Tarifaço de Trump ameaça 3,6 mil empregos formais no Pará

Governo e setor produtivo avaliam impactos da taxa de 50% dos EUA na economia e no mercado de trabalho do estado

George Miranda | Especial para O Liberal
fonte

A decisão do governo dos Estados Unidos de impor uma tarifa de 50% sobre parte dos produtos brasileiros ameaça diretamente milhares de empregos no Pará. Estimativas da Federação das Indústrias do Estado (Fiepa), com base em estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontam que a sobretaxa pode reduzir em 0,33% o Produto Interno Bruto (PIB) paraense, provocando uma retração de 0,264% no mercado de trabalho. Na prática, essa redução econômica poderá resultar na perda de aproximadamente 3,6 mil postos formais em dois anos no estado.

O impacto se soma a riscos em cadeias produtivas estratégicas da Amazônia, como o açaí e a castanha-do-pará, e pode se estender a comunidades ribeirinhas e rurais que dependem dessas atividades para sobreviver. Nacionalmente, a perda de postos de trabalho pode chegar 57 mil, segundo levantamento do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica Aplicada, ligado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Nemea-Cedeplar/UFMG).

image Em meio a tarifaço, China é principal destino da soja paraense, mas setor têm desafios financeiros
Com a China como principal destino, o Pará se consolida como grande exportador de soja, mas a baixa nos preços e a guerra tarifária com os EUA dificultam os lucros dos produtores.

image Tarifaço de Trump: Ao menos R$ 387 bi podem ficar fora da meta fiscal com pacote antitarifa
Medida foi criticada por especialistas, que apontam uma prática recorrente da equipe econômica de burlar a regra em momentos de emergência

Os setores do Pará apresentam diferentes níveis de vulnerabilidade às novas tarifas norte-americanas, mas a indústria de transformação tende a ser a mais prejudicada, pois concentra maior volume de exportações para os Estados Unidos — mais de US$ 224 milhões no primeiro semestre de 2025. Entre os produtos, destacam-se hidróxido de alumínio (35,41%), alumínio não ligado (13,83%), sucos de frutas (11,15%) e madeira tropical perfilada (10,09%), que juntos somam mais de 80% das exportações do setor. 

Na agropecuária, embora os valores exportados sejam menores (US$ 7,1 milhões), há concentração elevada: pimenta-do-reino (61,96%) e castanha-do-pará (22,92%) respondem por quase 85% das exportações para os EUA. Nesse caso, os impactos no emprego tendem a ser mais localizados, atingindo principalmente comunidades rurais e extrativistas que dependem diretamente desses produtos. Já na indústria extrativa, a dependência é quase absoluta de dois itens: caulim (80,45%) e bauxita não calcinada (19,54%), que juntos representam praticamente 100% das exportações do setor para o mercado norte-americano.

“Essa concentração em poucos produtos indica que qualquer barreira tarifária pode reduzir significativamente a produção e, consequentemente, afetar postos de trabalho ligados à indústria e a serviços associados”, avalia Alex Carvalho, presidente da Fiepa.

 

Símbolo atingido

O açaí, símbolo da bioeconomia amazônica, também entrou na lista de produtos afetados pelo tarifaço americano. O Pará responde por cerca de 90% da produção nacional e lidera as exportações do fruto no Brasil. Só em 2024, segundo o Dieese, mais de 8 mil toneladas foram enviadas ao exterior. Os Estados Unidos são o principal destino internacional e consomem cerca de 40% do açaí paraense.

Em Castanhal, no nordeste do estado, uma das maiores indústrias do setor já sente os efeitos da medida, com contratos cancelados e diminuição imediata nas vendas. “Alguns clientes estão adiando os embarques, enquanto aguardam a chegada das primeiras cargas com as novas tarifas para avaliar o impacto sobre os consumidores finais”, relata a gerente de exportação da empresa, Suany Gomes.

