Fundo Amazônia: nem 1% do prometido por países ricos foi repassado

Fundo completa 15 anos com promessas não cumpridas e recursos escassos. De US$ 100 bilhões, firmados em compromissos feitos por países ricos, só US$ 734,3 milhões chegaram (0,7% dos repasses esperados)

Júlia de Aguiar / Especial para O Liberal
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Passados 15 anos desde que foi criado, o Fundo Amazônia acumula um rosário de expectativas frustradas e promessas não cumpridas. Dos cerca de R$ 495 bilhões esperados, em valores atuais (US$ 100 bilhões), firmados em compromisso à época por países ricos, somente R$ 3,6 bilhões (US$ 734,3 milhões) chegaram (o equivalente a 0,7% dos repasses esperados). Somadas, todas as doações aportadas somente neste ano no Fundo Amazônia, o valor é inferior aos R$ 200 milhões (US$ 40,8 milhões). Em termos comparativos, este montante que não chega ao orçamento de um ministério brasileiro. Esse dinheiro tem como destino o financiamento de projetos de conservação da floresta e desenvolvimento sustentável com vistas ao combate das mudanças climáticas.

Em outubro passado, o BNDES informou que a diretoria havia aprovado o contrato de duas novas doações. Juntas elas eram de R$ 45 milhões (US$ 9,1 milhões). Um aporte era da Suíça, no valor de R$ 30 milhões (US$ 6,1 milhões), e outro dos Estados Unidos, de cerca de R$ 15 milhões (US$ 3 milhões).

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Vale destacar que a contribuição dos EUA ao Fundo Amazônia na era Lula 3 era uma das mais aguardadas. Isso porque, meses antes, em abril, o presidente Joe Biden havia anunciado, em encontro de chefes de Estado no Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima, a destinação de R$ 2,5 bilhões (US$ 500 milhões), cifra muito superior à que efetivamente chegou.

Já no início deste ano Alemanha também anunciou a doação de cerca de R$ 184 milhões (US$ 37,6 milhões), tendo efetivamente desembolsado, até o momento, aproximadamente R$ 105 milhões (US$ 21,4 milhões). Atualmente, os maiores doadores do Fundo Amazônia são a Noruega, que responde por 93,8% de todos os recursos aportado, e a Alemanha, autora de 5,7% dos depósitos desde 2009.

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A liberação dos recursos para o Fundo Amazônia está atrelada a um discurso dos países ricos de que o Brasil precisaria entregar mais ações de combate ao desmatamento. Durante a audiência da qual participou na última semana no Senado, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, foi confrontado por parlamentares de vários estados do norte sobre o descompasso entre as exigências internacionais, a falta de repasses e a carga sobre os pequenos e médios produtores da região.

“Nós temos um código florestal, hoje, que é o código florestal mais rígido do mundo. Não tem nenhum país neste planeta que sirva de exemplo como o do Brasil. Mas tenho notado narrativa grande sobre isso porque na prática não vemos nenhum tipo de investimento e sobra tudo para o produtor rural. Em cima do nosso código florestal, na Amazônia, ele tem o direito de desmatamento legalmente de 20% de área. Como fica a responsabilidade sobre os 80% da propriedade dele?”, questionou o senador Mauro Carvalho (União-MT).

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Mercadante reconheceu o descumprimento de promessas. “O planeta tem esse interesse, a Amazônia. É o momento histórico da Amazônia. É o momento que a Amazônia tem que se colocar ao mundo e saber que isso é um ativo do Brasil para atrair investimentos e cobrar compensações alternativas. E eu concordo que os países ricos não cumpriram o que prometeram. Porque eles tinham prometido 100 bilhões de dólares e nunca entregaram”, falou.

O BNDES é o banco que responde pela gestão do fundo

Em 2019, durante a gestão Jair Bolsonaro, o Ministério do Meio Ambiente extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), paralisando o recebimento e aplicação dos recursos do Fundo Amazônia. Dados da época indicavam que, até aquele momento, 60% das verbas haviam sido destinadas a instituições do governo como o Ibama. A eleição do atual presidente Lula contou com a promessa de reativação do fundo e intensificação das ações de combate ao desmatamento com parcerias internacionais.

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O compromisso foi firmado na reunião da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com o ministro de Cooperação para o Desenvolvimento e Política Climática Global dinamarquês, Dan Jørgensen, em Brasília.

