige prontidão frente a situações adversas (Tarso Sarraf)

"Aqui no Hospital de Campanha nós tínhamos dez leitos de estabilização e 110 leitos clínicos de enfermaria. Esse perfil foi se modificando ao longo dos dias. Em junho, nós vivenciamos o pico da pandemia aqui, na região, onde nós temos o maior número de casos de pacientes tanto internados no Hospital de Campanha como no Hospital Regional, e também nós vivenciamos o maior número de óbitos por covid-19 aqui na região", conta Talita Liberal.

"Então, esse perfil mudou. O Hospital de Campanha passou a ter um maior número de leitos de estabilização, chegando a 34 leitos, o Hospital Regional a 52 leitos de UTI, devido a muitos desses pacientes apresentarem complicações renais e precisarem fazer hemodiálise. Então, hoje o cenário que nós estamos vivenciando em 23 de julho já é um cenário de transição; nós temos aproximadamente 47 pacientes em atendimento aqui, no Campanha, e já chegamos a 100, a 110 pacientes sendo atendidos ao mesmo tempo; e no Hospital Regional do Baixo Amazonas, nós já temos cinco leitos vagos de UTI (adultos, pediátricos e neonatal), e isso não acontecia", ressalta Talita.

"Nós tínhamos sempre listas de pacientes precisando ser transferidos para o Hospital Regional. Chegamos a ter uma lista de espera de 25 pacientes aguardando por um leito de UTI no Hospital Regional", contou a coordendora Talita.

A base em Santarém tanto de aeromédico asa fixa (avião) como asa rotativa (helicóptero) foi de extrema importância, "porque nessa região os rios são as ruas, e o paciente de covid precisa de uma maior estabilidade para ser transferido. Então, a vinda da base para cá foi fundamental para que esse paciente pudesse vir para o Hospital de Campanha, para o Hospital Regional, e ser melhor assistido dentro dessa patologia e o mais rápido possível. Então, nós realizamos aqui, na região, aproximadamente 100 transferências durante esse período, dos mais diversos municípios, das áreas mais urbanas e mais remotas também", salientou.

"O helicóptero também foi extrema importância, porque ele pôde pousar em qualquer lugar. Nós já tivemos socorro de pacientes de áreas onde não possuía pista, onde não possuía campo de futebol, onde ele teve que improvisar o resgate de algum paciente. Assim como também de aldeias indígenas", disse. Na época, foram disponibilizados dez leitos exclusivos para pacientes indígenas no Hospital de Campanha.

Edinilson Pires externou, esta semana, agradecimento aos profissionais dos hospitais de Almeirim e de Campanha em Santarém, ao governador do Estado e à equipe que o socorrou no transporte aéreo. "Eu quero agradecer principalmente a Deus por mais uma vida que Ele me deu e também a todos os profissionais de Almeirim, do Hospital, que tiveram esse olhar sobre a gravidade da minha saúde,  que articularam com meus familiares e a prefeita de Almeirim para uma aeronave com UTI viesse me buscar em Almeirim e me levar em estado grave para Santarém", disse o servidor público municipal.

"Agradeço aos profissionais e ao jornalista na viagem, ao pessoal que me atendeu em Santarém. Familires perderam seus entes queridos, porque muitos daqui de Almeirim foram para Santarém e não conseguiram ter esse privilégio que eu tive, ficaram por lá, foram enterrados. Eu louvo a Deus por tudo!", afirmou Edinilson. Ele não chegou a ser intubado.

"Eu fui muto bem tratado, e, inclusive, eu cheguei a perguntar, no Hospital de Campanha em Santarém se eu estava dentro de um hospital particular, e a moça lá me disse que não, que era hospital do governo. O governador do Estado está de parabéns. Muito obrigado por tudo, pelo acolhimento; que Deus possa continuar nos abençoando grandemente", afirmou.

image Paciente chega ao Hospital de Campanha de Santarém: uma vida em 50 minutos de voo (Tarso Sarraf)

Jornalista a bordo: mostrar como se salva uma vida


O repórter fotográfico Tarso Sarraf apostou no seu feeling de mostrar como a realidade do interior do Pará, um dos estados da Amazônia, é dura quando se trata de covid-19. Ele embarcou na aventura de registrar o salvamento do paciente Edinilson Pires desde o momento em que em uma ambulância da Prefeitura de Almeirim o enfermo chegou ao aeroporto da cidade, com a finalide de ser transferido para o Hospital de Campanha de Santarém.

Sempre com as máquinas de filmagem e foto em uso, Tarso conferiu a habilidade de uma equipe composta por piloto, co-piloto, médico e enfermeiro, todos usando roupas especiais para se proteger do coronavírus. Tarso também se protegeu com roupa especial.

Após quase uma de voo, em que pôde conversar com profissionais que se revezam no atendimento ao paciente, o repórter fotográfico chegou ao aeroporto de Santarém. No local, ele verificou que Edinilson foi recambiado para uma ambulância toda equipada, a fim de que pudesse seguir viagem até o Hospital de Campanha, na Pérola do Tapajós.

Foram 15 minutos de deslocamento até a unidade hospitalar. Tarso acompanhou a mobilização dos profissionais de Saúde até o instante em que o paciente foi acomodado em leito no hospital. Tudo no dia 15 de julho de 2020.

Já em 22 de julho do mesmo ano, o jornalista retornou ao hospital e constatou que Edinilson estava bem melhor. O paciente havia sido transferido da UTI para a Enfermaria. Tarso registrou Edinilson conversando com a família por meio de vídeoconferência. Outro registro foi a leitura de cartas de familiares por uma fisioterapeuta no próprio hospital. Sempre no afã de mostrar que as distâncias entre as pessoas e as metas podem ser superadas em que altura que for.

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