Ataque a consulado do Irã deixa rumos da guerra Israel x Hamas ainda mais imprevisíveis

No governo iraniano, uma ala mais moderada entende que atacar Israel seria cair na armadilha de Netanyahu

Gustavo Freitas – Especial para O Liberal
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As forças israelenses realizaram um ataque preciso, na terça-feira (2), ao consulado do Irã em Damasco, capital da Síria, que eliminou sete oficiais da Guarda Revolucionária iraniana e elevou as tensões ao nível máximo entre os dois países.

Um dos oficiais mortos no ataque ao consulado, general Mohammad Reza Zahedi, era o comandante das chamadas Forças Quds. A divisão de elite da Guarda Revolucionária é responsável pelo apoio e suporte a governos e grupos aliados, e Reza Zahedi era um dos principais elos entre o governo iraniano com o governo da Síria e o Hezbollah, no Líbano.

O governo israelense alega que esperou o Embaixador do Irã se retirar do local para realizar o ataque, afirmando que Mohammad Reza Al Zahedi era o responsável por ajudar o Hezbollah a coordenar os ataques na fronteira entre Israel e o Líbano, além de estar diretamente envolvido no atentado terrorista cometido pelo Hamas no dia 7 de outubro.

A decisão de atingir diretamente um consulado iraniano coloca em risco a guerra fria vivida entre Irã e Israel desde o estabelecimento da teocracia iraniana em 1979, que emergiu sob forte discurso anti-Israel e anti-EUA. Os dois países se fortaleceram militarmente e, embora nunca tenham declarado, compreendem que uma guerra direta seria catastrófica, colocaria em risco a existência dos dois lados e desencadearia uma desestabilização sem precedentes na região.

Para evitar o pior dos cenários, nas últimas quatro décadas a solução tem sido o enfrentamento por procuração, que ocorre quando os lados usam intermediários para prejudicar o adversário. Embora sempre tenham vivido sob tensão, israelenses e iranianos encontraram uma forma de se ameaçar sem colocar em risco o status quo doméstico.

Do lado israelense, o principal aliado no embate contra o Irã são os Estados Unidos, que cortaram relações diplomáticas com o regime iraniano em 1980. As hostilidades da recém-chegada teocracia aos americanos, se transformaram em ação no fim de 1979, quando estudantes iranianos invadiram a embaixada americana em Teerã e tomaram como reféns 63 funcionários diplomáticos por mais de um ano.

Desde então, o Irã se tornou um problema para Washington. Para proteger seus interesses e defender Israel, os Estados Unidos atuaram diplomaticamente para isolar os iranianos na região, através de severas sanções e ameaças a aliados que buscassem normalizar acordos comerciais com o regime.

Em 2020, o governo de Donald Trump matou o comandante da Força Quds iraniana,  general Qassam Soleimani, através de um ataque com drones na capital iraquiana, Bagdá. A morte de Soleimani gerou revolta nacional no Irã, com imensos protestos e um funeral de chefe de Estado para um dos principais nomes do regime.

Na época, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, ameaçou os Estados Unidos com uma "vingança implacável". Apesar dos ataques verbais, o Irã nunca respondeu militarmente à altura do ataque sofrido, e optou por seguir tentando se recuperar das sanções econômicas através de canais diplomáticos com países aliados.

Do outro lado, o Irã não tem uma potência global disposta a ajudá-los da mesma forma, mas tem um enorme aparato paramilitar que segue as suas ordens de agir diretamente contra alvos israelenses. O principal aliado, Hezbollah, é o grupo aliado mais poderoso e está em confronto na fronteira com Israel desde outubro do ano passado.

Na década de 80, o Líbano foi palco de uma sangrenta guerra civil que levou Israel a invadir o sul do país para controlar ataques de milícias palestinas que estavam estabelecidas na região. Em resposta, o Irã financiou e armou um grupo xiita que viria a se tornar o Hezbollah. Em 2000, 16 anos depois de invadir o Líbano, o exército israelense se retirou do território e consolidou o poder do Irã e do Hezbollah. Em 2006, Israel e Hezbollah voltaram a guerrear por um mês, mas pouco mudou a situação.

Desde o início da teocracia xiita no Irã, o Iraque também era um dos principais rivais geopolíticos do país. A queda de Saddam Hussein em 2003 soou como uma vitória dos americanos, mas, indiretamente, quem se beneficiou foram os iranianos ao ver uma ameaça sendo eliminada. Logo depois, o novo governo iraquiano se tornou aliado do Irã, permitindo que milícias financiadas por Teerã fossem criadas e treinadas no Iraque.

Na Síria, o regime de Bashar al-Assad sempre foi avesso aos Estados Unidos e tinha uma boa relação com o Irã, que se tornou ainda mais forte durante a guerra civil no país. Sem a ajuda de Putin e dos iranianos, Assad teria sido deposto pelas forças de oposição. Desde então, o Irã criou novas milícias e instalou bases militares no território sírio para ajudar o governo e abrir mais uma frente de confrontos contra Israel.

Resposta iraniana

O governo iraniano prometeu uma resposta ao ataque israelense, elevando o alerta de segurança em todo o território. A evacuação de embaixadas e o cancelamento de licença para soldados estão entre as medidas adotadas pelas autoridades em Israel.

Desde quinta-feira, o gabinete de segurança israelense tem se reunido para alertar seus aliados e avaliar possíveis retaliações iranianas. "Israel é capaz de se defender e responderá decisivamente a qualquer ataque", disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

A magnitude da reação iraniana ainda é uma incógnita porque o passado recente mostra que as respostas podem ser menores do que as ameaças. O país sofre com problemas econômicos e, há alguns anos, optou por uma aproximação diplomática com países vizinhos para tentar sobreviver aos efeitos das sanções.

Cada vez mais próximos da Rússia e da China, recentemente os iranianos restabeleceram relações com a Arábia Saudita, um país de diferenças religiosas profundas e rivais na sangrenta guerra civil do Iêmen. O intermédio de Xi Jinping foi um forte sinal da mudança de postura do governo iraniano na região, que também voltou a se aproximar dos Emirados Árabes após uma década de distanciamento político.

Portanto, uma resposta militar ao território israelense, sem o uso de intermediários, poderia significar uma ameaça de guerra com Israel, o que afetaria todos os planos do Irã de reconstrução econômica para os próximos anos.

O confronto direto também forçaria os Estados Unidos a voltarem com força ao Oriente Médio para auxiliar o seu aliado, reconfigurando as prioridades de Washington e o desenho diplomático vigente na região.

No governo iraniano, uma ala mais moderada entende que atacar Israel seria cair na armadilha de Netanyahu, que vê no confronto com o Irã a possibilidade de apoio irrestrito dos Estados Unidos. Há também uma ala de oficiais iranianos que pensam o oposto, alegando que uma resposta branda demais passa a imagem de um governo enfraquecido e incapaz de se defender e proteger seus aliados.

Durante o funeral dos sete iranianos mortos no ataque israelense ao consulado, o comandante-chefe do Exército dos Guardiões da Revolução Islâmica (IRCG), Hossein Salami, alertou que "nenhuma ação de nossos inimigos contra a nossa estabilidade ficará sem resposta".

 

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