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Como o preconceito afeta o atleta e quais ações já existem para coibir a homofobia no esporte

Em alusão ao Dia Internacional do Orgulho LGBT, O Liberal conversa com entidades e atletas que buscam descontruir o preconceito em estádios e agremiações

Pedro Cruz e Beatriz Reis / O Liberal

O esporte é apenas um reflexo da sociedade. Sob está ótica, é inevitável entender que casos de homofobia permeiem as modalidades. A premissa é ratificada por Carlos Lobato, presidente da comissão de esportes da OAB e ex-presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Pará.

“O futebol traduz todo o comportamento da sociedade que a gente vive. Não só no aspecto da homofobia, mas na política, nos aspectos sociais”, avalia.

A homofobia pode ser percebida em atos comuns e naturalizados dentro dos esportes. No futebol, por exemplo, cânticos e xingamentos estão ligados a sexualidade. Chamar o goleiro de ‘bicha’ ou o adversário de ‘viado’ é praxe nos estádios.

“O que temos que refletir é: porque são esses os xingamentos? Por que, ainda na nossa sociedade, existe a associação pejorativa a esses termos? A gente sabe que eles são utilizados com o objetivo de ‘desumanização’, de não reconhecimento enquanto pessoa, enquanto sujeito de direitos”, explica João Jorge, da Comissão de Diversidade Sexual e População LGBTQI da OAB-PA.

image João Jorge é da Comissão de Diversidadde e População LGBTQI da OAB/PA (Igor Mota)

Mas o futebol não é o único espaço esportivo em que o constrangimento, o medo e a própria violência – seja ela física ou verbal – são comuns quando o assunto é expor a sexualidade. Algo que deveria ser natural ainda é considerado tabu. Não só nas arquibancadas, mas dentro das agremiações.

A jogadora de handebol Mariana Braga revela que optou por esconder, por anos, a orientação sexual por receio de como seria recebida pelas companheiras de time.

“Demorei muito tempo, acho que uns três ou quatro anos, para que eu conseguisse chegar para minhas colegas, que jogavam comigo, e falar ‘olha, eu tenho uma namorada’. [Antes] Elas sempre me pressionavam. ‘Você não tem um namorado?’”, relembra.

Após expor a sexualidade, Mariana passou por situações incômodas com as demais jogadoras. A definição de quem dividiria o quarto de hotel com Mariana era tratada como um problema.

“Muitas vezes, quando a gente precisava viajar para jogar, eu ficava me sentindo muito mal porque quem ia querer dividir o quarto comigo? Normalmente as pessoas não queriam. Sempre era algo no sentido de ‘quem sobrar vai ficar no quarto com a Mariana’”, conta.

image Mariana Braga e a namorada, Adrielly Louchard (Tarso Sarraf)

Ao invés de ser acolhida, a própria jogadora decidiu se afastar. “Eu sempre fui muito reservada quando a gente viajava, costumava não ficar muito dentro do quarto até para deixar a minha colega mais à vontade. Nem era por mim, mas por ela, para não achar que eu poderia querê-la de alguma forma. Isso foi uma das coisas que eu enfrentei”, detalhou Mariana.

É um assunto que a jogadora de handebol considera um dos principais entraves que viveu dentro do esporte. “Existe aquela barreira do heterossexual não aceitar, não respeitar ou não entender e achar que, por algum motivo, o fato de eu gostar de uma garota vai fazer eu gostar dela também. Acho que, com o tempo, na amizade, consegui deixar claro”, relatou a jogadora.

Ausência de dados

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA) é uma das instituições de apoio às comunidades e minorias, que acolhe e dá orientações a pessoas que sofreram qualquer tipo de preconceito, incluindo na esfera esportiva.

Apesar da amplitude e do conhecimento público de diversos casos de homofobia no esporte, oficialmente nenhum caso foi registrado no Pará – apenas pela ausência de formalização de denúncias.

“Quem fornece os dados não são as instituições oficiais, é, na verdade, o jornalismo. Todas a cobertura de eventos, inclusive internacionais, o mais recente foi a Eurocopa, você vai encontrar um relato de racismo ou homotransfobia. Você vai encontrar alguma situação, seja praticada pela torcida, de maneira presencial nos estádios ou virtual, em uma postagem. Quando um atleta publica uma foto com o seu parceiro ou parceira, eles vão ser atacados”, reitera João Jorge.

Medidas de repreensão

Ao longo dos últimos anos cresceu o número de ações de conscientização para combater o preconceito de gênero e a favor da diversidade. As medidas trabalham em duas frentes: a educativa e a punitiva.

“A gente vem promovendo fiscalizações, campanhas educativas e esse diálogo vem sendo feito com o Tribunal de Justiça Desportiva, que precisa ser provocado. Então, o que há é uma conscientização principalmente com os árbitros, que estão lá para verificar casos de homofobia e preconceito racial. O STJD determina que os árbitros coloquem na súmula qualquer comportamento homofóbico que ocorra dentro ou fora de campo”, explicou Carlos Lobato.

image Carlos Lobato é presidente a Comissão de Esportes da OAB/PA e já presidiu o Tribunal de Justiça Desportiva do Pará (Igor Mota)

Atualmente, a legislação desportiva prevê sanções a clubes e entidades por casos de preconceito.

“O Código de Justiça Desportiva prevê a punição por ato discriminatório. Essa punição pode significar a perda dos pontos e também uma multa de até R$ 100 mil, dependendo do caso. Então, felizmente, o nosso ordenamento jurídico contempla isso tudo. Mas acredito que ainda é muito pouco o que a gente traz para a discussão. A homofobia ainda é muito comum, principalmente entre as torcidas”, conclui Lobato.

Além da área desportiva, casos também podem – e devem – ser denunciados na esfera penal.

“Hoje temos, no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), o artigo 243-G, que considera crime a prática de você xingar. Temos o Tribunal de Justiça Desportiva, que pode vir a punir essas pessoas. Em paralelo a isso, temos a nossa legislação, a Lei 7716 de 1989, que desde 2019 está sendo aplicada”, resume João Jorge, da Comissão de Diversidade da OAB.

“Toda a pessoa, seja o atleta, o torcedor, a torcida ou a família que se sinta atingida com a prática de homotransfobia ou lgbtfobia, deve procurar, sim, a delegacia, registrar uma denúncia, procurar o Ministério Público, procurar a OAB, para que possamos apoiá-la e atuar no sentido de garantir a responsabilização dessas pessoas, para tentar, por esse meio, mudar”, finalizou Jorge.

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