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Calouros aprovados na Uepa falam sobre desigualdades na educação

Rafael, Katleen e Victor Hugo falam sobre perseverança diante dos desafios que são vestibulares e sonhos para o futuro

Victor Furtado
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Três calouros aprovados no Processo Seletivo 2021 da Universidade do Estado do Pará (Uepa) sabem que a trajetória entre o ensino médio e o ensino superior é difícil e desigual. Cada um vê a aprovação neste e em outros vestibulares não apenas como realização de sonhos. Enxerga no nome em um listão a oportunidade de transformação social e pessoal através da educação. Assim são Katleen Cardoso, Rafael Carlos e Victor Hugo Bartocci.

Katleen tem 20 anos e mora no bairro do Jurunas. É a terceira da família, após 20 anos, a ingressar no ensino superior e a primeira a ostentar o autotítulo de tricaloura: passou em Direto, na UFPA; em Engenharia Cartográfica e de Agrimensura, na Ufra; e em Licenciatura em História, na Uepa. Negra e moradora de uma área mais pobre da capital, relata que a família investiu tudo o que podia para garantir a ela educação particular. E isso a barrou do sistema de cotas, uma medida que ela apoia para reduzir a dívida histórica que o Brasil tem com a população preta e descendente de povos tradicionais originários, ainda que seja um paliativo.

"Por ter passado em Direito, já tive de ouvir os comentários maldosos, chatos e preconceituosos de que só passei por cotas. Isso não é nenhum problema. Mas na verdade não passei por cota. Foi ampla concorrência normal porque estudei em escola particular e mesmo visivelmente negra, não pude. Enquanto isso, pessoas fenotipicamente brancas estão usando do direito às cotas sem realmente precisarem. O processo para cotas exige muitas comprovações e é difícil e constrangedor", relata Katleen.

Antes da jovem, as últimas pessoas que ingressaram no ensino superior foram duas tias. Uma é professora de Educação Física. Outra já é doutora em Pedagogia. O sonho é ser juíza e, talvez, atuar na área penal. Mas isso é algo que fica para quando as aulas realmente começarem. Por enquanto, o antigo ambiente de estudos foi desfeito. Grande parte do material foi para duas primas e uma amiga, todas ainda mais inspiradas em mudar as próprias realidades. A tricaloura tem ajudado com orientação a vários estudantes sobre como perseverar diante de adversidades.

Rafael, de 18 anos, morador de uma área mais pobre da Pedreira, reconhece que ter estudado em uma escola particular foi um privilégio. Não que não tenha sido difícil para a família arcar com os custos da educação privada até que o sonho de cursar Filosofia na Uepa fosse alcançado.

"Infelizmente, muitas pessoas aqui da periferia onde eu moro não têm oportunidade de ter um ensino de mais qualidade. E é por isso que escolhi uma licenciatura. Com ela, muitos professores transformaram a minha vida. Acredito que eu possa ser um professor que vai transformar as vidas de outras pessoas dentro das periferias também", comenta Rafael.

image Victor, de Outeiro, diz que a educação e o sistema de acesso ao ensino superior são desiguais. Estudar com disciplina e paciência é a única forma de vencer a dificuldade. (Thiago Gomes / O Liberal)

Victor Hugo é um "tricalouro" também, mas todas em Medicina: na UFPA, na Universidade de São Paulo (USP, onde já está cursando e que era o sonho dele) e mais recentemente na Uepa. Ele mora em Outeiro e possivelmente, quando a pandemia passar, vai se mudar para São Paulo para seguir os estudos. Também teve um momento privilegiado de educação e foi bolsista do colégio Ideal — primeiro processo seletivo no qual passou — do nono ano ao terceiro ano do ensino médio. Um orgulho para a mãe Ana Cláudia, que o criou com a ajuda das irmãs e vários desafios até ver as conquistas do filho.

"Vestibular não é um concurso muito justo. Vários fatores dificultam o acesso para algumas pessoas. Há quem seja muito pobre e não tenha como comprar livros ou estudar em bons colégios. É uma injustiça. Embora seja injusto, o que se pode fazer é se manter focado e seguir em frente, mesmo que o mundo não favoreça. É o único jeito de fazer as coisas. Estudar", diz o tímido já acadêmico de Medicina, que ainda não consegue se enxergar como inspiração, mas cujas conquistas deram ânimo a outros estudantes de Outeiro, onde até o transporte público é um desafio.

Os três calouros sabem que a educação particular é privilégio. Um privilégio que o reitor da Uepa, Rubens Cardoso, destaca que precisa ser alterado. "66% dos calouros do processo seletivo 2021 vieram da educação pública. E isso é muito bom, mas reforça a necessidade de que temos de seguir investindo para melhorar os índices de acesso de estudantes de escolas públicas no ensino superior", declarou, no pronunciamento antes do listão, na manhã desta sexta-feira (21).

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