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Com Fundo Amazônia travado, Brasil busca alternativas para COP-30

O Fundo Amazônia surgiu de uma proposta do Brasil durante a COP-13, a Conferência Mundial do Clima, em 2006. Dois anos depois, em 2008, um decreto assinado na segunda gestão Lula estabelecia este fundo e suas diretrizes. Às vésperas de o Brasil sediar a COP-30, que acontece no Pará, Aloizio Mercadante foi taxativo ao dizer que é necessário ser mais “ousado”.

Desta vez o governo tenta a obtenção de recursos a partir da Coalizão Verde. A promessa é de aportes da ordem de R$ 100 bilhões em ofertas de crédito para a projetos de pequeno e médios empresários Amazônia. A Coalizão Verde foi anunciada em agosto na Declaração de Belém e pretende ser um mecanismo financeiro de fomento do desenvolvimento sustentável. Essa declaração foi assinada pelos presidentes dos oito países amazônicos durante a Cúpula da Amazônia.

A ideia seria criar linhas de crédito para estímulo à economia sustentável na região. Isso a partir de recursos do Banco Mundial e outras 19 instituições financeiras dos países amazônicos.

"Nossa perspectiva é chegar com uma proposta de R$ 100 bilhões de reais de crédito especial e crédito favorecido para a Amazônia. Já começamos com o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] com R$ 4,5 bilhões para micro, pequenas e médias empresas e isso já vamos liberar agora no mês de novembro”, anunciou o presidente do BNDES.

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Os gargalos para os financiamentos no Norte do Brasil

Dados do BNDES apresentados por Mercadante no Senado indicam que houve um crescimento de 204% na demanda de crédito no BNDES para a região da Amazônia Legal. “As aprovações de crédito cresceram 40% e o desembolso cresceu 20% na média nacional e 27% na região da Amazônia”, disse. "A demanda de infraestrutura na Amazônia está muito forte no banco. A mais forte é a parte de saneamento básico, mas também tem outras como energia”, observou.

Na avaliação do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), entretanto, esses aportes “resgatam uma dívida do BNDES com a região norte”.

“Se você pegar os relatórios anuais do banco, verá que o Norte é sempre a região com a menor participação nos desembolsos. No ano passado, por exemplo, dos R$ 97,5 bilhões financiados pelo BNDES apenas 4,19% foram direcionados aos estados do Norte. O Nordeste ficou com 13,43% do bolo, o Centro-Oeste com 9,47%, o Sul levou 33,82% e o Sudeste recebeu 39,09% do total. O banco é para ajudar no desenvolvimento, no entanto, vemos um privilégio às regiões mais desenvolvidas”, contabilizou.

Auxiliar e estimular a produção rural a utilizar métodos mais sustentáveis é um exemplo do que deve ser feito com os recursos prometidos. Em muitos casos os produtores do norte ainda usam formas rudimentares e menos sofisticadas que, além serem mais prejudiciais ao meio ambiente, o colocam em desvantagem na hora de competir com produtores de outros estados. Um dos motivos para esses gargalos na obtenção de recursos para modernizar a produção, observa o senador Zequinha, são dificuldades impostas quando se busca o crédito.

“Ainda se utiliza formas rudimentares e menos sofisticadas na região pelo fato de terem dificuldade de acesso ao crédito para modernizar essa produção. São criados muitos obstáculos para que pequenos produtores rurais da região possam acessar os recursos do banco. Isso precisa ser revisto para que o BNDES e a Coalizão Verde consigam, de fato, modernizar a produção na Amazônia, tornando-a mais sustentável e combatendo o desmatamento e a queimada ilegal.”

Um dos pontos cobrado pelos senadores da região é a revisão nas formas de se obter a regularização fundiária. “Precisamos dar a regularização fundiária para o pequeno e médio produtor. Se ficarmos debatendo a situação da preservação sem olhar como as pessoas estão vivendo na Amazônia não vamos chegar a lugar nenhum”, observou o senador Jaime Begattoli (PL-RO) durante a audiência.

Entre as várias discussões sobre regularização fundiária no Congresso está o projeto do senador Irajá (PSD-TO) em tramitação do Congresso. O texto (PL 510/21) é de 2021 e pretende desburocratizar o processo de emissão de títulos, mas segue pendente de votação.

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