Combate aos maus-tratos a cavalos ainda é desafio no Pará

Expectativa de cavalos utilizados em serviços de tração é de um quarto da vida normal desses animais

Vito Gemaque e Saul Anjos

Recentemente, um caso envolvendo um cavalo no município de Bananal (SP) ganhou repercussão nacional após a amputação, com um facão, das quatro patas do animal. A ocorrência é investigada pela Polícia Civil de São Paulo. No Pará, os maus-tratos contra animais são registrados diariamente, de acordo com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup), que contabilizou no ano passado (2024) 343 casos de violência contra animais, quase um por dia. Cavalos, cães e gatos estão entre as espécies que mais sofrem.

Cavalos do Projeto Carroceiro

Apesar do avanço da legislação que protege os animais, combater os maus-tratos ainda é um desafio no Estado. O cavalo, adaptado pelo homem para diferentes serviços, exige respeito aos seus limites.

Em Belém, o Projeto Carroceiro da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) é referência no acolhimento e tratamento de equídeos vítimas de violência. O coordenador do projeto, médico-veterinário e especialista em equídeos Djacy Ribeiro, ressalta que todos os animais que trabalham na tração sofrem algum tipo de maus-tratos, seja direto ou indireto.

“Os fatores diretos estão relacionados ao animal não ter uma alimentação adequada, não ser vacinado, ou seja, têm a ver com a saúde dele. Já o indireto está ligado ao animal não ter um momento de descanso, trabalhar por longo período ou o condutor da carroça não ter habilitação”, explicou.

O projeto, que já tem 20 anos de existência, atende mensalmente cerca de 20 cavalos vítimas de abandono ou de carroceiros que necessitam de atendimento veterinário gratuito, além de orientações oferecidas pelo programa de extensão da Ufra. Profissionais também realizam ações itinerantes em parceria com órgãos municipais para atender animais em outras cidades.

Segundo o diretor técnico do Projeto Carroceiro, médico-veterinário Heriberto Figueiredo, os cavalos podem viver até 20 anos quando recebem boas condições de cuidado e tratamento. A realidade, porém, é bem diferente para os animais usados em serviços de tração na Região Metropolitana de Belém: a expectativa de vida cai para um quarto desse tempo. “A média é de três a cinco anos de vida, dependendo muito do uso do animal, como se sabe”, detalha o professor. Um exemplo é o de um cavalo resgatado em Barcarena, vítima de acidente com um carro, abandonado na estrada. O animal ficou gravemente ferido e terá sequelas permanentes em uma das patas.

Somente em 2024, o projeto atendeu aproximadamente 300 cavalos na Região Metropolitana de Belém. Cerca de 80% apresentavam problemas no sistema locomotor, decorrentes de acidentes e do uso incorreto da ferradura. Outros sofriam de complicações digestivas por ingerirem restos de lixo misturados a plásticos, o que pode obstruir o tubo digestivo e levar à morte.

Nos últimos anos, Pará e Belém avançaram na criação de leis para proteger os animais. Em 2018, a capital instituiu o Programa de Redução Gradual de Veículos de Tração Animal (Lei nº 9.411/2018), alterado em 2021 para incluir a proibição da exploração e do transporte de cargas por animais, além de prever medidas para o acolhimento de cavalos resgatados e o enfrentamento dos maus-tratos.

image Projeto Carroceiro da Ufra cuida de cavalos vítimas de maus-tratos em Belém. (Igor Mota / O Liberal)

Já em 2022, o governador Helder Barbalho sancionou o Código Estadual de Proteção aos Animais (Lei nº 9.593/2022), que estabelece normas para a defesa, preservação e controle populacional, além de punir casos de crueldade.

Na avaliação de Heriberto Figueiredo, a legislação trouxe avanços, mas ainda há novos desafios. “Em Belém, tivemos 60% de redução das carroças. Quando venho de casa, hoje mal vejo carroças. Antes eram de duas a três na avenida Perimetral, hoje somente aquelas pessoas que dependem mesmo disso que possuem. Porém, hoje em Belém começaram a cuidar de cavalos para reprodução. Para que essa lei seja mais ampla é preciso proibir a criação de animais na zona urbana. Ananindeua e Marituba está cheio disso, eles saem em cavalgada, e os animais continuam em risco de abandono, em risco de acidente, é uma realidade”, detalhou.

Ele reforça que é necessário avançar com políticas públicas e conscientização entre carroceiros para extinguir o serviço de tração, garantindo que os animais não sejam vítimas de maus-tratos, sem ignorar a dependência econômica de algumas famílias. Outra medida proposta é a criação do Paraíso dos Cavalos, espaço destinado a acolher animais vítimas de maus-tratos que hoje não têm para onde ir. Atualmente, cerca de 100 cavalos aguardam um abrigo desse tipo em Belém.

Denúncias

A Prefeitura de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Proteção e Defesa Animal (Sepda), informou que casos de maus-tratos contra equídeos devem ser denunciados diretamente à Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal (Demapa), por meio do número 181, que recebe e apura as denúncias.

A atuação da Prefeitura na proteção dos animais ocorre através da Sepda, que realiza o atendimento veterinário, castração e acolhimento dos animais em situação de abandono ou maus-tratos. Quando há necessidade de medidas legais mais severas, como detenção de responsáveis, o encaminhamento é feito à Demapa.

Em 2025, a Prefeitura recebeu 12 denúncias relacionadas a maus-tratos contra equídeos. Os principais registros envolvem abandono em vias públicas e ferimentos, muitas vezes decorrentes do uso desses animais para tração. A Prefeitura atua também, em conjunto com o Projeto Carroceiros, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), no resgate, cuidado e encaminhamento dos animais para adoção responsável.

Desde a aprovação, em 2018, do programa de redução gradativa do número de veículos de tração animal, diversas ações vêm sendo desenvolvidas, incluindo o acolhimento de cavalos em situação de vulnerabilidade. Atualmente, está em andamento o projeto de criação do Santuário dos Equinos, uma iniciativa inédita da atual gestão municipal em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que já se encontra em fase de engenharia. Esse espaço será destinado ao acolhimento definitivo e seguro dos cavalos retirados das ruas.

Além dos equinos, as equipes da Sepda também realizam atendimentos a outros animais, como cães e gatos, oferecendo serviços de vacinação, microchipagem, castração e atendimento veterinário, contribuindo para o controle populacional e a promoção da saúde animal no município.

A Polícia Civil informou que o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais tipifica como infração penal, praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, com pena de detenção de três meses a um ano e multa. A lei prevê ainda o aumento da pena de um sexto a um terço, caso ocorra a morte do animal. E a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) detalhou que de janeiro a junho de 2025, foram registrados 234 casos de maus-tratos contra animais em todo o estado, além dos 343 casos no ano de 2024. Entretanto, a secretaria não soube informar quantos registros foram especificamente contra cavalos, pois não há diferenciação na natureza da denúncia.

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