Hoje, a indústria emprega 450 colaboradores e, durante a safra, planejava abrir até 150 novas vagas. A incerteza, no entanto, pode frear as contratações. “No último mês, tivemos queda de 30% no faturamento externo. Se o recuo continuar, pode ser que não haja a necessidade desse aumento no quadro”, lamenta.

O setor é responsável por movimentar centenas de comunidades ribeirinhas. Apenas a empresa de Castanhal mantém relações comerciais com mais de 350 famílias. “Os Estados Unidos são o nosso principal mercado e o segundo maior consumidor de açaí, perdendo apenas para o Brasil. Qualquer redução pesa não só para a indústria, mas para todas as comunidades envolvidas”, enfatiza Suany.

 

Impactos mais amplos

Para Everson Costa, pesquisador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Pará (Dieese-PA), os efeitos do tarifaço não se restringem às empresas que exportam diretamente, pois também há risco de paralisação de investimentos. “Estamos falando de uma dinâmica de consequências muito severas para a economia como um todo. Já temos indústrias em Belém anunciando o desligamento de trabalhadores. Infelizmente, isso é o começo do impacto que essa política traz para o Pará e para o Brasil”, garante. 

O pesquisador ressalta que o governo brasileiro tem buscado alternativas por meio do Plano Brasil Soberano, que prevê R$ 30 bilhões em crédito, adiamento do pagamento de impostos e incentivos à exportação. “As iniciativas continuam pelo caminho do diálogo, não há reciprocidade para uma guerra tarifária. Mas é preciso ampliar a proteção à indústria e aos empregos”, acrescenta Costa.

Por outro lado, para Guilherme Minssen, zootecnista e integrante do Conselho Fiscal da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), as medidas anunciadas pelo Governo Federal são insuficientes. “O agronegócio vive de ciclos naturais e não pode esperar, com diferentes safras em andamento. Quando os produtores rurais são atingidos, a população é quem acaba pagando os maiores custos deste setor. Para nós, as principais medidas imediatas deveriam ser isenções tributárias e facilitação de logística”, defende.

 

Queda nas exportações

Segundo o Sistema de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), as exportações do Pará para os Estados Unidos caíram 13,6% em julho de 2025, na comparação com o mesmo mês de 2024. Entre janeiro e julho deste ano, os Estados Unidos foram o segundo maior parceiro comercial do estado, com 5% de participação, perdendo apenas para a China (45%). Considerando apenas julho, os EUA caíram para a sétima posição (3,1%), enquanto a China se manteve em primeiro lugar (52,5%).

Diante desse cenário, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme) informa que acompanha os efeitos do tarifaço sobre os produtos paraenses no exterior. Segundo a pasta, o estado conta com 543 empresas exportadoras, sendo cerca de 120 com relações regulares com os Estados Unidos. Entre os principais produtos estão açaí, cacau, castanha, pimenta-do-reino, óleos essenciais, cosméticos e artesanato, que reforçam a identidade amazônica no mercado internacional.

A Sedeme destaca, ainda, que “tem atuado para ampliar a presença do Pará no mercado internacional” e que, por meio do Comitê de Comércio Exterior do Estado (Comex/PA), desenvolve ações de capacitação, apoio à internacionalização e valorização dos produtos amazônicos, com o objetivo de fortalecer os pequenos negócios e consolidar o Pará como referência em comércio exterior sustentável.

 

Diversificação

Diante das incertezas, exportadores locais buscam alternativas para driblar a crise. A indústria de açaí de Castanhal, por exemplo, abriu cinco novos mercados apenas neste ano. “A ideia é continuar investindo em feiras e diversificando para reduzir a dependência dos Estados Unidos”, afirma a gerente de exportação Suany Gomes.

Alex Carvalho, presidente da Fiepa, avalia que a resposta também passa por inovação e agregação de valor. “É importante fortalecer cadeias produtivas como a indústria extrativa, a agroindústria e setores ligados à bioeconomia para manter níveis consistentes de atividade e emprego”, conclui.

Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞
Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Economia
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM ECONOMIA

MAIS LIDAS EM ECONOMIA